Wednesday, October 6, 2010

DILMA: O QUE SE PODE ESPERAR?

DILMA: O QUE SE PODE ESPERAR?

Dilma Rousseff não conseguiu obter a maioria absoluta de que necessitava para fazer eleger-se na primeira volta das presidenciais do Brasil de 3 de Outubro de 2010. Ficando-se pelos 47%, José Serra, seu principal concorrente obteve 32% e Marina Silva, do Partido Verde alcançou 19% dos votos válidos, tendo sido considerada a grande vencedora do pleito.
Na realidade, constante nos 8-9% entre Abril e o início de Setembro, Marina subiu para 12% em meados de Setembro, chegando a alcançar, segundo sondagem divulgada a 28 de Setembro, 17% das intenções de voto, pelo que não é de admirar o resultado que obteve nas eleições. Com um discurso ambientalista, que atinge a classe média alta, ambientalmente consciente, foi aí que Marina mais capou votos. Por outro lado, se a candidatura de Dilma foi «feita» por Lula e se o eleitorado de Serra vota nele por se ter habituado a votar PSDB ou por ser contra o PT, Marina trouxe, de facto, algo de novo. Os problemas de Marina foram, todavia, a estrutura do seu partido, demasiado frágil, e o facto de o seu programa de campanha apresentar propostas de longo prazo.
Se a vitória de Dilma era dada como certa logo na primeira volta, a verdade é que a popularidade da candidata veio decrescendo nos últimos dias de campanha, ainda que eu ainda esperasse uma vitória logo em primeiro turno. Até porque as sondagens, num país com 190 milhões de habitantes, com mais de 8 milhões e 500 mil Km2 (para se ter uma ideia, Portugal tem 92 000 Km2), em que São Paulo é do tamanho da Itália e o estado do Rio de Janeiro do de Portugal, valem o que valem e as margens de erro acabam por ter alguma expressividade. Mas a vitória na segunda volta de 31 de Outubro é certa.
Tendo escolhido, como lema de campanha, «dar continuidade ao governo do Presidente Lula», Dilma não deverá introduzir grandes alterações ao Brasil que herdará. Em todos os quesitos, do social ao económico, passando pela política externa. Apenas uma mudança de estilo é esperada. Esta com algum vigor.
Desde logo, a prioridade será dada às questões internas, já que Dilma não tem a tradição internacionalista do PT e de Lula, não sendo de se prever que venha a levar a efeito uma diplomacia presidencial como o fizeram Lula e Fernando Henrique Cardoso. A preocupação central de Dilma é o desenvolvimento social do país, apostando a ainda candidata na distribuição da renda, no aumento do emprego e na melhoria do saneamento, da habitação e da educação, tendo já afirmado que terá mais cuidado em especificar as suas promessas eleitorais, demasiado vagas na campanha para a primeira volta.
Em matéria de composição do novo governo, espera-se que este venha a ser muito eclético, com uma base de suporte que irá do PT, ao PP, ao PCdoB, passando pelo incontornável PMDB – o maior e mais constante vencedor das eleições estaduais e legislativas. Por uma razão muito simples: como não apresenta candidato à Presidência da República desde 1984, as negociações e as compensações em troca de apoios rendem-lhe sempre posições favoráveis e confortáveis, designadamente ao nível de grandes pastas do governo. Este facto é tanto mais verdadeiro quanto, em nome da nomeação de Dilma, Lula teve de conceder compensações. Afinal, enquanto Lula é fundador do PT, Dilma só se filiou no partido em 2001, o que constituiu um motivo forte para que muitas lideranças do PT criassem barreiras à indicação de Dilma. De alguma forma, Dilma terá sido «imposta» por Lula ao PT, sem possuir, nem capital político, nem o carisma de Lula. Além da margem de aprovação popular de Lula de 80%, segundo as últimas sondagens, Dilma nunca disputara antes qualquer pleito, enquanto Lula já se candidatara a presidente três vezes antes de ser eleito em 2002.
Estas condicionantes seguramente limitarão os alcances do PT na composição do governo, onde se espera vir a ter uma participação menor. Ainda assim, cogitam-se, para a pasta da Fazenda, António Palocci, Guido Mantega ou Luciano Martinho. O que demonstra, claramente, a intenção, já muito anunciada por Dilma, de seguir o caminho da continuidade relativamente à Administração Lula. Em relação à Fazenda, de qualquer forma, quer ela, quer mesmo Serra, pouco poderiam inovar. Para além do próprio Serra ter tecido rasgados elogios a Lula durante a campanha eleitoral, não sendo de esperar que elaborasse grandes alterações, o Brasil tem regras relativas aos fluxos financeiros que tem de cumprir. E se já a política económica de Palocci e, depois, de Mantega, fora idêntica à de Pedro Malan do governo FHC, para os próximos quatro anos o cenário manter-se-á inalterado, com o Brasil a manter a sua grande performance em termos económicos. Note-se que, nos primeiros meses deste ano, o crescimento económico do Brasil foi de 8%.
Ademais, o sistema político brasileiro difere dos modelos anglo-saxónicos. Nestes, para que o candidato vença, tem de apregoar a mudança. No Brasil, a vitória é assegurada se apelar à continuidade. O que aliás explica a preferência do eleitorado por Dilma, ainda que, se esta está na sombra de Lula, o mesmo se pode dizer de Serra, para o qual atacar o ainda presidente seria dar um tiro no próprio pé. Não esquecer, ainda, que o vice-presidente será do PMDB. O anterior vice-presidente, José de Alencar, empresário, era uma personalidade controversa e, ademais, oriundo de um partido pouco expressivo. Ao contrário, Michel Themer está bem posicionado. E deixará o PT em sérias dificuldades no caso de ter de assumir no lugar de Dilma que, embora tenha sido já dada como curada, persistem dúvidas quanto à sua capacidade física para liderar o Brasil herdado de Lula.
No entanto, para a pasta das Relações Exteriores, fala-se muito da manutenção de Celso Amorim ou da sua substituição por António Patriota. Nestes casos, a continuidade da política externa será a tónica dominante. Todavia, também se fala do do ex-Secretário Geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, do PT, que abandonou o cargo por ter completado 70 anos. Mas para ser ministro não existem limites etários. Neste caso, a radicalização da política externa brasileira será uma realidade, por ser uma personalidade controversa, em função das posições radicais que defende, tendo mesmo insistido na questão da bomba atómica. Neste cenário, espera-se a formulação e execução de uma política externa que siga o caminho traçado por Lula, de uma forte presença nas questões internacionais, ainda que em menor grau, em virtude de Dilma ser muito mais nacionalista que Lula.
Efectivamente, Lula trouxe, para a prática política brasileira, algo que não acontecia: a participação do partido na formulação e execução da política externa brasileira. É verdade que o próprio PT tem uma tradição internacionalista significativa, o que não sucede com os restantes partidos e, por outro lado, que Marco Aurélio Garcia sempre influenciou muito o presidente cessante. Assim, o internacional sempre foi uma área de eleição para Lula. Ainda que o internacionalismo do partido se limitasse à actuação na América Latina, durante as Administrações Lula o PT desenvolveu uma visão de mundo abrangente, actuando nos mais diversos fora mundiais, embora privilegiando a cooperação Sul-Sul, que relançou, não apenas com os países emergentes, com também com os países mais pobres, sobretudo da África. Cooperação Sul-Sul essa que, trazida pelo PT, apresentou desde logo dois instrumentais: a expansão da influência do Brasil e consequente prestígio internacional e a dimensão da solidariedade, resultante da visão internacionalista do partido e do próprio Lula. Dilma é diferente. Muito menos internacionalista que Lula, ela é sobretudo nacionalista, daí que, embora sem grandes alterações, se espere uma diminuição da actuação internacional do Brasil, que seguramente deixará de ser tão abordado ao nível dos media internacionais.
É natural que o papel do Brasil como pay master na América do Sul seja diminuído. As negociações com o Paraguai e a Bolívia seguramente não piorarão, mas não se prefigura provável uma melhoria das mesmas. O Brasil seguirá, certamente, consolidando a manutenção da sua presença nos principais fora internacionais, defendendo, principalmente, um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Simplesmente, fá-lo-á de um modo low profile.
Relativamente à política externa formulada para o espaço regional, o Brasil continuará a encarar a América do Sul como sua área de influência, sendo certo que esta tarefa, mesmo com Lula, tem sido facilitada pelo facto de os próprios EUA não terem uma política externa para a América Latina consistente e bem definida. Na América do Sul, os EUA contentam-se com a Colômbia e a Venezuela, agradecendo que o Brasil se dedique a promover a estabilidade da região Sul. Assim, é de se esperar a manutenção da postura de Lula face à Venezuela e à Bolívia e, ainda, em relação à defesa dos direitos humanos na região.
Também em relação ao Mercosul não se esperam grandes alterações. Facto é que a presença do Brasil no bloco impede que o país assine acordos comerciais de forma bilateral, sendo a expressão do Mercosul neste aspecto muito insignificante. O bloco apenas tem dois acordos de comércio assinados, com Israel e o Egipto – países, além do mais, de pouca expressividade económica – enquanto as negociações com a EU se mantêm num impasse desde 2004, em função da falta de acordo quanto à insistência da EU em manter o proteccionismo da Política Agrícola Comum, ao que o Mercosul responde com a não abertura dos mercados públicos e dos serviços.
A UNASUL, importante fórum de debate na América do Sul, também não verá grandes alterações da postura brasileira. A UNASUL é relevante, designadamente, para criar uma segurança comum face aos EUA, servindo, ao Brasil, para exercer influência sobre vizinhos como a Venezuela e a Bolívia. A organização, criada em 2008, serve, essencialmente, para estabelecer uma agenda de segurança comum, ainda que o Brasil não represente, para a região, qualquer perigo militar. O receio dos vizinhos face ao Brasil continuará a ser a forte presença económica do país, o que tem motivado as posições radicais, por exemplo, da Bolívia, de nacionalizar importantes sectores económicos onde o Brasil tem fortes investimentos, como a petrolífera brasileira Petrobrás.
Na Organização dos Estados Americanos, o Brasil seguirá buscando alguma influência, designadamente através da escolha de secretários-gerais, sendo ainda de se esperar a manutenção da consolidação da influência do Brasil no Haiti e, de alguma forma, nas Caraíbas.
Face aos EUA, o pragmatismo continuará sendo a tónica dominante, até porque a política externa brasileira para os EUA é constante desde Ernesto Geisel.
Relativamente ao Médio Oriente, e porque o Brasil não tem uma linha bem estruturada de interesses económicos, serão de esperar algumas alterações.
A grande dificuldade de Dilma será «lutar» contra um presidente anterior que termina o seu segundo mandato com um índice de popularidade de 80%, que alcançou êxitos incontornáveis ao nível económico, das políticas sociais, tendo o Bolsa Família alcançado 11 milhões de famílias, e do estatuto internacional do país. Como poderá Dilma diferenciar-se de Lula? Que estratégia adoptar depois de o Brasil ter sido liderado pelo presidente mais famoso do mundo, como disse Obama? Dilma terá o desafio de ter de ser melhor. Mas não tem o carisma de Lula, e isso repercutir-se-á na imagem internacional do Brasil, sendo de esperar que a comunicação social mundial fale menos do Brasil e lhe dedique menos manchetes. Isto leva, também, a uma outra interrogação. Embora se fale muito, hoje em dia, sobre o ingresso de Lula numa carreira internacional, designadamente nas Nações Unidas, a falta de instrução de Lula, que não sabe falar Inglês, poderá ser um handicap, surgindo a questão de se saber se não estará Lula a preparar o seu regresso como presidente em 2014, já que a Constituição Brasileira limita a presença de um presidente a apenas dois mandatos, sendo certo que Lula não quis, deliberadamente, alterá-la para poder reeleger-se a um terceiro mandato. Neste caso, Dilma seria uma espécie de «presidente de transição», ou, o que é ainda pior, algo como um governo Lula «disfarçado» de Dilma.
É evidente que Dilma beneficia da «reputação de mudança» de Lula, que trouxe a mudança, designadamente em termos de política externa, melhorando a imagem internacional do Brasil. Se analisarmos a evolução da política externa brasileira desde o primeiro mandato de FHC até ao final da era Lula, concluímos facilmente que ela mudou extraordinariamente. Todavia, não houve qualquer ruptura, como sucedeu na Argentina, que assistiu a rupturas sucessivas de Menem para Alfonsín e deste para Kirchner. A política externa do Brasil foi-se alterando, no que podemos apelidar de «ruptura lenta e continuada». O primeiro mandato de Lula desenvolveu uma política externa muito semelhante à de FHC, vindo depois a modificá-la, para chegar-se ao ponto de total diferença a que hoje assistimos.
Neste sentido, quais as expectativas gerais para a política externa de Dilma? Seguramente, ela será menos «aventureira», ainda que Dilma apoie a política de Lula relativamente ao Irão, mais cordial e menos tensa face aos EUA, sendo menos assertiva nas questões comerciais, em relação às quais se esperam poucos avanços. Ainda assim, os EUA e a EU continuarão sendo as suas prioridades, objectivando a conclusão de acordos comerciais, sem alterações relativamente a esses parceiros e, ainda, sem mudanças face a Portugal. A haver alterações, talvez estas sejam mais visíveis em matéria de cooperação para o desenvolvimento, já que Dilma é mais desenvolvimentista e está mais preocupada com a situação económica interna do Brasil, o que poderá levar, não só à diminuição da cooperação técnica com a África, como ainda a uma política menos preocupada com as questões ambientais. Ela quer desenvolver a economia e melhorar a situação interna do Brasil, alegando o velho argumento do «direito ao desenvolvimento», sem grandes preocupações ambientais.
É verdade que, se historicamente há uma tradição do Ministério das Relações Exteriores de manter a continuidade da política externa brasileira assente num autonomismo que, todavia, foi conhecendo períodos de excepção, hoje esta tendência para a autonomia é muito significativa. Existem, de facto, duas correntes, no interior do Itamaraty, especialmente em relação à forma como pode a política externa obter insumos para o desenvolvimento nacional.
De um lado, temos os autonomistas, que hoje controlam o Ministério, defendendo uma revisão da ordem internacional para torná-la mais favorável ao Brasil. De outra parte, temos os institucionalistas pragmáticos, que vêm nos regimes internacionais e na organização internacional uma estrutura adequada para a política externa brasileira, pelo que defendem a não necessidade de alterar a sociedade internacional, bastando que o Brasil a ela se adapte. Esta visão é hoje minoritária, tendo sido a corrente que, dominando FHC e Celso Lafer, apoia José Serra. Dilma, pelo contrário, recebeu o apoio dos autonomistas e, embora a campanha eleitoral não se tenha grandemente orientado pelo tema da política externa, este é hoje fundamental para o Brasil, já que, não obstante todos os êxitos de Lula, a verdade é que, não só ele beneficiou da situação económica preparada pelo seu antecessor, pai do Plano Real, como também da conjuntura internacional favorável aos países emergentes, Lula é um fenómeno bem conseguido de marketing internacional. E muito da sua actual popularidade se deve à circunstância de ter colocado o Brasil na cena internacional, abrindo caminho à concretização da obsessão do país em tornar-se uma potência.

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