Friday, December 16, 2011

Uma Breve Nota

Hoje, a Rússia entra formalmente na OMC, após 18 anos de negociações e por intermédio da mediação suíça, numa cerimónia que tem lugar em Genebra. Esta entrada representa uma possível ajuda à economia russa, num cenário de crise económico-financeira generalizado e renova as esperanças de que o "R" dos BRICS venha a adotar medidas de maior trasnparência, tanto a nível económico, quanto político, através do respeito pelas regras internacionais. Até porque Putin disse, recentemente, que apenas ficará no poder enquanto o povo russo assim o desejar...

Monday, November 21, 2011

aA PRESENÇA CRESCENTE DA CHINA NA AMÉRICA LATINA

É cada vez mais necessário, para os Latino-Americanos, debater a presença crescente da China na América Latina – uma presença que, de muitas formas, influencia o relacionamento dos países latino-americanos com a EU. Fundamentalmente, porque essa presença tem vindo a apresentar resultados mais tangíveis do que a retórica em que acaba por estar envolta a relação EU-América Latina. Especialmente desde os anos 1990, quando a China começou a erguer-se como motor da economia global. E é de facto a partir de então que as relações entre a República Popular da China e a América Latina começam a ganhar relevância. Daí que se pretenda fazer uma análise dessas relações, dos anos 1990 aos dias de hoje, sendo certo que, neste contexto, sobressai a presença crescente da China na América Latina, e não o inverso. De longe!
Neste sentido, deve partir-se da hipótese de que as relações sino-latino-americanas se tornaram possíveis graças à existência de coincidências e convergências entre os respectivos projectos nacionais, ao forte ritmo do crescimento chinês e às demandas chinesas por minérios, matérias-primas e energia, para fazer face a esse crescimento. Todavia, deve-se também considerar a hipótese de que tais relações têm tido efeitos perversos para os países latino-americanos, em função da sua assimetria. Uma assimetria visível a dois níveis: 1) a China exporta mais para a América Latina do que importa, o que dá origem a défices comerciais para esta região; 2) a China exporta produtos manufacturados e importa bens primários, o que provoca um desequilíbrio das contas latino-americanas, graças à deterioração dos termos de troca.
Detentora de uma excepcional massa crítica , a China tem vindo a apresentar, nos últimos trinta anos, um robusto crescimento económico, afirmando-se, hoje, como a segunda maior economia mundial . A política de reformas e abertura ao exterior aprovada e colocada em prática a partir de 1978, pelas mãos de Deng Xiaoping, foi a responsável por este crescimento económico, o qual, adicionado da estabilidade política interna, do grande potencial de crescimento do mercado interno e da posse de grandes reservas em moeda estrangeira, transformou a China na potência económica que hoje é, em 2001 admitida na Organização Mundial do Comércio (OMC) e considerada um BRIC por Jim O`Neill, economista do grupo norte-americano Goldman Sachs.
Suportadas nesta performance económica, as relações do gigante asiático com a América Latina têm-se reforçado, quer ao nível comercial, quer ao nível do aumento do investimento directo estrangeiro da China na região. De facto, se entre 1970 e 1980, todos os países da região, com excepção do Paraguai, já haviam reconhecido a RPC – o que representou uma mudança de perspectiva dos Latino-Americanos sobre a questão de Taiwan – em função do interesse mútuo de diversos grupos sócio-empresariais latino-americanos e chineses, foi a partir de 1978 que esse relacionamento se reforçou, intensificando-se, com Hu Jintao, em torno dos temas da energia, dos minérios e da infra-estrutura, ao mesmo tempo que a China reforçou o seu envolvimento multilateral na região ao aderir ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em 2008, e ao assinar, na última década, tratados de livre comércio com o Chile, o Peru e a Costa Rica .
Efectivamente, o contínuo crescimento económico da China tem sido acompanhado pelo aumento do investimento directo chinês na América Latina, com a estratégia go global, lançada em 2000, através da qual o governo tem dado significativo apoio político e financeiro para que as empresas nacionais internacionalizem as suas actividades, o que representa uma alteração do posicionamento do executivo chinês, outrora restritivo quanto à saída de capitais do país.
Esse investimento ainda é considerado reduzido quando comparado à capacidade e aos interesses da China na região e quando comparado ao investimento directo estrangeiro norte-americano. Ainda assim, em 2010, a China investiu, na América Latina, USD 30 biliões, particularmente na Argentina, Brasil, Venezuela e Peru, especialmente nos sectores direccionados à melhoria do acesso às commodities.
Do mesmo modo, o comércio entre a China e a América Latina passou de apenas USD 10 biliões por ano em 2000, para USD 100 biliões hoje, sendo certo que a China se tornou, em 2009, o maior parceiro comercial do Brasil, pela primeira vez superando os EUA, e, em 2010, o maior parceiro comercial do Chile, do Peru e da Argentina e o segundo maior destino das exportações da Argentina, Costa Rica, Cuba e Peru, e o terceiro da Venezuela.
Se a América Latina tem interesses comerciais nesta parceria com o país que mais cresce economicamente no mundo e é o maior mercado mundial, buscando, igualmente, investimentos, esses países almejam, também, a composição de alianças que lhes permitam enfrentar as pressões da globalização exercidas sobretudo pelos países desenvolvidos. Por outro lado, deve notar-se que a China é um actor com forte influência política na sociedade internacional, designadamente por ser membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o que pode vir a oferecer uma visão alternativa à América Latina relativamente à influência hegemónica dos EUA, que a ajude a sair do círculo vicioso da economia ineficiente e do défice de poder (REISS, 2000), através do estabelecimento de uma parceria político-económica com a RPC, no âmbito de uma nova cooperação Sul-Sul.
A aproximação entre a América Latina e a China apresenta, assim, vantagens consideráveis para a região. Mas também para a China, cuja política externa tem como objectivos centrais o benefício dos seus interesses comerciais e o próprio desenvolvimento, bem como a diversificação de parceiros comerciais, por forma a não ficar exclusivamente dependente dos mercados norte-americano e europeu.
Ademais, a China considera a América Latina como uma região estratégica, encarando o Brasil como líder regional, o México e os países caribenhos dispondo de uma posição geográfica que pode vir a abrir-lhe caminho ao mercado norte-americano, enquanto o Chile, o Peru e o México fazem, como ela, parte da APEC.
Por outro lado, tal como na África, a China tem, na América Latina, como interesse primordial, importar recursos naturais e energia, tendo-se tornado já o maior importador de cobre, minério de ferro, ouro e petróleo latino-americanos, sendo o país líder no consumo mundial de muitos minérios e produtos agrícolas e o responsável por 1/3 do consumo mundial de estanho, carvão, minério de ferro, aço e algodão e por quase 1/4 do consumo mundial de óleo de soja, borracha, alumínio e cobre.
A China também pretende, da sua ligação à região, alcançar interesses políticos, designadamente o reconhecimento da sua primazia sobre Taiwan. O gigante asiático procura também, entre os Latino-Americanos, aliados para promover o seu princípio de não interferência nos assuntos internos, incluindo os direitos humanos. A questão não é apenas a América Latina, mas a busca pela crescente influência na governança global.
O fortalecimento das relações sino-latino americanas deve-se, ainda, à coincidência e semelhança dos respectivos projectos nacionais, já que se trata, de ambos os lados, de países que tradicionalmente vêm apresentando uma linha de actuação desenvolvimentista, autonomista, pacifista e universalista, estando incluídos no mundo em desenvolvimento, tendo vivido experiências de exploração e opressão pelo colonialismo e imperialismo e que estão, hoje, perante o desafio de desenvolver uma voz mais audível nas questões da agenda internacional.
Não obstante os interesses convergentes em funcionalidade, a verdade é que nem todos os aspectos do chamado efeito China são benéficos, pois o aumento das importações dos países latino-americanos oriundas da China tem tido repercussões negativas sobre as manufacturas locais, em virtude dos baixos preços dos produtos chineses, resultado da competitividade das indústrias chinesas e do Yuan desvalorizado.
Por outro lado, as exportações da região têm crescido graças à procura chinesa de produtos primários, o que tem contribuído para a expansão dos sectores associados aos recursos naturais, porém não tem contribuído para a criação de novas capacidades tecnológicas para a região. Situação que poderá conduzi-la a um esquema de dependência, face ao gigante asiático, do tipo «centro-periferia», através da «reprimarização» da economia latino-americana.
Com efeito, embora essa relação tenha impulsionado a expansão dos países latino-americanos e permitido que sofressem menos com a crise, a estrutura do comércio que a caracteriza está a reduzir o potencial da região, que passa, apenas, a fazer parte da cadeia de valor da China. Ademais, as exportações chinesas de bens manufacturados para a América Latina cresceram muito mais do que as exportações regionais de matérias-primas para a China, o que tem levado a um défice comercial da região face à China, especialmente nos casos do México e da Costa Rica. Simultaneamente, e em razão da compra de territórios latino-americanos por Chineses, o governo brasileiro limitou, no final de 2010, a venda de grandes propriedades a estrangeiros, enquanto o governo uruguaio pensa em proibir a compra de terras por parte de países terceiros e o Congresso argentino começa a analisar um projecto de lei que restrinja o acesso dos estrangeiros à propriedade dos campos.
Para fazer face a estes riscos, os industriais latino-americanos devem apostar na melhoria do design e da qualidade dos seus produtos, fomentar a competitividade das pequenas e médias empresas, capacitar a mão-de-obra, desenvolver encadeamentos que vinculem os sectores exportadores ao resto da economia e aproveitar os avanços da região em matéria de biotecnologia, fomentando, ainda, a exploração do potencial do mercado chinês, através de investimentos em activos, de aquisições, ou mesmo destinando recursos para a instalação de fábricas próprias em território chinês. O grande desafio é transformar as economias latino-americanas agregando valor às suas exportações, no sentido destas passarem a ser exportadas como produtos de valor agregado, como bem lembrou o Presidente do BID, o colombiano Alberto Moreno, aquando da Cimeira China-América Latina de 2010.

A NOVA POLÍTICA ECONÓMICA DE DILMA ROUSSEFF

O contexto internacional em que o Brasil se insere, um ano após a eleição de Dilma Rousseff para a Presidência da República, em nada se assemelha ao quadro optimista que contribuiu para o bom desempenho da economia brasileira durante os anos Lula. A par da incerteza quanto aos cenários futuros para as economias desenvolvidas, o ambiente internacional surge marcado por acusações de manipulação das taxas de câmbio e de condução imprudente das políticas monetárias.
Acrescem, no caso específico do Brasil, os contornos que ganham as relações do país com a China. Se, por um lado, o gigante asiático é visto como grande oportunidade, por outro generaliza-se a perceção da China como uma forte ameaça. Com efeito, embora a China venha contribuindo para o aumento das exportações brasileiras, estas relações têm-se mostrado crescentemente assimétricas. Primeiro, porque essas exportações são de produtos primários (matérias-primas e energia), registando-se uma perda significativa da expressividade dos produtos manufaturados no total das exportações. Se, no início da gestão Lula, estes produtos compunham 55% do total exportado, em 2010 limitavam-se a 39,4%, o que só não tem maiores efeitos sobre a deterioração dos termos de troca do Brasil em função do preço elevado das commodities no mercado mundial. Segundo, porque, no conjunto das importações brasileiras, cujo enorme crescimento fez com que a sua taxa de variação, em 2010, fosse de 42,2%, têm forte expressividade as importações de produtos chineses (60,9% em 2010), cujo baixo preço afeta a indústria local, contribuindo, também, para os défices da Balança Comercial.
Efetivamente, desde Setembro de 2010 que o superávite da Balança Comercial brasileira vem crescendo. Os últimos dados, que contabilizam USD 30,5 biliões em Setembro de 2011, mostram o dobro do valor de Setembro do ano anterior. Mas a verdade é que as exportações brasileiras, em volume, caíram 2,5% ao ano, enquanto o preço das commodities aumentaram 16%. Isto significa que o saldo positivo da Balança Comercial brasileira deve-se, não ao aumento do volume das exportações, mas sim ao aumento dos preços das commodities, que subiram muito mais do que o esperado pelo governo de Dilma.
Esta realidade, adicionada da alegada sobrevalorização do Real, foi-se reforçando ao longo de todo o primeiro ano de mandato de Dilma, dando origem a pressões crescentes do setor industrial brasileiro por um maior ativismo do governo em matéria de política comercial e pelo desenvolvimento de uma estratégia governamental para lidar com o efeito China, generalizando-se as solicitações ao governo pelo aumento do protecionismo, seja por via de tarifas, seja através da utilização mais intensa dos instrumentos de defesa comercial.
Na verdade, o governo já tem recorrido às desaconselháveis estratégias protecionistas – desaconselháveis, não só porque prejudicam a competitividade das empresas brasileiras no mercado interno e a competitividade das exportações brasileiras, como também porque geram medidas retaliatórias dos principais parceiros comerciais. Situação, aliás, que já deu origem a uma quase guerra comercial entre o país e a Argentina, porque, neste que é o maior sócio comercial do Brasil no seio do Mercosul, o aumento da inflação doméstica e a valorização do Real criaram dificuldades graves, levando a Administração Kirchner a limitar administrativamente as importações, causando grande controvérsia entre os sócios do Mercosul. Como retaliação, o governo Dilma impôs, primeiro uma licença de importação não-automática para automóveis e, depois, tarifas que variam consoante a quantidade de componentes nacionais existentes nos veículos – medidas que tiveram forte efeito na Argentina.
Relativamente à China, a medida foi mais subtil, mas não menos efetiva, ainda que muita polémica a rodeie. Efetivamente, e em razão da crescente compra de terras por estrangeiros, designadamente Chineses, que tem ocorrido nos últimos anos devido ao aumento dos preços internacionais dos alimentos e da falta de alternativas de investimentos financeiros, o governo brasileiro havia limitado, em Agosto de 2010, a venda de grandes propriedades a estrangeiros. Porém, já este ano, surgiram parlamentares brasileiros a solicitar a remoção destas restrições impostas pelo governo Lula, porque muitas empresas estrangeiras exigem as terras como garantia para o financiamento de produtores rurais, mas, para já, a norma mantém-se, estando o Congresso a trabalhar sobre um projeto de lei que remove algumas dessas restrições. Com o mesmo objetivo, aliás, o governo de Cristina Kirchner, na Argentina, fez um projeto semelhante em Agosto de 2011, estando em discussão no Parlamento. Também o Uruguai tem seguido o exemplo do Brasil e procura limitar a venda de terras a estrangeiros, estando igualmente em estudo um projeto do governo nesse sentido.
Na realidade, as medidas protecionistas no Brasil são já uma estratégia para proteger a indústria nacional e priorizar o crescimento que refletem, de alguma forma, a guinada da política económica de Dilma face ao seu antecessor. Desta forma, se no primeiro semestre o governo Dilma Rousseff concentrou-se em temas macroeconómicos, tentando manter a inflação sob controlo e diminuir as incertezas fiscais, nos meses seguintes prevaleceu uma agenda mais voltada para a microeconomia e a tributação.
De fato, o contexto de crise económica nos países desenvolvidos e de incerteza quanto ao momento e à forma como esta crise afetará as economias emergentes, adicionado do fenómeno chinês e das tendências de desaceleração da economia brasileira, têm levado o novo governo Dilma a alterar os rumos da política económica da era Lula, tanto internamente, quanto em matéria de relações externas, assumindo, em ambos os casos, características de maior pragmatismo e refletindo, de modo mais evidente do que sob Lula, os interesses comerciais do país, ao mesmo tempo em que se assiste a um maior intervencionismo estatal na economia.
Desta forma, Dilma vem-se afastando da política económica que vinha sendo aplicada desde 1999 e que assentava sobre o tripé económico com o qual ela se fez eleger: o controlo da inflação, o câmbio flutuante e o superávite fiscal.
Assim, mantendo a orientação desenvolvimentista que era de se esperar da nova presidente, Dilma tem vindo a reforçar esta orientação, valorizando o crescimento interno e não as políticas monetaristas e, desta forma, adotando uma política económica mais heterodoxa. De acordo com a nova lógica económica, em vez de se prosseguir com a política de aumentar as taxas de juros para atrair o capital estrangeiro e conter a pressão inflacionária, como foi feito no modelo anterior, Dilma tem adotado outro caminho. A continuação da política anterior teria como consequência, segundo a nova Administração, a desaceleração mais rápida ainda da economia e, caso se mantenha a tendência para a valorização do Real, provocaria, também, o aumento do défice nas transações correntes, agravando, ainda mais, a dependência da economia brasileira frente ao exterior. Dilma vem, assim, aplicando uma nova política económica que assenta numa política monetária frouxa, que implica a diminuição das taxas de juros, para fazer frente às tendências de desaceleração da economia nacional; a utilização do câmbio, depreciando o Real para ajustar os preços externos à inflação doméstica, de forma a tornar as exportações mais competitivas, embora tendo como reflexo o aumento da inflação; o controlo dos capitais e uma política fiscal apertada, de acordo com a qual os excedentes tributários (aqueles que vão além do cálculo inicial da receita tributária) são utilizados para gerar poupança e não para aumentar os gastos.
O grande objetivo desta política é promover o crescimento do produto, mesmo que isto provoque inflação, uma preocupação que é secundarizada, ainda que, desde que Dilma tomou posse, a inflação venha crescendo, tendo chegado, em Setembro, a 7,31%, enquanto havia sido de 5,9% em Janeiro. De fato, quando a economia brasileira, em meados do ano, começou a apresentar sinais de desaceleração, a Administração deu prioridade ao crescimento do PIB, em detrimento da inflação, mesmo já estando a taxa de inflação no limite proposto de 6,5%. A decisão de desvalorizar o Real surge neste contexto como instrumento para ajustar o valor da moeda à inflação doméstica, mantendo o Real depreciado e aumentando o controlo de capitais, ao mesmo tempo que se decide pela ampliação do superávite primário para 2012, medidas que têm como efeito colateral o aumento da taxa de inflação. Ainda assim, o aperto da política fiscal tem em vista o controlo da inflação, uma vez que o aumento das receitas tributárias que, em cada mês de 2011 cresceram a uma taxa anual de 15%, destina-se à poupança, e não ao gasto, promovendo o superávite primário.
O Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 5º bimestre de 2011, apresentado, a 18 de Novembro, pelo Ministério do Planejamento e encaminhado ao Congresso Nacional, vem confirmar todas essas realidades, refletindo, tanto a atualização das projeções dos índices de preço, quanto a deterioração do cenário externo. Assim, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) passa de 5,8% para 6,4%, enquanto a projeção do PIB desce de 4,5% para 3,8% e a cotação do câmbio médio sofre uma ligeira depreciação, com a cotação do Real a passar de R$ 1,61 por Dólar, para R$ 1,67 por Dólar.
De referir, todavia, que não se acredita que, hoje, níveis inflacionários muito elevados sejam politicamente aceitáveis no Brasil, pelo que é de prever a atenção do governo relativamente à taxa de inflação, que não se prevê vir, nos primeiros quatro meses de 2012, a registar-se acima da meta de 6,5% proposta.
Por outro lado, deve referir-se também que, mesmo com inflação, tem havido correção dos salários em termos reais, em lugar de se assistir ao aumento dos salários na medida da subida da inflação – uma outra inflexão de Dilma relativamente à política anterior de fazer os salários aumentar acima da taxa de inflação. Assim, se entre 2004 e 2010 a massa salarial, no Brasil, cresceu em termos reais na mesma proporção do crescimento do PIB, o que representa ganhos de produtividade, durante a mais recente crise os Brasileiros tiveram uma correção salarial maior do que, por exemplo, os Argentinos, cujos salários foram crescendo na medida do aumento da inflação, por forma a suavizar os efeitos desta que, segundo algumas fontes, chegou aos 24% (bem diferentes dos 9,9% oficiais).
Neste sentido, em vez de se estar a assistir, no Brasil, à transferência indireta do rendimento em direção ao capital – como sucede normalmente em épocas inflacionárias – assiste-se à transferência indireta do rendimento em direção ao trabalho.
Assim, a estratégia de crescimento da produção interna surge, não como um fim em si mesmo, mas como um instrumento para garantir que os reajustes salariais sigam tendo ganhos reais, o que, como disse Tony Volpon, economista sénior da Nomura Securities International, Inc. (NSI), surge como uma estratégia de suportar a inflação em troca de crescimento.
Ainda assim, há desafios pela frente. Desde logo, a falta de convicção dos gestores brasileiros relativamente ao ajuste fiscal pode vir a criar algumas dificuldades em 2012. Por outro lado, os sectores mais à esquerda do espectro político-ideológico do Brasil (PSOL e PSTU) argumentam que esta nova política económica, ao provocar o aumento da inflação, origina a diminuição do poder real de compra dos salários, pelo que será bom ficar atento à desaceleração da economia brasileira que, a agravar-se, poderá desenvolver uma dinâmica de aumento do desemprego e diminuição da rendimento, que levará à incapacidade de fazer face aos pagamentos em função do enorme grau de endividamento construído com base na abundância de crédito nos últimos anos – crédito esse que teve uma importância determinante para a elevação acentuada dos índices de consumo. A decisão de aumentar o salário mínimo e as pensões em 2012, juntamente com a queda da produtividade, embora o desemprego continue caindo, e ainda a falta de credibilidade da política anti-inflacionária e a perceção, dos empresários brasileiros, da necessidade de continuar contratando, por estarem mais preocupados com a eventual falta de mão-de-obra do que com a diminuição do crescimento, têm vindo a criar uma bolha no mercado de trabalho brasileiro que poderá vir, também, a comprometer o crescimento do país.
Seja como for, é de se esperar que Dilma mantenha, para o próximo ano, esta nova política económica, porque não se espera a melhoria efetiva do contexto internacional e é justamente por causa da crise que marca o atual e complexo ambiente internacional que Dilma vem realizando esta significativa inflexão na orientação da política económica do país, expressando uma mudança qualitativa face à política económica do seu antecessor.
Esta política tem assentado numa eventual contradição, que tem baralhado a oposição no Brasil. Por esta razão, em lugar de criticar o governo e apresentar propostas alternativas ao eleitorado, a oposição, confusa ante os resultados da nova aposta económica, tem-se limitado a denunciar escândalos ligados à corrupção. Uma letargia em nada benéfica para os setores oposicionistas, que tem conferido a Dilma uma elevada taxa de aprovação popular que, perante a doença de Lula, posiciona-a como a única liderança viável dentro do PT, dos partidos situados à esquerda do espectro ideológico do Brasil e, mesmo, em todo o país.
Na realidade, segundo pesquisa feita pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística (IBOPE), a popularidade de Dilma supera a de Lula e a de FHC em períodos semelhantes dos respetivos mandatos. Se em Setembro de 1995, FHC contava com uma taxa de aprovação popular de 57% e Lula, em Setembro de 2003, com outra de 69%, em Setembro de 2011 Dilma conta com uma popularidade de 71%. Ademais, é de registar a evolução positiva dessa popularidade, já que, em Julho, a percentagem era de 67%. Do mesmo modo, também a aprovação popular relativamente ao conjunto do governo tem vindo a aumentar. Em Julho, 48% da população considerava o governo Dilma ótimo/bom e, em Setembro, essa percentagem subiu para 51%.
Esta melhoria dos índices de aprovação e popularidade da presidente Dilma e do seu governo refletem claramente a satisfação da população com a demissão dos envolvidos em denúncias de corrupção na alta esfera do governo. Segundo Renato da Fonseca, gerente-executivo da pesquisa da CNI, Dilma “conseguiu, dentro do episódio, virar um pouco o jogo para trazer coisas positivas para o seu governo”, ao ter promovido a “faxina na Esplanada dos Ministérios”.

Tuesday, November 15, 2011

O BRASIL E A REUNIÃO DE CANNES DO G20

A última Cimeira do G20, que decorreu em Cannes, França, nos dias 3 e 4 de Novembro, foi dominada pela crise da dívida dos países da Zona Euro e pela pressão das principais economias mundiais para que a União Europeia (EU) resolva rapidamente os seus problemas. Foi uma cimeira difícil, que alcançou pouco face ao inicialmente proposto, adiando para a próxima reunião, a 18 e 19 de Junho de 2012, no México, as decisões mais difíceis. Todavia, foi uma cimeira determinante para o reordenamento da sociedade internacional, em função da clara mensagem transmitida pelos líderes dos países emergentes, com destaque especial para a presidente brasileira Dilma Rousseff. De forma directa, chamou a atenção do mundo para a necessidade de uma nova repartição de poderes entre os Estados, que espelhe o maior peso dos países emergentes, e do Brasil em particular, na economia mundial, face aos problemas que as tradicionais potências económicas hoje enfrentam.
Tendo a Presidência francesa do G20 defendido, como principal bandeira da reunião de Cannes, a criação de um imposto sobre os movimentos financeiros internacionais como meio para arrecadar fundos visando reduzir o impacto da crise financeira, o Brasil e, no espaço latino-americano também a Argentina, mostrou-se favorável à criação deste imposto, particularmente defendido pela França e pela Alemanha e, como esperado, muito criticado pelos EUA e pela Grã-Bretanha, com especial destaque para o sector bancário britânico. Todavia, Dilma deixou claro que o Brasil apoia a criação deste imposto na condição de que os países do G20 adoptem o piso único de renda proposto em Janeiro por Sarkozy com base nos programas de protecção social da Organização Internacional do Trabalho (OIT), visando garantir um mínimo de protecção mundial aos seus membros.
Os líderes do G20 decidiram, também, que o FMI poderá aplicar uma nova linha de crédito destinada aos países que, tendo uma boa gestão económica, enfrentam todavia dificuldades pontuais de liquidez, bem como banir da sociedade internacional os paraísos fiscais e, ainda, que o Banco Central Europeu (BCE) irá apoiar a Itália, esperando-se a implementação, em 2012, de uma taxa sobre as transacções financeiras na Europa Comunitária.
Não obstante estas resoluções, a verdade é que todas as atenções se viraram, durante a Cimeira de Cannes, para o Fundo Monetário Internacional (FMI), o que demonstra que os parceiros não-europeus do G20 não têm interesse em investir no Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF). Ainda que, a determinado momento, tenham chegado a levantar a hipótese de aumentar a aquisição de títulos soberanos de economias europeias sólidas como a da Alemanha, para fortalecer esses papéis, os países emergentes, na reunião anual do FMI e do Banco Mundial, que teve lugar em Setembro, já haviam deixado claro que a sua contribuição apenas seria feita no quadro das instituições financeiras internacionais. Isso mesmo veio Dilma afirmar na reunião de Cannes do G20, em concordância com os restantes países emergentes: “Não temos a menor intenção de fazer qualquer contribuição directa ao FEEF. Se nem os Europeus têm, por que nós teríamos? Faremos pelo FMI, que nos dá garantias”. Com efeito, na discussão de um dos temas mais complicados da cimeira – a contribuição dos Estados-membros com novas verbas para o FMI, de modo que o organismo esteja equipado para agir em cenários de crise – o Brasil, ao contrário dos EUA, o maior contribuinte individual do Fundo, ficou entre aqueles que apoiam esta transferência de mais verbas ao FMI.
É verdade que não foram fixados números concretos, figurando apenas, no comunicado final da cimeira, que os vinte países continuarão a “garantir que o FMI continue a ter todos os recursos para desenvolver o seu papel sistémico em benefício de todos os membros” e que, na próxima reunião de ministros das Finanças do G20 – que deverá ocorrer no início de Dezembro – serão então feitos os acertos sobre a forma como os recursos extraordinários serão postos à disposição do FMI. Ainda assim, estima-se que o capital esteja na ordem dos 300 a 500 mil milhões de Dólares, provindo especialmente dos países emergentes, com destaque para a China. Mas o mais interessante foi que o Brasil concordou com o aumento da sua contribuição para o FMI com uma condição interessante, que demonstra a firme intenção de Dilma de prosseguir com a defesa de um novo reordenamento internacional: que a transferência de mais verbas ao FMI seja acompanhada da elevação da quota de poder do Brasil no organismo, de modo que este reconheça o maior peso do país na economia mundial.
Uma vez mais, o Brasil surge, na arena internacional, a defender a necessidade de um novo arranjo de poderes, que venha substituir a obsoleta hierarquização que persiste como espelho da ordem pós-Segunda Guerra Mundial.
Efectivamente, o Brasil tem procurado conformar a ordem internacional à filosofia política de equalizar os benefícios da globalização entre os países ricos e os emergentes. Proposta que o acelerado crescimento económico dos países emergentes e a espiral de crise que afecta os países desenvolvidos transformaram numa reivindicação por novas fórmulas para o ordenamento da sociedade internacional. Se foi na década de 1970 que, face ao aparecimento de um grupo de países com acelerado crescimento industrial – já então identificados como grandes mercados emergentes – esta ideia germinou, ganhando consistência quando Itamar Franco (19932-1994) fez da cooperação do Brasil com os restantes emergentes uma prática corrente da diplomacia brasileira, foi seguramente no final do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) – quando o então presidente cunhou o termo globalização assimétrica – e, particularmente, com Lula (2003-2010), que o Brasil fez da reivindicação de um novo ordenamento mundial um dos principais objectivos da sua política externa.
Desta forma, a diplomacia de Lula acrescentou novos vectores à política externa brasileira, paralelamente à demanda por uma reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas. É verdade que a candidatura brasileira a um assento permanente neste órgão está, de alguma forma, presente na agenda externa do Brasil desde a década de 1960, com Araújo de Castro. Mas foi no final da década de 1990 que essa questão ganhou notoriedade, com o Brasil a formar, com a Alemanha, o Japão e a Índia, o G4, que tem a proposta de expandir o número de membros permanentes do Conselho de Segurança a dez, com a inclusão do Japão e da Índia (como representantes da Ásia), do Brasil (como representante da América Latina), da Alemanha (como representante da Europa Central) e de um país africano como representante deste continente. As exigências por uma revisão das normas do comércio internacional vigentes na Organização Mundial de Comércio (OMC), por uma voz mais audível no seio do FMI e do Banco Mundial e, mais recentemente, por uma integração do Brasil na Organização dos Países Produtores e Exploradores de Petróleo (OPEP) vieram acrescentar-se à demanda brasileira por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, com o objectivo final de reordenar as forças na sociedade internacional, através da obtenção da reciprocidade real entre países ricos e emergentes.
A dificuldade em obter esta reciprocidade tem sido, porém, um obstáculo, que tem feito a diplomacia brasileira voltar-se para outros espaços de actuação, nos quais possa encontrar apoios para as suas reivindicações. Assim se justifica a aposta brasileira na aproximação aos países emergentes consubstanciada nas coligações anti-hegemónicas que o país tem patrocinado.
O momento fundamental dessas coligações foi Agosto de 2003, quando decorria a fase final de preparação da V Conferência Ministerial da OMC, que teria lugar em Setembro seguinte, em Cancún, México, no âmbito da Ronda de Doha. Se o objectivo central do ciclo de negociações multilaterais de Doha – que começara em Novembro de 2001 e deveria terminar em 2006 – era diminuir as barreiras comerciais em todo o mundo, tornando as regras do comércio mais livres para os países em desenvolvimento, a verdade é que o tema da agricultura tornara-se o grande foco de controvérsia, dividindo os países ricos e os países em desenvolvimento. Assim, um mês antes de realizar-se a V Conferência da OMC, os países emergentes criaram o G20, como um grupo de países concentrado na negociação das questões agrícolas de modo que os seus interesses fossem defendidos, já que a agricultura era o tema central da Agenda de Desenvolvimento de Doha – o programa a que os Estados-membros da OMC deveriam aderir com a ronda de negociações de Doha para, a partir daí, negociar a abertura dos mercados agrícolas e industriais.
Este grupo de países viria, assim, a defender as posições dos países emergentes em matéria de liberalização do comércio de produtos agrícolas, tendo como foco central o fim dos subsídios agrícolas praticados, tanto pelos EUA, quanto pela EU, diferentemente do grupo de países que, com a mesma designação G20, havia sido criado em 1999. Este inclui as vinte maiores economias do mundo e foi criado depois de a economia mundial ter abalado perante as turbulências ocorridas nas economias da Ásia, do México e da Rússia no final da década de 1990. A busca por uma resposta viável a estas crises, bem como o reconhecimento de que as economias emergentes mostravam-se capazes de ameaçar os mercados mundiais, levaram os países ricos a integrar os emergentes nas reuniões económicas que se vinham fazendo desde 1975 no âmbito do G7, que entretanto passara também a integrar a Rússia.
Paralelamente ao G20 dos países emergentes e ao G4, a diplomacia brasileira estimulou, ainda, a articulação do Brasil com a Índia e a África do Sul, criando, em 2003, o Fórum de Diálogo G3-Ibas como uma aliança permanente visando fortalecer a capacidade dos três nas negociações internacionais, lutar pela reforma das Nações Unidas e promover a cooperação técnica.
O Brasil vem, assim, com especial intensidade a partir das Administrações Lula, a estruturar um tipo novo de cooperação Sul-Sul, visando o reordenamento de poderes na sociedade internacional. Se as expectativas em torno da nova presidente Dilma Rousseff pareciam apontar no sentido de um enfraquecimento desta postura, como consequência directa do foco central da nova Administração ser, não a política externa e o subsequente posicionamento do Brasil no cenário internacional, mas antes o desenvolvimento interno do país, as acções da nova presidente, amparadas pelos ministros dos Negócios Estrangeiros António Patriota e da Fazenda Guido Mantega, têm vindo a mostrar o contrário. Com um estilo diferente do impetuoso Lula, cujos discursos enchiam salas e chegavam a receber dez minutos de palmas, e dando não raras vezes a sensação de alguma falta de preparação e traquejo nas lides discursivas, Dilma tem vindo a prosseguir com a reivindicação relativa à necessidade de se proceder a uma reavaliação das forças na sociedade internacional, que reconheça o maior peso económico dos países emergentes como o Brasil. O começo poderá bem ser feito reequacionando os equilíbrios dentro das instituições financeiras internacionais. E, para isso, Dilma tem sabido utilizar a crise das dívidas na Zona Euro, ao oferecer a ajuda de que estes países necessitam apenas no quadro do FMI e do Banco Mundial e exigindo, como contrapartida, o aumento da quota de poder do Brasil nessas instituições.

Friday, September 30, 2011

A GUERRA DO PRÉ-SAL ESTÁ PARA DURAR

A guerra entre os estados e os municípios em torno da distribuição das royalties do pré-sal não pára de aquecer. Essa questão da repartição das royalties gerou forte polémica durante o ano de 2010 entre os estados produtores e não produtores de petróleo. Dilma tem insistido com os estados para que cheguem a um acordo e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, deseja que essa solução passe por uma posição de compromisso entre os estados segundo o veto do ex-presidente Lula, que Dilma mantém.

A área brasileira do pré-sal – nomenclatura geológica que se refere a elementos geolíticos que ficam abaixo da camada de sal do planeta, o que significa que se constituíram antes da deposição de sal mais recente no fundo marinho – que tem recebido destaque após as recentes descobertas da Petrobrás, situa-se no subsolo do Oceano Atlântico, estendendo-se desde o Norte da Bacia de Campos, onde a espessura da camada de sal chega a 2 000 metros, até ao Sul da Bacia de Santos, onde a espessura dessa camada é de cerca de 200 metros.

Face a isto, o governo do então presidente Lula fez um acordo com os governadores dos estados produtores – Rio de Janeiro e Espírito Santo – segundo o qual estes estados, e ainda São Paulo, receberiam uma parte maior dos lucros oriundos da exploração de petróleo, gás e outros hidrocarbonetos fluidos na camada do pré-sal. Simultaneamente, a Câmara dos Deputados estudava a questão a apresentava o projecto de lei que haveria de regular a exploração do pré-sal. Lula sancionou a lei a 22 de Dezembro de 2010 – publicada no Diário Oficial da União no dia 28 seguinte – encaminhando-a depois para o Senado, para aprovação. Ainda hoje permanece em tramitação no Senado, onde os variados lobbies se movimentam ferozmente.

De facto, a lei sancionada por Lula é diferente do projecto de lei que os deputados haviam proposto, já que, desse projecto de lei, Lula vetou dois artigos. E aqui reside o mais importante pomo de discórdia, embora não o único.

Desde logo, Lula vetou o artigo que estipulava que a divisão das royalties oriundas da exploração do pré-sal seria feita entre todos os estados e municípios brasileiros, sendo certo que, depois, caberia ao Governo Federal compensar os estados e municípios produtores – Rio, Espírito Santo e São Paulo – pelas perdas com a divisão. Essa medida, chamada Emenda Ibsen, destinava 50% de toda a arrecadação em royalties para os estados e os municípios, de acordo, respectivamente, com o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Os restantes 50% iriam para a União, que depois compensaria as perdas dos estados produtores. Lula vetou este artigo, de modo a garantir uma parcela maior de recursos aos estados produtores de petróleo, segundo o acordo que havia feito com os governadores desses estados.

O outro artigo vetado destinava metade do dinheiro do Fundo Social do Pré-Sal, que a lei cria, a programas de educação, desporto, meio ambiente, ciência e tecnologia e combate à pobreza. Estas são as áreas às quais se destinam os recursos obtidos com a exploração do pré-sal, reunidos no Fundo Social do Pré-Sal. A diferença é que, no projecto de lei aprovado pelos deputados, 50% dessas verbas destinar-se-iam a todas essas áreas, enquanto que, de acordo com o veto de Lula, será criada uma Comissão que ficará encarregue de definir o percentual do Fundo Social que deverá ser aplicado a cada área.

Uma vez sancionada a lei, com estes vetos, ela foi encaminhada ao Senado para aprovação. Ainda hoje aí permanece em tramitação, porque os estados e municípios não produtores querem receber as mesmas royalties que os produtores, que consideram, por sua vez, ter direito a mais, conforme o acordado previamente com Lula. O governo Dilma, especialmente pela voz de Guido Mantega, tenta encontrar uma solução para a divisão das royalties de acordo com o veto de Lula, para evitar que o Senado vote esse veto a uma emenda que distribua os recursos entre todos os estados e municípios pelos critérios do FPE e do FPM, pois esta medida prejudicaria os estados produtores. O governo já avisou que, se o veto for derrubado no Senado, irá recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter a decisão, o que poderá atrasar as licitações e, consequentemente, a exploração do petróleo, do gás e dos outros hidrocarbonetos fluidos da camada do pré-sal.

Como se não bastasse esta dificuldade, a forma como o governo brasileiro estipulou que seria feita a exploração do pré-sal também tem criado atritos com as petrolíferas estrangeiras presentes no Brasil. Efectivamente, para o pré-sal, o governo brasileiro mudou o sistema de exploração de todos os hidrocarbonetos fluidos, dentre os quais se destaca o petróleo. Assim, as exploradoras não terão, como sucede em outros campos, a concessão dos campos de petróleo no pré-sal, sendo «donas» do petróleo por um tempo. Essas exploradoras serão escolhidas, por licitação, pelo Governo Federal, consoante a parcela da produção que se comprometerem a entregar à União, sendo certo que, pelo menos 30% terão de entregar. Assim, as empresas que oferecerem uma parcela de produção maior à União serão as escolhidas, ainda que a Petrobrás figure como a única exploradora. Simultaneamente, é criada uma empresa estatal, a PetroSal, para administrar as reservas de petróleo novas no pré-sal.

Este conjunto de exigências significa que a Petrobrás terá todo o controlo sobre a compra de equipamentos, a tecnologia e a contratação de pessoal. Foi nestes termos que foi sancionada a lei pelo ex-presidente Lula e que a actual presidente Dilma Rousseff pretende manter. As empresas estrangeiras, como a Chevron e a Exxon Mobile, naturalmente, ficaram desagradadas. Neste sentido, elas têm feito lobby no Senado, tentando mudar a lei, até porque continuam interessadas no mercado brasileiro, em especial em função do acesso cada vez mais limitado às reservas de petróleo no mundo inteiro. Por isso, estas empresas têm procurado aliar-se a novos parceiros, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e a Confederação Nacional das Indústrias (CNI). O maior receio, especialmente para as empresas norte-americanas, é que a nova lei favoreça a competição chinesa, já que a empresa estatal da China poderá oferecer lucros maiores ao governo brasileiro e, por conseguinte, ser escolhida na processo de licitação.

O governo Dilma tem consciência destes interesses e, se procura tirar proveito deles, procura também que os estados e municípios, produtores e não produtores na área do pré-sal, se entendam rapidamente, porque, como várias referiu o então presidente Lula, o pré-sal vai colocar o Brasil na lista dos grandes produtores de petróleo, na lista, mesmo, dos maiores produtores de petróleo. E não há tempo a perder.

Thursday, September 29, 2011

Da «Ajuda Financeira» à «Cooperação Política»

As promessas dos países emergentes de ajudar a Zona Euro não serão concretizadas nos moldes anteriormente discutidos. Pelo menos, é o que se pode inferir dos resultados das diversas reuniões ocorridas no final da semana e no fim-de-semana passados. A «ajuda financeira» passa agora a «cooperação política». E mais: no quadro das instituições financeiras internacionais: FMI e Banco Mundial, naturalmente. Como, aliás, os países desenvolvidos sempre fizeram com os empréstimos (e não «ajudas») que concederam aos países em dificuldades pelo mundo todo, designadamente na América Latina e na África, com consequências desastrosas que chegaram ao default da dívida na Argentina colapsada do início do século XXI.

Embora se falasse, antes da reunião anual do FMI e do Banco Mundial, que terminou a 27 de Setembro, que esses países poderiam vir a adquirir mais títulos soberanos das economias da Eurolândia, as reuniões paralelas travadas entre os ministros e chefes de Estado dos BRICS sobre essa questão mudou a «direcção» esperada da eventual «ajuda».

Evidentemente, e conforme referido no artigo anterior a este (publicado a 20 de Setembro), a crise que afecta a Zona Euro é generalizada e ameaça espraiar-se inclusive pelo mundo emergente. Como afirmou a Presidente Dilma Rousseff, no seu discurso perante a 66ª Assembleia Geral das Nações Unidas, que decorreu na mesma altura, na sede da organização em Nova Iorque, a capacidade de resistência do Brasil à crise não é ilimitada. Nem o é a dos restantes países emergentes, até porque estes países que, como o Brasil, adoptam o câmbio flutuante, são forçados a tomar medidas de precaução para proteger as respectivas economias e moedas. Foi neste sentido o discurso de Dilma, que defendeu a urgência no combate ao proteccionismo e às formas de manipulação cambial, antes que a queda da demanda global arraste para a crise os países emergentes.

Naturalmente, na reunião anual do FMI e do Banco Mundial, as atenções estiveram todas voltadas para a Europa, designadamente através da forte recomendação de que os países da EU que integram o Euro aprovem, rapidamente, o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), estipulado em Julho passado, como forma de tomar medidas eficazes e contundentes para controlar a crise e evitar o pior: o default soberano da Zona Euro. O G20, em reunião paralela, chegou a dar um prazo de três semanas para que a Zona Euro implemente acções que fortaleçam a economia da Grécia.

De acordo com o afirmado por Josef Ackermann, presidente do Instituto de Finanças Internacionais, no último dia da reunião do FMI e do Banco Mundial, “o Euro é o pilar essencial e estável do sistema monetário internacional (…) Seu papel central faz com que seja crucial que qualquer dúvida sobre os seus fundamentos institucionais seja eliminada”.

O FMI chamou as economias emergentes a participar na concretização de políticas destinadas a estimular a procura interna para, assim, ajudarem a reequilibrar a economia mundial. Afinal, os países emergentes são, hoje, os principais responsáveis pelo crescimento global.

Estes países, porém, que antes de todas estas reuniões haviam falado em ajudar os países europeus através da compra de títulos soberanos, adoptaram, no final, uma posição bastante mais cautelosa. Os BRICS, em particular, evitaram especificar os detalhes de um eventual apoio e evitaram, também, a ideia de «ajuda» financeira à Zona Euro, mostrando-se apenas dispostos a colaborar através das instituições financeiras internacionais. O ministro brasileiro da Fazenda, Guido Mantega, chegou mesmo a afirmar que a responsabilidade pela actual situação cabe inteiramente aos líderes europeus, pelo que estes é que têm de tomar as medidas necessárias com a necessária urgência. O homólogo russo, Alexey Kudrin, fez inclusive questão de se referir a essa possibilidade através da expressão «em termos de cooperação», afastando, deste modo, a ideia de «ajuda» ou de «assistência».

Em todo o caso, e perante a dura crítica de Mantega aos países avançados de que eles já não conduzem sozinhos a estabilidade global, Dilma defendeu que os países emergentes devem participar do diagnóstica da crise económica que afecta sobretudo os EUA e a Europa, oferecendo, no caso do Brasil, «recursos políticos», e não financeiros, para ajudar a solucionar a crise, sendo certo que, em troca, os emergentes exigem maior poder de decisão dentro das instâncias financeiras internacionais. Se os países ricos já não conduzem sozinhos a estabilidade global, tem de haver um reequilíbrio de forças na economia mundial que se espelhe, naturalmente, sobre a quota de poder dos países emergentes nessas instituições internacionais.

Se a outrora «ajuda financeira» dos países emergentes aos países ricos passa agora a «cooperação política», é bom que os países ditos avançados parem para reflectir sobre a forma de funcionamento do sistema económico-financeiro internacional, cujas «armadilhas» inerentes, que tanto têm dificultado a vida aos países em desenvolvimento, estão neste momento a encurralar, exactamente, aqueles que as criaram. Talvez seja hora de, não só continuar a ressuscitar Keynes e Raúl Prebisch, como também de reler “A Globalização e Seus Malefícios” de Joseph Stiglitz, dos idos 2002. E aprender algo com as observações sábias deste economista que, um dia, trabalhou dentro do FMI e do Banco Mundial. Isto, para já não falar em revisitar o “Clube Bilderberg”.

Tuesday, September 20, 2011

Países Emergentes e Crise Europeia

A força e a credibilidade dos países emergentes no cenário económico global não param de aumentar, a avaliar, desde logo, pelas reservas internacionais de que dispõem: US$ 3,2 triliões no caso da China, US$ 355 biliões no caso do Brasil e US$ 320 biliões no caso da Índia.

A possibilidade de uma ajuda aos Estados-membros da Zona do Euro por parte destes países é prova cabal disso mesmo. Possibilidade avançada, na Quarta-Feira da semana passada, por reportagens publicadas em vários meios de comunicação social internacional, como o Financial Times (para o qual tal situação “marcaria mais uma mudança simbólica no equilíbrio de forças da economia global na direcção dos grandes mercados emergentes”), o El País (para quem, “ao contrário das últimas décadas, quando episódios de instabilidade nas economias menos desenvolvidas contagiavam as avançadas e requeriam resgate através de organismos multilaterais, agora são os pujantes países emergentes que temem a expansão dos males que castigam os países ricos")e o Wall Street Journal (que referiu que, “mesmo que ainda não esteja claro que tipo de ajuda de longo prazo os países emergentes possam dar, o simples facto de estarem em posição de ajudar, ilustra a enorme transformação da economia global nos últimos anos”).

A possível ajuda será discutida em Washington na próxima Sexta-Feira e Sábado (dias 23 e 24 de Setembro), às vésperas de um encontro do Fundo Monetário Internacional), segundo informou o ministro brasileiro das Finanças, Guido Mantega. As economias emergentes poderão, por exemplo, aumentar a compra de títulos soberanos de economias sólidas como a da Alemanha, para fortalecer esses papéis.

Todavia, convém não esquecer as economias emergentes, aparentemente isoladas, têm interesses na crise europeia.Conforme atestou o Wall Street Journal,“a Europa é um mercado crucial para as exportações chinesas, portanto uma desaceleração europeia provavelmente teria um impacto na economia chinesa. Isto, por sua vez, seria uma má notícia para o Brasil. A maior economia da América Latina tem vivido um boom como um dos principais fornecedores de minério de ferro, soja e outras commodities para a China.” Além disso, como têm mostrado os sobes-e-desces dos mercados, “uma catástrofe económica no mundo desenvolvido, como um default soberano na Europa, poderia rapidamente levar investidores em pânico a retirar recursos dos países em desenvolvimento, levando as moedas e outros activos a cair abruptamente”.

Por estas razões, convém ficar atento aos acontecimentos e não esperar que os países emergentes possam ser a salvação da economia mundial.