Monday, November 21, 2011

A NOVA POLÍTICA ECONÓMICA DE DILMA ROUSSEFF

O contexto internacional em que o Brasil se insere, um ano após a eleição de Dilma Rousseff para a Presidência da República, em nada se assemelha ao quadro optimista que contribuiu para o bom desempenho da economia brasileira durante os anos Lula. A par da incerteza quanto aos cenários futuros para as economias desenvolvidas, o ambiente internacional surge marcado por acusações de manipulação das taxas de câmbio e de condução imprudente das políticas monetárias.
Acrescem, no caso específico do Brasil, os contornos que ganham as relações do país com a China. Se, por um lado, o gigante asiático é visto como grande oportunidade, por outro generaliza-se a perceção da China como uma forte ameaça. Com efeito, embora a China venha contribuindo para o aumento das exportações brasileiras, estas relações têm-se mostrado crescentemente assimétricas. Primeiro, porque essas exportações são de produtos primários (matérias-primas e energia), registando-se uma perda significativa da expressividade dos produtos manufaturados no total das exportações. Se, no início da gestão Lula, estes produtos compunham 55% do total exportado, em 2010 limitavam-se a 39,4%, o que só não tem maiores efeitos sobre a deterioração dos termos de troca do Brasil em função do preço elevado das commodities no mercado mundial. Segundo, porque, no conjunto das importações brasileiras, cujo enorme crescimento fez com que a sua taxa de variação, em 2010, fosse de 42,2%, têm forte expressividade as importações de produtos chineses (60,9% em 2010), cujo baixo preço afeta a indústria local, contribuindo, também, para os défices da Balança Comercial.
Efetivamente, desde Setembro de 2010 que o superávite da Balança Comercial brasileira vem crescendo. Os últimos dados, que contabilizam USD 30,5 biliões em Setembro de 2011, mostram o dobro do valor de Setembro do ano anterior. Mas a verdade é que as exportações brasileiras, em volume, caíram 2,5% ao ano, enquanto o preço das commodities aumentaram 16%. Isto significa que o saldo positivo da Balança Comercial brasileira deve-se, não ao aumento do volume das exportações, mas sim ao aumento dos preços das commodities, que subiram muito mais do que o esperado pelo governo de Dilma.
Esta realidade, adicionada da alegada sobrevalorização do Real, foi-se reforçando ao longo de todo o primeiro ano de mandato de Dilma, dando origem a pressões crescentes do setor industrial brasileiro por um maior ativismo do governo em matéria de política comercial e pelo desenvolvimento de uma estratégia governamental para lidar com o efeito China, generalizando-se as solicitações ao governo pelo aumento do protecionismo, seja por via de tarifas, seja através da utilização mais intensa dos instrumentos de defesa comercial.
Na verdade, o governo já tem recorrido às desaconselháveis estratégias protecionistas – desaconselháveis, não só porque prejudicam a competitividade das empresas brasileiras no mercado interno e a competitividade das exportações brasileiras, como também porque geram medidas retaliatórias dos principais parceiros comerciais. Situação, aliás, que já deu origem a uma quase guerra comercial entre o país e a Argentina, porque, neste que é o maior sócio comercial do Brasil no seio do Mercosul, o aumento da inflação doméstica e a valorização do Real criaram dificuldades graves, levando a Administração Kirchner a limitar administrativamente as importações, causando grande controvérsia entre os sócios do Mercosul. Como retaliação, o governo Dilma impôs, primeiro uma licença de importação não-automática para automóveis e, depois, tarifas que variam consoante a quantidade de componentes nacionais existentes nos veículos – medidas que tiveram forte efeito na Argentina.
Relativamente à China, a medida foi mais subtil, mas não menos efetiva, ainda que muita polémica a rodeie. Efetivamente, e em razão da crescente compra de terras por estrangeiros, designadamente Chineses, que tem ocorrido nos últimos anos devido ao aumento dos preços internacionais dos alimentos e da falta de alternativas de investimentos financeiros, o governo brasileiro havia limitado, em Agosto de 2010, a venda de grandes propriedades a estrangeiros. Porém, já este ano, surgiram parlamentares brasileiros a solicitar a remoção destas restrições impostas pelo governo Lula, porque muitas empresas estrangeiras exigem as terras como garantia para o financiamento de produtores rurais, mas, para já, a norma mantém-se, estando o Congresso a trabalhar sobre um projeto de lei que remove algumas dessas restrições. Com o mesmo objetivo, aliás, o governo de Cristina Kirchner, na Argentina, fez um projeto semelhante em Agosto de 2011, estando em discussão no Parlamento. Também o Uruguai tem seguido o exemplo do Brasil e procura limitar a venda de terras a estrangeiros, estando igualmente em estudo um projeto do governo nesse sentido.
Na realidade, as medidas protecionistas no Brasil são já uma estratégia para proteger a indústria nacional e priorizar o crescimento que refletem, de alguma forma, a guinada da política económica de Dilma face ao seu antecessor. Desta forma, se no primeiro semestre o governo Dilma Rousseff concentrou-se em temas macroeconómicos, tentando manter a inflação sob controlo e diminuir as incertezas fiscais, nos meses seguintes prevaleceu uma agenda mais voltada para a microeconomia e a tributação.
De fato, o contexto de crise económica nos países desenvolvidos e de incerteza quanto ao momento e à forma como esta crise afetará as economias emergentes, adicionado do fenómeno chinês e das tendências de desaceleração da economia brasileira, têm levado o novo governo Dilma a alterar os rumos da política económica da era Lula, tanto internamente, quanto em matéria de relações externas, assumindo, em ambos os casos, características de maior pragmatismo e refletindo, de modo mais evidente do que sob Lula, os interesses comerciais do país, ao mesmo tempo em que se assiste a um maior intervencionismo estatal na economia.
Desta forma, Dilma vem-se afastando da política económica que vinha sendo aplicada desde 1999 e que assentava sobre o tripé económico com o qual ela se fez eleger: o controlo da inflação, o câmbio flutuante e o superávite fiscal.
Assim, mantendo a orientação desenvolvimentista que era de se esperar da nova presidente, Dilma tem vindo a reforçar esta orientação, valorizando o crescimento interno e não as políticas monetaristas e, desta forma, adotando uma política económica mais heterodoxa. De acordo com a nova lógica económica, em vez de se prosseguir com a política de aumentar as taxas de juros para atrair o capital estrangeiro e conter a pressão inflacionária, como foi feito no modelo anterior, Dilma tem adotado outro caminho. A continuação da política anterior teria como consequência, segundo a nova Administração, a desaceleração mais rápida ainda da economia e, caso se mantenha a tendência para a valorização do Real, provocaria, também, o aumento do défice nas transações correntes, agravando, ainda mais, a dependência da economia brasileira frente ao exterior. Dilma vem, assim, aplicando uma nova política económica que assenta numa política monetária frouxa, que implica a diminuição das taxas de juros, para fazer frente às tendências de desaceleração da economia nacional; a utilização do câmbio, depreciando o Real para ajustar os preços externos à inflação doméstica, de forma a tornar as exportações mais competitivas, embora tendo como reflexo o aumento da inflação; o controlo dos capitais e uma política fiscal apertada, de acordo com a qual os excedentes tributários (aqueles que vão além do cálculo inicial da receita tributária) são utilizados para gerar poupança e não para aumentar os gastos.
O grande objetivo desta política é promover o crescimento do produto, mesmo que isto provoque inflação, uma preocupação que é secundarizada, ainda que, desde que Dilma tomou posse, a inflação venha crescendo, tendo chegado, em Setembro, a 7,31%, enquanto havia sido de 5,9% em Janeiro. De fato, quando a economia brasileira, em meados do ano, começou a apresentar sinais de desaceleração, a Administração deu prioridade ao crescimento do PIB, em detrimento da inflação, mesmo já estando a taxa de inflação no limite proposto de 6,5%. A decisão de desvalorizar o Real surge neste contexto como instrumento para ajustar o valor da moeda à inflação doméstica, mantendo o Real depreciado e aumentando o controlo de capitais, ao mesmo tempo que se decide pela ampliação do superávite primário para 2012, medidas que têm como efeito colateral o aumento da taxa de inflação. Ainda assim, o aperto da política fiscal tem em vista o controlo da inflação, uma vez que o aumento das receitas tributárias que, em cada mês de 2011 cresceram a uma taxa anual de 15%, destina-se à poupança, e não ao gasto, promovendo o superávite primário.
O Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 5º bimestre de 2011, apresentado, a 18 de Novembro, pelo Ministério do Planejamento e encaminhado ao Congresso Nacional, vem confirmar todas essas realidades, refletindo, tanto a atualização das projeções dos índices de preço, quanto a deterioração do cenário externo. Assim, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) passa de 5,8% para 6,4%, enquanto a projeção do PIB desce de 4,5% para 3,8% e a cotação do câmbio médio sofre uma ligeira depreciação, com a cotação do Real a passar de R$ 1,61 por Dólar, para R$ 1,67 por Dólar.
De referir, todavia, que não se acredita que, hoje, níveis inflacionários muito elevados sejam politicamente aceitáveis no Brasil, pelo que é de prever a atenção do governo relativamente à taxa de inflação, que não se prevê vir, nos primeiros quatro meses de 2012, a registar-se acima da meta de 6,5% proposta.
Por outro lado, deve referir-se também que, mesmo com inflação, tem havido correção dos salários em termos reais, em lugar de se assistir ao aumento dos salários na medida da subida da inflação – uma outra inflexão de Dilma relativamente à política anterior de fazer os salários aumentar acima da taxa de inflação. Assim, se entre 2004 e 2010 a massa salarial, no Brasil, cresceu em termos reais na mesma proporção do crescimento do PIB, o que representa ganhos de produtividade, durante a mais recente crise os Brasileiros tiveram uma correção salarial maior do que, por exemplo, os Argentinos, cujos salários foram crescendo na medida do aumento da inflação, por forma a suavizar os efeitos desta que, segundo algumas fontes, chegou aos 24% (bem diferentes dos 9,9% oficiais).
Neste sentido, em vez de se estar a assistir, no Brasil, à transferência indireta do rendimento em direção ao capital – como sucede normalmente em épocas inflacionárias – assiste-se à transferência indireta do rendimento em direção ao trabalho.
Assim, a estratégia de crescimento da produção interna surge, não como um fim em si mesmo, mas como um instrumento para garantir que os reajustes salariais sigam tendo ganhos reais, o que, como disse Tony Volpon, economista sénior da Nomura Securities International, Inc. (NSI), surge como uma estratégia de suportar a inflação em troca de crescimento.
Ainda assim, há desafios pela frente. Desde logo, a falta de convicção dos gestores brasileiros relativamente ao ajuste fiscal pode vir a criar algumas dificuldades em 2012. Por outro lado, os sectores mais à esquerda do espectro político-ideológico do Brasil (PSOL e PSTU) argumentam que esta nova política económica, ao provocar o aumento da inflação, origina a diminuição do poder real de compra dos salários, pelo que será bom ficar atento à desaceleração da economia brasileira que, a agravar-se, poderá desenvolver uma dinâmica de aumento do desemprego e diminuição da rendimento, que levará à incapacidade de fazer face aos pagamentos em função do enorme grau de endividamento construído com base na abundância de crédito nos últimos anos – crédito esse que teve uma importância determinante para a elevação acentuada dos índices de consumo. A decisão de aumentar o salário mínimo e as pensões em 2012, juntamente com a queda da produtividade, embora o desemprego continue caindo, e ainda a falta de credibilidade da política anti-inflacionária e a perceção, dos empresários brasileiros, da necessidade de continuar contratando, por estarem mais preocupados com a eventual falta de mão-de-obra do que com a diminuição do crescimento, têm vindo a criar uma bolha no mercado de trabalho brasileiro que poderá vir, também, a comprometer o crescimento do país.
Seja como for, é de se esperar que Dilma mantenha, para o próximo ano, esta nova política económica, porque não se espera a melhoria efetiva do contexto internacional e é justamente por causa da crise que marca o atual e complexo ambiente internacional que Dilma vem realizando esta significativa inflexão na orientação da política económica do país, expressando uma mudança qualitativa face à política económica do seu antecessor.
Esta política tem assentado numa eventual contradição, que tem baralhado a oposição no Brasil. Por esta razão, em lugar de criticar o governo e apresentar propostas alternativas ao eleitorado, a oposição, confusa ante os resultados da nova aposta económica, tem-se limitado a denunciar escândalos ligados à corrupção. Uma letargia em nada benéfica para os setores oposicionistas, que tem conferido a Dilma uma elevada taxa de aprovação popular que, perante a doença de Lula, posiciona-a como a única liderança viável dentro do PT, dos partidos situados à esquerda do espectro ideológico do Brasil e, mesmo, em todo o país.
Na realidade, segundo pesquisa feita pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística (IBOPE), a popularidade de Dilma supera a de Lula e a de FHC em períodos semelhantes dos respetivos mandatos. Se em Setembro de 1995, FHC contava com uma taxa de aprovação popular de 57% e Lula, em Setembro de 2003, com outra de 69%, em Setembro de 2011 Dilma conta com uma popularidade de 71%. Ademais, é de registar a evolução positiva dessa popularidade, já que, em Julho, a percentagem era de 67%. Do mesmo modo, também a aprovação popular relativamente ao conjunto do governo tem vindo a aumentar. Em Julho, 48% da população considerava o governo Dilma ótimo/bom e, em Setembro, essa percentagem subiu para 51%.
Esta melhoria dos índices de aprovação e popularidade da presidente Dilma e do seu governo refletem claramente a satisfação da população com a demissão dos envolvidos em denúncias de corrupção na alta esfera do governo. Segundo Renato da Fonseca, gerente-executivo da pesquisa da CNI, Dilma “conseguiu, dentro do episódio, virar um pouco o jogo para trazer coisas positivas para o seu governo”, ao ter promovido a “faxina na Esplanada dos Ministérios”.

1 comment:

RH said...

Obrigada pelo artigo.
Estou procurando informações concretas sobre o governo de Dilma e até o momento este post foi o mais esclarecedor.