Tuesday, November 15, 2011

O BRASIL E A REUNIÃO DE CANNES DO G20

A última Cimeira do G20, que decorreu em Cannes, França, nos dias 3 e 4 de Novembro, foi dominada pela crise da dívida dos países da Zona Euro e pela pressão das principais economias mundiais para que a União Europeia (EU) resolva rapidamente os seus problemas. Foi uma cimeira difícil, que alcançou pouco face ao inicialmente proposto, adiando para a próxima reunião, a 18 e 19 de Junho de 2012, no México, as decisões mais difíceis. Todavia, foi uma cimeira determinante para o reordenamento da sociedade internacional, em função da clara mensagem transmitida pelos líderes dos países emergentes, com destaque especial para a presidente brasileira Dilma Rousseff. De forma directa, chamou a atenção do mundo para a necessidade de uma nova repartição de poderes entre os Estados, que espelhe o maior peso dos países emergentes, e do Brasil em particular, na economia mundial, face aos problemas que as tradicionais potências económicas hoje enfrentam.
Tendo a Presidência francesa do G20 defendido, como principal bandeira da reunião de Cannes, a criação de um imposto sobre os movimentos financeiros internacionais como meio para arrecadar fundos visando reduzir o impacto da crise financeira, o Brasil e, no espaço latino-americano também a Argentina, mostrou-se favorável à criação deste imposto, particularmente defendido pela França e pela Alemanha e, como esperado, muito criticado pelos EUA e pela Grã-Bretanha, com especial destaque para o sector bancário britânico. Todavia, Dilma deixou claro que o Brasil apoia a criação deste imposto na condição de que os países do G20 adoptem o piso único de renda proposto em Janeiro por Sarkozy com base nos programas de protecção social da Organização Internacional do Trabalho (OIT), visando garantir um mínimo de protecção mundial aos seus membros.
Os líderes do G20 decidiram, também, que o FMI poderá aplicar uma nova linha de crédito destinada aos países que, tendo uma boa gestão económica, enfrentam todavia dificuldades pontuais de liquidez, bem como banir da sociedade internacional os paraísos fiscais e, ainda, que o Banco Central Europeu (BCE) irá apoiar a Itália, esperando-se a implementação, em 2012, de uma taxa sobre as transacções financeiras na Europa Comunitária.
Não obstante estas resoluções, a verdade é que todas as atenções se viraram, durante a Cimeira de Cannes, para o Fundo Monetário Internacional (FMI), o que demonstra que os parceiros não-europeus do G20 não têm interesse em investir no Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF). Ainda que, a determinado momento, tenham chegado a levantar a hipótese de aumentar a aquisição de títulos soberanos de economias europeias sólidas como a da Alemanha, para fortalecer esses papéis, os países emergentes, na reunião anual do FMI e do Banco Mundial, que teve lugar em Setembro, já haviam deixado claro que a sua contribuição apenas seria feita no quadro das instituições financeiras internacionais. Isso mesmo veio Dilma afirmar na reunião de Cannes do G20, em concordância com os restantes países emergentes: “Não temos a menor intenção de fazer qualquer contribuição directa ao FEEF. Se nem os Europeus têm, por que nós teríamos? Faremos pelo FMI, que nos dá garantias”. Com efeito, na discussão de um dos temas mais complicados da cimeira – a contribuição dos Estados-membros com novas verbas para o FMI, de modo que o organismo esteja equipado para agir em cenários de crise – o Brasil, ao contrário dos EUA, o maior contribuinte individual do Fundo, ficou entre aqueles que apoiam esta transferência de mais verbas ao FMI.
É verdade que não foram fixados números concretos, figurando apenas, no comunicado final da cimeira, que os vinte países continuarão a “garantir que o FMI continue a ter todos os recursos para desenvolver o seu papel sistémico em benefício de todos os membros” e que, na próxima reunião de ministros das Finanças do G20 – que deverá ocorrer no início de Dezembro – serão então feitos os acertos sobre a forma como os recursos extraordinários serão postos à disposição do FMI. Ainda assim, estima-se que o capital esteja na ordem dos 300 a 500 mil milhões de Dólares, provindo especialmente dos países emergentes, com destaque para a China. Mas o mais interessante foi que o Brasil concordou com o aumento da sua contribuição para o FMI com uma condição interessante, que demonstra a firme intenção de Dilma de prosseguir com a defesa de um novo reordenamento internacional: que a transferência de mais verbas ao FMI seja acompanhada da elevação da quota de poder do Brasil no organismo, de modo que este reconheça o maior peso do país na economia mundial.
Uma vez mais, o Brasil surge, na arena internacional, a defender a necessidade de um novo arranjo de poderes, que venha substituir a obsoleta hierarquização que persiste como espelho da ordem pós-Segunda Guerra Mundial.
Efectivamente, o Brasil tem procurado conformar a ordem internacional à filosofia política de equalizar os benefícios da globalização entre os países ricos e os emergentes. Proposta que o acelerado crescimento económico dos países emergentes e a espiral de crise que afecta os países desenvolvidos transformaram numa reivindicação por novas fórmulas para o ordenamento da sociedade internacional. Se foi na década de 1970 que, face ao aparecimento de um grupo de países com acelerado crescimento industrial – já então identificados como grandes mercados emergentes – esta ideia germinou, ganhando consistência quando Itamar Franco (19932-1994) fez da cooperação do Brasil com os restantes emergentes uma prática corrente da diplomacia brasileira, foi seguramente no final do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) – quando o então presidente cunhou o termo globalização assimétrica – e, particularmente, com Lula (2003-2010), que o Brasil fez da reivindicação de um novo ordenamento mundial um dos principais objectivos da sua política externa.
Desta forma, a diplomacia de Lula acrescentou novos vectores à política externa brasileira, paralelamente à demanda por uma reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas. É verdade que a candidatura brasileira a um assento permanente neste órgão está, de alguma forma, presente na agenda externa do Brasil desde a década de 1960, com Araújo de Castro. Mas foi no final da década de 1990 que essa questão ganhou notoriedade, com o Brasil a formar, com a Alemanha, o Japão e a Índia, o G4, que tem a proposta de expandir o número de membros permanentes do Conselho de Segurança a dez, com a inclusão do Japão e da Índia (como representantes da Ásia), do Brasil (como representante da América Latina), da Alemanha (como representante da Europa Central) e de um país africano como representante deste continente. As exigências por uma revisão das normas do comércio internacional vigentes na Organização Mundial de Comércio (OMC), por uma voz mais audível no seio do FMI e do Banco Mundial e, mais recentemente, por uma integração do Brasil na Organização dos Países Produtores e Exploradores de Petróleo (OPEP) vieram acrescentar-se à demanda brasileira por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, com o objectivo final de reordenar as forças na sociedade internacional, através da obtenção da reciprocidade real entre países ricos e emergentes.
A dificuldade em obter esta reciprocidade tem sido, porém, um obstáculo, que tem feito a diplomacia brasileira voltar-se para outros espaços de actuação, nos quais possa encontrar apoios para as suas reivindicações. Assim se justifica a aposta brasileira na aproximação aos países emergentes consubstanciada nas coligações anti-hegemónicas que o país tem patrocinado.
O momento fundamental dessas coligações foi Agosto de 2003, quando decorria a fase final de preparação da V Conferência Ministerial da OMC, que teria lugar em Setembro seguinte, em Cancún, México, no âmbito da Ronda de Doha. Se o objectivo central do ciclo de negociações multilaterais de Doha – que começara em Novembro de 2001 e deveria terminar em 2006 – era diminuir as barreiras comerciais em todo o mundo, tornando as regras do comércio mais livres para os países em desenvolvimento, a verdade é que o tema da agricultura tornara-se o grande foco de controvérsia, dividindo os países ricos e os países em desenvolvimento. Assim, um mês antes de realizar-se a V Conferência da OMC, os países emergentes criaram o G20, como um grupo de países concentrado na negociação das questões agrícolas de modo que os seus interesses fossem defendidos, já que a agricultura era o tema central da Agenda de Desenvolvimento de Doha – o programa a que os Estados-membros da OMC deveriam aderir com a ronda de negociações de Doha para, a partir daí, negociar a abertura dos mercados agrícolas e industriais.
Este grupo de países viria, assim, a defender as posições dos países emergentes em matéria de liberalização do comércio de produtos agrícolas, tendo como foco central o fim dos subsídios agrícolas praticados, tanto pelos EUA, quanto pela EU, diferentemente do grupo de países que, com a mesma designação G20, havia sido criado em 1999. Este inclui as vinte maiores economias do mundo e foi criado depois de a economia mundial ter abalado perante as turbulências ocorridas nas economias da Ásia, do México e da Rússia no final da década de 1990. A busca por uma resposta viável a estas crises, bem como o reconhecimento de que as economias emergentes mostravam-se capazes de ameaçar os mercados mundiais, levaram os países ricos a integrar os emergentes nas reuniões económicas que se vinham fazendo desde 1975 no âmbito do G7, que entretanto passara também a integrar a Rússia.
Paralelamente ao G20 dos países emergentes e ao G4, a diplomacia brasileira estimulou, ainda, a articulação do Brasil com a Índia e a África do Sul, criando, em 2003, o Fórum de Diálogo G3-Ibas como uma aliança permanente visando fortalecer a capacidade dos três nas negociações internacionais, lutar pela reforma das Nações Unidas e promover a cooperação técnica.
O Brasil vem, assim, com especial intensidade a partir das Administrações Lula, a estruturar um tipo novo de cooperação Sul-Sul, visando o reordenamento de poderes na sociedade internacional. Se as expectativas em torno da nova presidente Dilma Rousseff pareciam apontar no sentido de um enfraquecimento desta postura, como consequência directa do foco central da nova Administração ser, não a política externa e o subsequente posicionamento do Brasil no cenário internacional, mas antes o desenvolvimento interno do país, as acções da nova presidente, amparadas pelos ministros dos Negócios Estrangeiros António Patriota e da Fazenda Guido Mantega, têm vindo a mostrar o contrário. Com um estilo diferente do impetuoso Lula, cujos discursos enchiam salas e chegavam a receber dez minutos de palmas, e dando não raras vezes a sensação de alguma falta de preparação e traquejo nas lides discursivas, Dilma tem vindo a prosseguir com a reivindicação relativa à necessidade de se proceder a uma reavaliação das forças na sociedade internacional, que reconheça o maior peso económico dos países emergentes como o Brasil. O começo poderá bem ser feito reequacionando os equilíbrios dentro das instituições financeiras internacionais. E, para isso, Dilma tem sabido utilizar a crise das dívidas na Zona Euro, ao oferecer a ajuda de que estes países necessitam apenas no quadro do FMI e do Banco Mundial e exigindo, como contrapartida, o aumento da quota de poder do Brasil nessas instituições.

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