Durante a década de 1970, um grupo de países apresentou um acelerado crescimento industrial que os levou a buscar a liderança nos respectivos espaços regionais e, também, ao nível do espaço internacional, reivindicando novas fórmulas para o ordenamento da sociedade internacional[1]. Foi então que a cooperação Sul-Sul entrou na agenda das políticas externas, tanto por parte dos Estados system affecting[2], como dos países já então identificados como grandes mercados emergentes[3].
Esta evolução acelerou-se no final dos anos 1990 e, particularmente, no início do século XXI, quando estes grandes mercados emergentes, como o Brasil, a Rússia, a Índia e a China, passaram a ser identificados através do acrónimo BRIC.
Não obstante as derivações que acrescentam, aos BRIC inicialmente enunciados por O`Neill, outros países, a verdade é que são o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul as economias emergentes que mais se destacam, não só pela importância que estas economias têm revelado no comércio mundial e na atracção de fluxos de investimento, como também em função da posição relativa que as mesmas ocupam no conjunto das chamadas economias emergentes[4], especialmente em função do crescimento do PIB, da renda per capita e dos movimentos comerciais e financeiros.
Na verdade, estas economias têm-se tornado alvo de crescente interesse, designadamente em termos das lições que podem vir a dar a outros países, mormente aos velhos poderes da sociedade internacional, graças ao seu actual desempenho económico e do potencial que estes países apresentam para tornarem-se os principais impulsores do crescimento da economia mundial[5].
Estes países procuram desenvolver um comportamento internacional de natureza multifacetada, por forma a beneficiar das oportunidades oferecidas pelo sistema internacional, no sentido de remodelá-lo para beneficiar os países do Sul, permitindo-lhes actuar, nos respectivos contextos internacionais, com base numa perspectiva de hegemonia[6].
É bem verdade que estes países emergentes actuam em relativa consonância no domínio económico, mas nos restantes assuntos internacionais, designadamente no que à segurança internacional diz respeito, a sua influência na sociedade internacional é nula, já que não existem interesses comuns entre esses países do ponto de vista securitário. A sua relevância na sociedade internacional advém, desta forma, não de um verdadeiro peso geopolítico e geoestratégico, mas de uma importância geoeconómica crescente – o que, em abono da verdade, poderá vir a conceder-lhes as tais importâncias geopolítica e geoestratégica. Que, para já, são reduzidas. Ademais, embora a própria existência destes países lhes confira um peso crescente em matéria de constrangimento sobre os restantes países da sociedade internacional, o que, por si só, já é uma arma poderosa[7], esse peso geoconómico não lhes garante, em termos absolutos, a sua segurança internacional.
Para que exista uma visão coincidente da segurança e da defesa entre o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, no cenário internacional, é necessário que existam pontos de contacto em matéria de interpretação e avaliação da missão que estes países têm através das respectivas políticas de segurança e defesa; de explicitação e análise das ameaças que sobre eles pesam ou pesarão; dos meios que possuem para a defesa (disponíveis ou mobilizáveis); e da escolha de uma estratégia para a defesa de todos e dos espaços comuns de interesses[8]. O que, para já, não existe, não apenas em função da não coincidência entre os regimes políticos (especialmente porque nem todos são democracias) e entre as próprias organizações internas destes países, como também, e fundamentalmente, em função dos diferentes modos de inserção internacional que estes países têm levado a efeito após a década de 1990 (e mesmo antes). Assim, se a Rússia está mais voltada para a União Europeia e para os EUA, a China para o espaço euro-asiático, a Índia comprometida, essencialmente, com os seus problemas internos (referentes aos conflitos étnicos e religiosos) e externos (relativo à vizinhança hostil) e a África do Sul voltada para o espaço africano sub-saariano, é o Brasil aquele que mais tem levado a cabo uma inserção internacional multifacetada. A sua prioridade deixa de ser exclusivamente o espaço regional, designadamente o Cone Sul, onde ressalta o Mercosul e, particularmente, as relações em eixo com a Argentina[9], e passa a agregar, a essa prioridade, o estabelecimento de alianças e parcerias com os restantes emergentes, no sentido de alcançar mais-valias que o elevem a potência mundial, sua ambição mais premente na actualidade.
Assim, embora o Brasil seja, dos BRIC, aquele que menos sucessos apresenta em termos económicos, o que tem levado o próprio presidente Lula a falar em “colocar um B em BRIC”[10], seguido de análises de especialistas da The Economist, a verdade é que é o Brasil o emergente que mais tem patrocinado o estabelecimento de ligações/relações entre os BRIC e a África do Sul, procurando conformar a sociedade internacional a uma ordem não polar[11] pós-americana[12]. Neste sentido, tem sido a política externa brasileira, a partir do início dos anos 1990, a liderar o engajamento dos países emergentes uns com os outros, o que justifica que se saliente a posição dessa política externa no enquadramento do relacionamento entre o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul. Até porque o Brasil tem interesses específicos em ligar-se aos restantes BRIC, potenciando a economia e o investimento nesses países, porque a globalização dos mercados, ao transformar o mundo numa pequena aldeia global, determina a rápida repercussão dos fenómenos. Desta forma, a capitalização da economia e do investimento na Rússia, na Índia e na China, por parte do Brasil, terá, certamente, efeitos benéficos para a economia brasileira, em pleno momento de expansão, pese embora a crise financeira internacional despoletada em meados de 2007, nos EUA, a propósito do subprime.
De facto, embora o Brasil tenha historicamente actuado nos fora multilaterais terceiro-mundistas, é a partir de 1993, com a ascensão de Itamar Franco à Presidência da República, que o país começou a buscar um tipo novo de cooperação Sul-Sul, no contexto de uma ordem internacional caracterizada “por acções mais isoladas da dimensão Norte-Sul ou pela volatilidade das alianças organizadas na defesa de temas específicos”[13]. Sendo o Brasil apoiado pelos restantes BRIC, pela África do Sul e, até, pelo México; países que têm estabelecido, entre si, novos fora de debate e coordenação económico/política, dando corpo a uma cooperação Sul-Sul que influencia, cada vez mais, a sociedade internacional. Assim, partindo do denominador comum do crescimento económico acelerado, adquirem, hoje, uma importante relevância do ponto de vista geoeconómico.
As semelhanças das dimensões geopolíticas e geoeconómicas referentes ao território, à reconhecida importância regional, à população, ao PIB, aos recursos naturais – ainda que aqui não entre o tipo de regime democrático, para muitos um destes vectores, por, de facto, nem todos os BRICS serem democráticos – têm sido as bases sobre as quais tem assentado a cooperação entre estes países, formando-se, mesmo, parcerias estratégicas.
É evidente que existem experiências de actuações conjuntas dos países do Sul em termos históricos, sendo de ressaltar a cooperação desenvolvida no âmbito do Grupo 77. Todavia, se nesta época existiam condicionalismos externos, sobretudo económicos, que limitavam o impacto da cooperação Sul-Sul na sociedade internacional, com o derrube do muro de Berlim e o fim do bipolarismo, estes países aumentaram a sua capacidade de negociação na esfera internacional[14], buscando, especialmente, uma cooperação internacional que lhes permita contrapor-se às acções unilaterais das grandes potências.
Neste sentido, a política externa brasileira, a partir de 1993, fez da cooperação do país com potências médias de grande porte, com destaque para a China, a Índia, a África do Sul e a Rússia – embora esta não pertença ao que se entende por Sul – uma prática corrente e, mesmo, uma das prioridades da diplomacia brasileira. Afinal, foi a partir de 1993, com Itamar Franco, que a corrente autonomista do Itamaraty ocupou mais espaço nas concepções diplomáticas do Brasil. E, de acordo com esta visão, o país observou que as características semelhantes entre si e os restantes emergentes deveria ser capitalizada através do desenvolvimento de formas de cooperação entre si e esses países extra-regionais, com o firme objectivo de reordenar o sistema internacional. Se esta ideia ganhou força quando Fernando Henrique Cardoso, no final do seu segundo mandato, cunhou o termo globalização assimétrica[15], foi, de facto, com Lula, que ascendeu à Presidência da República em 2003, que o estabelecimento de fora extra-regionais e parcerias estratégicas com os emergentes se transformou numa opção relevante da política externa brasileira.
Vale lembrar que, desde 1993, o Brasil buscou a aproximação com os países emergentes através de dois modelos distintos, porém complementares. Por um lado, esta cooperação foi levada a efeito através das negociações comerciais no âmbito do Mercosul, procurando o país assinar acordos comerciais entre o bloco e os restantes emergentes, tanto a nível individual como em grupo. Por outro lado, a diplomacia brasileira buscou aproximar-se desses países em termos individuais, país a país, tanto ao nível dos consensos na esfera mundial – saliente-se o caso das negociações no seio da OMC – tanto a nível bilateral, através do estabelecimento de parcerias estratégicas[16].
Assim, em 1993, as relações entre o Brasil e a China assistiram a um incremento considerável, na sequência da visita do presidente Zemin ao Brasil, visando estabelecer uma parceria estratégica entre ambos os países nos sectores de infra-estruturas e tecnologia. Foram assinados, também, um protocolo de cooperação em pesquisa espacial e um acordo na área científica e tecnológica. Ademais, o encontro procurou também fortalecer a ligação dos dois países à Índia a partir da actuação de todos nos fora multilaterais no tratamento de temas de política e de comércio externo. Embora, na prática, estes esforços não se tenham traduzido num incremento significativo das relações Brasil-Índia naquele momento, eles serviram para lançar as bases nas quais assentam, hoje, essas relações.
Também neste período se assistiu ao incremento das relações Brasil-África do Sul, em 1994, aquando do fim do apartheid, ainda que, neste período, com Itamar Franco, a nova etapa das relações bilaterais não tenha, tal como no caso da Índia, obtido grandes resultados práticos.
Relativamente à Rússia, foi assinado, em 1994, um tratado de parceria que almejava estabelecer, entre ambos, uma parceria estratégica visando o encetamento de negociações para a formação de um organismo de consulta bilateral. O comércio entre ambos, porém, manteve-se muito reduzido.
Quando Fernando Henrique Cardoso sucedeu a Itamar, em 1995, este ritmo de cooperação entre os países emergentes, liderado pelo Brasil, diminuiu de forma bastante premente, em função da predominância mundial das concepções neoliberais. Apenas as relações comerciais foram, de alguma forma, estimuladas, tendo sido assinados, em 1996, o Acordo de Pretória, entre o Brasil e a África do Sul, buscando iniciar as negociações comerciais entre o Mercosul e o gigante da África Austral e, em 2000, o acordo marco entre ambos, no sentido da criação de uma área de livre comércio.
Em relação à China, no início dos anos 1990, o mercado deste país passou a ocupar a terceira posição como destino das importações brasileiras, tendo sido apresentado, pela diplomacia brasileira, um estudo preparatório sobre a viabilidade em estabelecer-se, entre a China e o Mercosul, um acordo de livre comércio, embora não tenham sido levados adiante os esforços de criação de uma parceria estratégica entre ambos os países[17].
Com a Rússia, as negociações comerciais não prosperaram[18]. Ainda que, a partir de 1995, o comércio bilateral tenha tido um crescimento relativo, a diversificação dos produtos exportados manteve-se reduzida. Até porque os maiores avanços nas relações bilaterais foram levados a efeito no âmbito político e da cooperação[19]. Em 1997, todavia, na sequência da visita do então ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Primakov, ao Brasil e, depois, em 2000, da visita do então vice-presidente brasileiro Marco Maciel, foram assinados acordos de cooperação nas áreas da educação, cultura, ciência, tecnologia e investigações sobre o espaço exterior, bem como a Declaração Conjunta de Criação da Comissão de Alto Nível, que começou a funcionar em 2000.
No final do mandato de FHC, o Brasil formou uma aliança com a África do Sul e a Índia em matéria de propriedade intelectual na área farmacêutica. Isto sucedeu na sequência do contencioso das patentes que o Brasil e a África do Sul levaram adiante contra os EUA, na defesa da possibilidade dos dois países incentivarem a produção interna de medicamentos contra a SIDA a custos mais reduzidos. Foi muito importante a associação da Índia a estas questões, em função da fase de transição do Acordo TRIPS, estabelecido no âmbito da OMC, o qual produzia benefícios na produção e venda de medicamentos similares aos das indústrias norte-americanas a custos mais reduzidos[20]. Assim, a aliança Brasil-África do Sul conseguiu arregimentar outros países africanos e os dois puderam passar a comprar o coquetel anti-SIDA ao governo indiano – uma experiência de sucesso que serviu de modelo de cooperação no âmbito da cooperação Sul-Sul frente a um tema multilateral, embora não tenha produzido consequências até ao momento.
Na realidade, os BRIC têm vindo a estabelecer relações entre si, especialmente em matéria de cooperação e questões económicas, de modo muito pragmático, desde 2006, quando ocorreu o primeiro encontro entre os líderes dos BRIC em Nova Iorque. Mas é de fundamental importância observar que, paralelamente a estes esforços, os BRIC venham, já, a estabelecer contactos entre si ao mais alto nível, através de cimeiras que têm realizado. Assim, ocorreu, em Moscovo, em Maio de 2008, a primeira reunião formal entre os Quatro, visando criar as condições de coordenação quadrilateral que lhes permita adquirir peso e relevância nas decisões internacionais e, simultaneamente, contribuir para a estruturação de um sistema internacional democrático e multilateral, fundado sobre o direito.
Em Junho de 2009, os líderes dos Quatro voltaram a encontrar-se, em Yekaterinburg, cidade da Rússia Central, onde assinaram uma Declaração Conjunta clarificando as visões dos BRIC relativamente às questões internacionais, e tendo, ainda, assinado um acordo sobre a segurança alimentar global[21] e criado o logotipo dos BRIC. Neste encontro, abordaram-se a cooperação na economia global, a cooperação energética, a reforma do FMI e o apoio que estes países estão dispostos a dar aos países mais pobres, designadamente o Brasil, com Lula a afirmar que contribuiria com 10 milhões de Dólares para o FMI, o que é algo de novo, uma vez que o Brasil foi, tradicionalmente, um consumidor do FMI e agora oferece ajuda. Foram ainda abordadas as questões da multipolaridade, do multilateralismo, do processo do G20 e das reservas cambiais globais.
No âmbito das cimeiras anuais que estes países têm procurado estabelecer entre si, o Brasil foi o anfitrião da de 2010, dominada pelas questões regionais e pela crise mundial, que decorreu a 15 de Abril, às vésperas da Cimeira do G3 – Ibas, procurando dar continuidade às negociações iniciadas em 2009 para institucionalizar formalmente este grupo de países.
Não obstante estes encontros, a institucionalização dos BRIC, como grupo formalmente existente de cooperação Sul-Sul, surge ainda ténue no horizonte próximo da sociedade internacional. Não é impossível que tal venha a ocorrer, Mas é improvável.
Essencialmente porque, de um modo geral, os BRIC funcionam de forma muito pragmática, tendo a economia como vector fundamental em torno do qual guiam a sua política externa. Alcançando o poder económico que lhes permite actuar na política internacional, é através dele que, também de modo pragmático, administram as fricções na sociedade internacional global, numa lógica que busca, na cooperação, a melhor maneira de potencializar esse poder[22]. Estes países encontram, nas transacções económicas, as suas possibilidades de convergência e, na reforma do sistema financeiro internacional, a sua maior bandeira comum.
Seguindo esse pragmatismo, as relações entre os BRIC centram-se eminentemente no domínio económico. É neste vector que tais relações ocorrem, assim como é neste vector que se processa o entendimento entre estes actores das relações internacionais, até porque o entrecruzamento dos interesses aconselha ao relacionamento próximo, em nome da satisfação dos interesses nacionais de cada parte. Em níveis que ultrapassam o económico, o acordo não se regista e, por conseguinte, o estabelecimento de relações surge difícil[23].
Afinal de contas, os Quatro divergem em quase todos os temas importantes da agenda multilateral, com posicionamentos diferentes em algumas organizações internacionais, com recursos de poder diferentes e políticas domésticas também muito distintas. Ademais, a Rússia não é membro da OMC e a sua importância no cenário internacional advém, praticamente, dos preços recordes do petróleo e do gás, bem como das ogivas nucleares do país, o que cria alguns entraves à previsão do que poderá vir a ser a Rússia de Medvedev e Putin em 2050. A Índia, por seu lado, crê-se que virá a tornar-se numa das principais bases industriais e tecnológicas do mundo, enquanto a China dividirá, com os Estados Unidos, o primeiro lugar no ranking das maiores economias do mundo em 2050, afirmando-se como base industrial, base tecnológica e potência militar. Ao Brasil cabe o destino de tornar-se o maior fornecedor de proteína animal e vegetal, açúcar, etanol e alimentos.
Também os sistemas políticos são distintos. Assim, enquanto o Brasil é uma democracia consolidada, a China não o é claramente, apesar de ser uma economia de mercado; enquanto a Rússia, uma democracia afirmada em termos constitucionais, deixa muito a desejar neste ponto, com Putin a perpetuar-se no poder, de onde dificilmente sairá. Ademais, a Índia possui problemas de insurgência interna, conflitos étnicos e religiosos, assim como vizinhos hostis, enquanto a Rússia, diferentemente dos restantes BRIC e África do Sul, não exporta mais do que petróleo, gás natural e armamento[24].
Mesmo em termos económicos, não será displicente notar que existem diferenças significativas em termos de desempenho económico entre os BRIC mais a África do Sul, já que a China e a Índia têm recebido especial atenção no período mais recente em razão das suas excepcionais taxas de crescimento económico, que diferem muito quando comparadas com as do Brasil, da Rússia e da África do Sul, tomando-se como referência o período pós-década de 1990[25].
Ademais, se é verdade que a análise das variantes económicas destes países aponta para dois denominadores comuns – a taxa de investimento e a taxa de inflação – que têm impulsionado o crescimento económico destes países, não é menos verdade que outros factores – ainda que com uma contribuição menos importante em termos relativos – têm impulsionado estas economias de modo distinto. No Brasil, na Índia e na África do Sul destacam-se a taxa de juros real, enquanto, na China e na Índia assume importância a taxa de câmbio real efectiva. Já os fluxos de IDE são particularmente relevantes na China e na África do Sul, e o crescimento populacional na Índia e na Rússia[26].
Por outro lado, não obstante os discursos e os mecanismos diplomáticos já estabelecidos, a inserção internacional da Rússia não se compatibiliza com as características da inserção internacional do Brasil, da Índia e da África do Sul, em função de quatro aspectos essenciais:
Do seu poder militar
Da sua localização geográfica
Do relacionamento que mantém com os seus vizinhos e
Da interacção que a Rússia mantém com os EUA e a EU – interacção que assenta em bases muito distintas daquela que é levada a efeito pelo Brasil, pela Índia e pela África do Sul.
Vale lembrar, igualmente, que também a China tem padrões diferentes de inserção internacional, especialmente – tal como a Rússia – em matéria de segurança internacional.
As visões de mundo são, assim, diferentes, tendo estes países passado, recentemente, por alterações significativas: no Brasil, a redemocratização; na China, a economia de mercado; na Rússia, as mudanças resultantes do derrube do muro de Berlim.
Por outro lado, o Brasil, a China e a Rússia estão envolvidos no comércio do petróleo e a Índia não, o que significa que os três primeiros têm de preocupar-se com transacções utilizando o Dólar e a Índia não. Ao mesmo tempo que a Índia e a China são países manufactureiros e a Rússia e o Brasil são países exportadores de commodities, exportando a Rússia energia, enquanto a China importa quase toda a energia que consome. Finalmente, é importante reflectir sobre o posicionamento geográfico da Rússia que, diferentemente dos restantes BRIC, se situa a Norte, com relações de proximidade com a EU e os EUA, o que não sucede com os seus parceiros, sendo necessário avaliar até que ponto pode a Rússia ser incluída no contexto sulista dos BRIC.
Representando 40% da população mundial, 25% do território mundial, 40% do total das reservas mundiais financeiras e contabilizando, as suas economias combinadas, cerca de 15,4 mil milhões de Dólares, os BRIC apresentam, pois, poucas semelhanças que, contudo, devem ser tidas em conta.
Desde logo, são os países que têm o maior crescimento económico e influência política entre os emergentes, que é o que é fundamentalmente os distingue destes. Por outro lado, os BRIC são a chave para a resolução de grandes problemas mundiais, com a protecção ambiental (sendo de notar que adoptaram posições distintas na COP 15), o problema alimentar, a segurança energética e a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Todos eles são, ainda, centros de poder regional – o Brasil na América do Sul, a Índia e a China no Sudeste Asiático, estando a China também fortemente presente em África e na América Latina, e a Rússia no cenário do Norte.
Por outro lado, o caminho até alcançarem o patamar ideal é longo e tortuoso. Os sistemas políticos terão de ser adaptados, as reservas de água controladas e o problema da poluição ultrapassado através da adopção das políticas correctas, designadamente em matéria de infra-estrutura, sistema tributário e sistema trabalhista.
Ademais, existem riscos associados à oferta, pela banca, de uma vasta carteira de investimentos nos mercados dos BRIC. Riscos esses que se prendem, especialmente, com a volatilidade desses mercados, que associada, muitas vezes, à instabilidade das respectivas sociedades, gera insegurança nos investidores. Sabe-se, todavia, que os mercados de investimento de risco são, também, os mais apetecíveis, dadas as possibilidades de retorno que apresentam. Os riscos não parecem, pois, pôr em causa os fluxos de investimento directo estrangeiro nos BRIC. Embora existam, de facto. Assim como, além da volatilidade dos respectivos mercados e da instabilidade das respectivas sociedades, não são de esquecer as vulnerabilidades acrescidas em função da dificuldade em transformarem o crescimento económico num efectivo desenvolvimento económico que abranja níveis elevados de investimento em IDT. Dificuldades acrescidas da excessiva burocracia e da deficiente infra-estrutura. O crescimento do PIB tem sido utilizado para suprir estas necessidades (sendo que depois não sobra para investir nas forças militares, o que também deve ser uma preocupação para aqueles que desejam assumir-se como potências mundiais). Vulnerabilidades a que se somam, ainda, o facto de os respectivos crescimentos económicos estarem muito dependentes do sistema internacional – sendo certa a falta de vontade em promover a alteração da ordem que serve os interesses do establishment.
Os próprios problemas actuais relativos à energia, ao ambiente e à tecnologia demonstram, sem grande margem para erro, que os BRIC não têm, ainda, desenvolvido todos os esforços necessários nessas matérias. Embora muito venha sendo feito, de há uns anos a esta parte, a verdade é que muito tem, ainda, de ser feito, para que se evitem as constantes crises energéticas, para que se alcance o desenvolvimento ambientalmente sustentável e para que os BRIC consigam, efectivamente, alcançar o patamar tecnológico que lhes confira a independência relativamente aos países ricos. Dependência que ainda possuem, tanto em matéria tecnológica, quanto ambiental, quanto, mesmo, energética (porque não chega ter as fontes de energia; é necessário ter, também, a tecnologia que permita trabalhar essas fontes).
Estes desafios são muitos e significativos; razão pela qual muito se tem falado numa desconstrução do conceito de BRIC. A mim parece-me excessivo. Talvez falar num redimensionamento do conceito seja mais adequado, pois o único ponto de contacto é o económico e uma análise exclusivamente económica é reducionista. Talvez deva-se alargar o conceito de país emergente, por forma e serem levados em conta outros factores como a política de defesa e o potencial militar, o padrão de identidade e, de alguma forma, regressar a uma avaliação realista dos factores de poder dos Estados.
Facto é que, havendo muito pouco em comum entre os BRIC, há um substrato retórico importante; algo que poderá ser, apenas, um factor de marketing, mais do que um aspecto real.
Por estas razões, para já, é difícil acreditar que os BRIC consigam institucionalizar algum tipo de aliança ou algo que os aproxime que não seja o pragmatismo na actuação económica no sistema internacional[27].
Para que isso possa ocorrer, políticos, governantes e empresários deverão apostar no desenvolvimento sustentável, de modo que o crescimento económico seja, efectivamente, seguido do desenvolvimento económico que trará sustentabilidade àquele crescimento. Deverão, sobretudo, apostar na investigação e desenvolvimento tecnológico e na qualificação da mão-de-obra, para que as altas taxas de crescimento económico se reflictam numa maior margem de actuação internacional, independente, pois, da boa vontade dos países ricos.
Neste sentido, não tem havido avanços, nas relações entre o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul em matérias distintas da económica, designadamente do ponto de vista da segurança internacional – com cada país a actuar de modo independente dos restantes – o que impõe sérios limites à consideração de uma influência geopolítica e geoestratégica destes países na sociedade internacional.É verdade que os esforços de relacionamento entre os BRIC e a África do Sul mantêm-se, mas os progressos acabam por ser, hoje, ainda muito incipientes, especialmente em função das enormes diferenças existentes entre estes países, que fazem com que os interesses nem sempre sejam coincidentes. Se eles o são em matéria económica, em tudo o resto divergem.
[1] Cfr. SARAIVA, Miriam; As estratégias de Cooperação Sul-Sul nos Marcos da Política Externa Brasileira de 1993 a 2007, in Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI), vol. 50, nº 2, Brasília DF, Julho/Dezembro de 2007, pp. 1.
[2] Estados system affecting são Estados que dispõem de recursos suficientes para, em conjunto com uma actuação internacional activa, afectarem e influenciarem determinados temas da política internacional.
[3] Cfr. KEOHANE, Robert e LIMA, Maria Regina Soares de; A Política Externa Brasileira e os Desafios da Cooperação Sul-Sul, in Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI), ano 48, nº 1, Brasília DF, 2005.
[4] Cfr. VIEIRA, Flávio Vilela e VERÍSSIMO, Michele Polline; O Crescimento Económico em Economias Emergentes Seleccionadas: Brasil, Rússia, Índia, China (BRIC) e África do Sul, in Economia e Sociedade, vol. 18, nº 3 (37), Campinas, Dezembro de 2009, pp. 514.
[5] Cfr. Idem, ibidem.
[6] Cfr. LIMA, Maria Regina Soares de; A Economia Política da Política Externa Brasileira: Uma Proposta de Análise, in Revista Contexto Internacional, ano 6, nº 12, Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI) e Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/Rio), Rio de janeiro, Julho/Dezembro de 1990, pp. 17.
[7] Cfr. HORNER, Charles; New Power May Not Bring China Security, in Far Eastern Economic Review, 172, 8, Outubro de 2009, pp. 15.
[8] Cfr. COSTA, Darc; Segurança e Defesa: Uma Única Visão Abaixo do Equador, in Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI), vol. 42, nº1, Brasília DF, Junho de 1999.
[9] Cfr. PATRÍCIO, Raquel; As Relações em Eixo Franco-Alemãs e as Relações em Eixo Argentino-Brasileiras – Génese dos Processos de Integração, 1ª edição, ISCSP/UTL, Lisboa, Julho de 2007.
[10] Cfr. LULA DA SILVA; Colocar B em BRIC, The Economist, O Mundo em 2009.
[11] Cfr. HAASS, Richard; The Age of Nonpolarity – What Will Follow U.S. Dominance?, Foreign Affairs, Maio/Junho de 2008.
[12] Cfr. ZAKARYA; Fareed; O Mundo Pós-Americano, 1.ª ed., Gradiva, Lisboa, 2008
[13] Cfr. SARAIVA, Miriam; op. Cit., pp.2.
[14] Cfr. SENNES, Ricardo V.; Potência Média Récem-Industrializada: Parâmetros para Analisar o Brasil, 1998, citado por SARAIVA, Miriam, op. Cit., pp. 3.
[15] Com esta expressão, FHC procura evidenciar que a globalização se mostrava benéfica para os países ricos e maléfica para os países em desenvolvimento.
[16] Cfr. SARAIVA, Miriam; op. Cit., pp. 4.
[17] Cfr. SARAIVA, Miriam; op. Cit., pp. 15.
[18] Sobre as relações Rússia-Brasil vide BACIGALUPO, Graciela Zubelzú de; As Relações Russo-Brasileiras Pós-Guerra Fria, in Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI), ano 43, nº 2, IBRI, Brasília DF, 2000.
[19] Cfr. SARAIVA, Miriam; op.cit., pp. 8.
[20] O Acordo TRIPS previa um período de transição que duraria até 2005, durante o qual os países em desenvolvimento deveriam incorporar definitivamente os pressupostos do Acordo às suas normas internas.
[21] Cfr. WEI, Yan; BRICK by BRICK, in Beijing Review, vol. 52, Beijing, Julho de 2009.
[22] Cfr. PATRÍCIO, Raquel; O BRIC Brasil, in Reflexões Brasilianistas e Sul-Americanistas, blogue disponível em http://www.brasil-americadosul.blogspot.com. Disponibilidade: Dezembro de 2009.
[23] Cfr. Idem, ibidem.
[24] Cfr. Anonumos; Leadres: Brazil Takes Off, in The Economist, vol. 393, Iss. 8657, Londres, 14 de Novembro de 2009, pp. 14.
[25] Cfr. VIEIRA, Flávio Vilela e VERÍSSIMO, Michele Polline; op. Cit., pp.514.
[26] Cfr. Idem, pp. 513.
[27] Segundo a posição oficial do governo dos EUA, mesmo que os BRIC se associem, isso não virá a ser algo de revolucionário na sociedade internacional, pois estes países, mesmo juntos, têm um papel menor e a sua influência resulta das dinâmicas das respectivas políticas internas.
Monday, May 10, 2010
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