ACORDO BRASIL-IRÃO
No passado fim-de-semana, Lula visitou o Irão, passando pela Rússia, onde se encontrou com o presidente Medvedev, pela Espanha, onde participou da VI Cimeira EU-América Latina e Caribe, e por Portugal, onde manifestou a disponibilidade do Brasil em apoiar a economia portuguesa a sair da actual crise. O ponto alto de périplo foi a assinatura, com a Turquia e o Irão, da Declaração de Teerão, como última tentativa de resolução diplomática do problema nuclear iraniano, que a diplomacia brasileira tem tentado mediar, evitando a aplicação de sanções ao Irão.
Lula levou ao Irão a proposta apresentada pela Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), segundo a qual Teerão terá de enviar o urânio para a Turquia, recebendo o combustível enriquecido em 20%, evitando stocks para fins militares. O acordo alcançado entre o presidente Lula, o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan e o presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad, foi anunciado na Segunda-Feira e prevê que Teerão envie 1.200 quilos de urânio pouco enriquecido à Turquia[1] para receber em troca 120 quilos de combustível nuclear para o reactor médio de pesquisas na capital iraniana. A troca seria feita na Turquia e o enriquecimento na Rússia ou na França.
O acordo iraniano pode aumentar o controlo internacional sobre o programa nuclear do país, reduzindo, em tese, a possibilidade de haver um plano secreto para a produção de armas nucleares, sendo colocado como uma forma de permitir à sociedade internacional negociar com o Irão e avaliar o uso do urânio no país.
Os EUA haviam proposto um acordo semelhante em Outubro. Mas a demora tornou, na visão norte-americana e dos seus aliados, estes 1.200 kg insuficientes. Washington também demonstrou insatisfação com a decisão iraniana de manter o enriquecimento de urânio dentro do país no período da troca. O acordo causou uma certa irritação do Departamento de Estado com o Brasil - a ponto de colocar em risco uma provável visita de Obama ao país antes de Outubro, segundo fontes da diplomacia americana. Por outro lado, tendo sido interpretado como uma manobra do Irão para ganhar tempo para poder continuar com suas aspirações nucleares, o acordo levou os EUA a decidir agir, apressando a apresentação da quarta proposta de sanções ao Irão apoiada pelas grandes potências, que vinha sendo negociada há meses. Washington e outros governos temem que o Irão busque secretamente produzir armas nucleares, o que Teerão nega. A Rússia alimentou ainda mais os temores dos EUA ao dizer que o Irão está pronto para abrir o reactor nuclear de Bushhr em Agosto. A afirmação foi dada por Serguei Kirienko, que dirige a corporação nuclear estatal russa Rosatom. Os Russos ajudaram os Iranianos a construir esse reactor e ainda estão envolvidos com o seu desenvolvimento.
Assim, Washington esforça-se para obter, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o maior número de votos, de entre os 15 possíveis, à proposta de sanções. Para isso, Hillary Clinton iniciou uma série de visitas à China, ao Japão (ambos membros do Conselho de Segurança) e à Coreia do Sul.
Neste contexto, o Irão, que estava prestes a protocolar a Declaração de Teerão para a Agência Internacional de Energia Atómica, afirmou, pela voz de Mohammad Reza Bahonar, um dos mais proeminentes parlamentares iranianos ligados ao governo, que "se o Ocidente aprovar uma outra resolução contra o Irão, nós não estaremos mais comprometidos com o acordo de enviar urânio para fora do Irão”.
Na avaliação dos governos brasileiro e turco, o acordo obtido com o Irão é um "triunfo da diplomacia" que abriria novas vias para negociar uma solução pacífica ao contencioso, sendo certo que a iniciativa iraniana de concordar em enviar o urânio para troca deveria incentivar as negociações diplomáticas. Também o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, qualificou de "importante" o acordo obtido nesta semana entre o Brasil, a Turquia e o Irão, salientando, hoje, em discurso na Universidade do Bósforo, em Istambul, que o "Brasil e a Turquia trabalharam juntos para oferecer uma importante iniciativa à resolução das tensões internacionais sobre o programa nuclear do Irão de forma pacífica".
Mas na ONU, a expectativa no Conselho de Segurança é de que o quarto projecto de resolução das sanções seja levado para votação em cerca de um mês. Ainda há detalhes a serem acertados e os Norte-Americanos querem ter a certeza de que conseguirão uma vitória folgada na votação. Facto é que o governo francês declarou acreditar que só três países do Conselho de Segurança (Brasil, Turquia e Líbano) votarão contra o projecto de resolução. México, Japão e Áustria pretendem aprovar as sanções. Há dúvidas sobre como se posicionarão a Bósnia e três países africanos (Uganda, Gabão e Nigéria).
Esta aproximação do Brasil ao Irão tem sido muito criticada internacionalmente, designadamente pelos EUA, que vêm, nesta tentativa de mediação do governo brasileiro na questão iraniana, uma afronta à sua política externa. Mesmo internamente, a comunicação social e o PSDB de Fernando Henrique Cardoso criticam este relacionamento, bem como a generalidade da actual política externa brasileira, em função, não só das reuniões com o Irão, como também da postura amigável do Brasil com regimes não democráticos em Cuba e na Venezuela e do não reconhecimento do presidente hondurenho Porfírio Lobo, eleito em eleições relativamente livres. Na verdade, tucanos e mídia têm criticado e promovido uma campanha contra a política externa de Lula, especialmente em matéria de relações Brasil-Irão. A principal crítica vai no sentido de o Brasil não seguir a política do Departamento de Estado dos EUA de condenar o Irão. Os tucanos de José Serra e FHC fazem-no por subserviência aos EUA[2] e a comunicação social porque cultiva e mantém o “complexo de vira-lata” de que falava Nelson Rodrigues[3].
Não obstante, da Rússia de Medvedev e Putin e da França de Nicholas Sarkozy vieram já sinais de apoio à mediação brasileira no caso do Irão. Ambos apoiaram a viagem de Lula ao Irão e a iniciativa do presidente brasileiro de negociar com Teerão um acordo que o livre do impasse em relação ao seu programa nuclear e das sanções que os EUA ameaçam aplicar-lhe.
É evidente que o comportamento do Brasil na actual cena internacional busca estabelecer a compatibilização entre o Brasil económico e o Brasil político. Diante das perspectivas económicas que têm colocado o Brasil na lista dos países emergentes, a busca por um espaço de destaque na nova geopolítica que se desenha é algo natural, e o governo Lula tem envidado os maiores esforços nesse sentido. A aproximação do Brasil às chamadas "lideranças não alinhadas" é bastante preocupante para muitos, que chegam a argumentar que, por mais que a diversificação dos parceiros comerciais seja de importância fundamental para o crescimento do volume comercial do Brasil, ao aproximar-se de países como o Irão, o país fecha diversas portas junto a tradicionais mercados, que têm um poder de compra muito maior, pelo que isso pode trazer impactos negativos para o volume de negócios do Brasil, afectando as suas empresas, tanto interna, quanto externamente. A avaliação parece excessiva, não se verificando, nem se prevendo que venha a verificar, a interrupção de rotas de comércio entre o Brasil e os seus tradicionais mercados, em função das vantagens que tais rotas têm, tanto para o Brasil, quanto para os seus parceiros.
Sem contar com pressa do governo Lula em marcar pontos eleitorais para a candidata presidencial Dilma Roussef, ex-chefe da casa Civil, em matéria de política externa, a sua principal meta neste campo é sem dúvida conseguir um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Mirando esse objetivo, o Brasil lidera, desde 2005, a missão de paz das Nações Unidas no Haiti, tendo desempenhado um papel importante no resgate às vítimas do terremoto que destruiu grande parte do país no início do ano. Ainda nesse sentido, o país busca angariar apoios junto aos países da América Latina, da Comunidade dos países de Língua Portuguesa e, principalmente, das potências emergentes, sempre tentando afirmar a sua posição de relevância internacional. O Brasil vem, ainda, liderando um movimento alternativo e até de confronto à influência de Washington na Organização dos Estados Americanos (OEA) apoiando o bolivarianismo de Chávez concretizado pela União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), de desenho brasileiro, actualmente presidida pelo ex-presidente argentino Néstor Kirchner. Também a voz mais audível que busca alcançar no seio do FMI e a integração na OPEP, bem como a tentativa de mediar a crise política desencadeada nas Honduras no ano passado e a Declaração de Teerão são cartadas na luta por um assento no Conselho de Segurança. De dois vieses claros dos dois últimos e mais mediáticos casos, um, evidentemente, é económico, pois parcerias no Médio Oriente e no Caribe poderiam abrir novos espaços para a produção brasileira. O outro, e mais importante, é o político. Conseguir visibilidade no cenário internacional através da resolução pacífica de conflitos pode ser um ponto a favor do Brasil. Mas há riscos, designadamente o de afastar a própria obtenção do assento no Conselho de Segurança. Ao empreender a defesa do Irão, a diplomacia brasileira poderá ter êxito. Mas poderá também fracassar. E, neste caso, estará a isolar-se politicamente. A cartada é arriscada, porque o próprio governo iraniano dá sinais de que continuará enriquecendo urânio para fins militares, segundo desconfiam os seus principais inimigos, Israel e os Estados Unidos, que tentam desacreditar a validade dos esforços empreendidos pela diplomacia brasileira. De facto, o processo de enriquecimento de urânio a 20% na Turquia, para uso pacífico, é de natureza técnica e não exclui efectivamente a possibilidade de que o Irão possa enriquecer urânio pelos seus próprios meios, com objectivos militares. Mas o que está em jogo, neste xadrez diplomático-nuclear, é, sem dúvida, a condição pleiteada pelo Brasil de protagonista internacional, com assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Batendo de frente com os Estados Unidos na área política e comercial, o Brasil terá de enfrentar o grande vizinho do Norte que, na verdade, não quer o Brasil como protagonista, nem na OEA, nem na ONU, nem em nenhum outro lugar do planeta.
Em discurso no encerramento da Marcha dos Prefeitos, hoje, o presidente Lula defendeu o acordo assinado com o Irão, afirmando que “os que se colocam contra o acordo precisam de inimigos para fazer política”. “Há quantos anos vocês ouvem essa briga entre Estados Unidos e Irão?”, questionou, prosseguindo, “Eles queriam colocar o Irão na mesa para negociar; queriam que o Irão assumisse um compromisso com a agência nuclear. Fomos ao Irão e conseguimos, depois de 18 horas de reunião, depois de duas viagens do Celso Amorim, aquilo que o Conselho de Segurança queria que fosse feito há seis meses. É muito engraçado porque algumas pessoas não gostaram. Tem gente que não sabe fazer política se não tiver um inimigo e sou daqueles que só sei fazer política construindo amigos”. Criticando aqueles que, internamente, dizem que o Brasil não deveria ter actuado no contencioso nuclear entre o Irão e os EUA, por não ser um assunto brasileiro, Lula questionou: “Quem é que disse que é coisa dos Estados Unidos? Onde foi isso aprovado? Nós temos uma contribuição ao multilateralismo que deveria ser levada em conta. Esse é o jeito de o Brasil fazer as coisas”.
[1] A primeira remessa está prevista para ocorrer em um mês.
[2] Como se a Administração FHC tivesse condenado a ditadura peruana de Alberto Fujimori, hoje preso por corrupção. FHC não só não o fez, como condecorou Fujimori, além de ter apoiado o governo Menem e a sua política económica, que arruinaram a Argentina.
[3] Nelson Rodrigues (1912-1980) foi dramaturgo, jornalista e escritor pernambucano.
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