Friday, May 21, 2010

Entrevista Concedida a Alunos da Universidade Autónoma de Lisboa Sobre o Brasil

1. Concorda com a política económica de Lula?
Resposta: A política económica de Lula tem conduzido o Brasil a um ritmo de crescimento notável, o que motivou Jim O`Neill, economista do grupo norte-americano Goldman Sachs, a classificá-lo como BRIC. Não há, por conseguinte, razões para discordar da política económica de Lula, que aliás é mais ou menos consensual dentro do país, até porque, não obstante o discurso esquerdista da campanha de 2002, o presidente Lula, ao assumir a Presidência, não só não rompeu com a orientação liberal do segundo mandato de Cardoso, como inclusive, a aprofundou. O primeiro governo Lula (2003-2006) exerceu um ajuste fiscal ainda mais forte que o realizado sob a era Cardoso, aplicando uma política monetária ainda mais rígida e retomou o programa de reformas (tributária, da Segurança Social, de autonomia do Banco Central, laboral, entre outras) de carácter amplamente liberal, que a Administração Fernando Henrique tinha suspenso por falta de condições políticas para levar a efeito. É certo que o presidente Lula começou, em 2007, o seu segundo mandato com um cenário de tranquilidade na economia, designadamente em comparação com o encontrado pelo antecessor Fernando Henrique Cardoso quando, em 1999, este iniciava a segunda gestão. Pressionado por forte crise económica internacional, FHC vira-se, desde logo, ante a necessidade de desvalorizar o câmbio, trocar dois presidentes do Banco Central e, ainda, controlar a fuga de reservas financeiras em torno de US$ 40 biliões, o que o fez perder força e enfrentar diversos dissabores políticos. Com um cenário externo tranquilo, Lula não teve de enfrentar problemas desta natureza. Ademais, a própria economia brasileira se encontra hoje substancialmente alterada na sua essência. Nos últimos vinte anos, os Planos Cruzado, Verão, Bresser, Collor e Real haviam-se fixado na estabilidade dos preços, no controlo da política monetária e na necessidade de contornar os problemas causados pela elevadíssima dívida externa. Hoje, esta está controlada, possuindo o Brasil reservas cambiais suficientes para cobrir, com folga, o saldo da dívida externa do sector público não financeiro; a taxa de juro caiu e deve manter-se em rota descendente, fazendo diminuir os gastos do governo com a colocação de títulos públicos; as contas públicas estão em ordem, somando um superávite primário de 4,41% do PIB; a inflação está controlada; o crescimento económico tem vindo a situar-se nos 5% ao ano; e o risco Brasil tem vindo a decair[1]. Neste sentido, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foi apresentado no dia 22 de Janeiro de 2007, sendo certo que os estímulos nele contidos não foram acompanhados de medidas que flexibilizassem a lei ambiental, pois a área ambiental mereceria, segundo prometido, grande atenção. Grande atenção recebeu, no âmbito do PAC, a criação de infra-estruturas para o país. Na verdade, as medidas do PAC, que contém orientações da política económica seguida no segundo mandato de Lula, incluem um pacote de aceleração de obras e infra-estrutura, com a discussão de uma nova matriz energética, de álcool e biodiesel. Assim, tiveram prioridade as obras que melhorassem as infra-estruturas do Brasil, como a conclusão e ampliação dos eixos estruturais de escoamento de carga e passageiros, como é o caso das estradas Belém - Brasília e Bahia - Minas Gerais - Rio Grande do Sul; bem como a conclusão de obras inacabadas e a concretização dos projectos que apresentassem um forte potencial de retorno económico e social, como as obras nos portos de Santos, Rio de Janeiro e Paranaguá[2]. É verdade que o PAC removeu alguns impedimentos ao crescimento económico do Brasil, porém criou outros, salientando-se, designadamente, o aumento do salário mínimo e a redução dos impostos. A primeira medida colocou o salário mínimo em R$ 380 (num aumento de 5,3%), mas provocou o aumento do já intolerável custo das reformas financiadas pelo Estado, enquanto a segunda surgiu incompleta, por não explicar como seria o gasto público reduzido para financiar a alteração tributária, ainda que esta tivesse como objectivo fomentar os investimentos em infra-estrutura[3]. Por outro lado, o governo não revelou a disposição de cortar nas despesas públicas de modo a aumentar a sua capacidade de investimento, para além de não patrocinar os planos de desenvolvimento económico levados a efeito pelos governos militares e associados ao milagre económico do final dos anos 1960 – início da década seguinte. Isto não desmerece, todavia, o plano de acção económica que o governo formulou, pois que o importante era que a Administração Lula elaborasse um plano de desenvolvimento detalhado que permitisse, conforme prometera Lula no discurso de posse, “realinhar as prioridades; optimizar recursos; aumentar fontes de financiamento; expandir projectos de infra-estrutura; aperfeiçoar o marco jurídico; e ampliar o diálogo com as instituições de controlo da fiscalização para garantir a transparência dos projectos e agilizar a sua execução”[4]. Pois que, para resolver os problemas da infra-estrutura, com investimentos mais significativos nas áreas dos transportes e da energia, foco central do PAC, era necessário que fossem vencidas as divergências internas sobre a condução das políticas fiscal e monetária, de modo a adequá-las ao esforço do crescimento sustentado. Para um governo que prometia mudanças fundamentais, o PAC apresentou-se amplamente convencional, ao aproveitar a calma global da economia e a diminuição dos juros para levar o Estado a investir e a diminuir os gastos correntes, num efeito sobre o PIB que se prefigura incerto, criticam os economistas. Não alterando em nada a essência da política económica já em vigor, o PAC foi tímido nas medidas que enunciou, já que muitas delas haviam já implementadas, outras estão em execução e algumas permanecem em tramitação no Congresso. Por outro lado, a desoneração fiscal do sector privado foi restrita, assim como as iniciativas para conter os gastos correntes. Mesmo em relação ao anúncio de R$ 504 biliões de investimentos para os quatro anos seguintes, o ponto central do pacote, apenas R$ 67,8 biliões vieram do Orçamento da Federação, vindo o restante de empresas estatais (designadamente a Petrobrás) e do sector privado. Mas é necessário atentar sobre algo que parece fundamental. Em toda a manutenção que traduz da política económica, em termos práticos, o PAC reflecte uma mudança da essência dessa mesma política, ao ressuscitar o papel mais activo do Estado na promoção do desenvolvimento, que há muito vinha sendo afastado da lógica económica do Brasil, em outros tempos desenvolvimentista. Vale ressaltar, todavia, que o actual sucesso económico do Brasil assenta, em muito, nas políticas económicas que Fernando Henrique Cardoso vinha desenvolvendo desde que era ministro das Finanças de Itamar Franco. FHC foi o autor do Plano Real, que veio controlar a inflação, lançando-o à Presidência do Brasil. Desde então FHC percebera que o Brasil, para além de estabilizar a sua moeda precisava de abrir e desregulamentar a sua economia, habituada a décadas de proteccionismo. Assim, FHC privatizou empresas, abriu a economia brasileira aos investimentos estrangeiros e aumentou as exportações do país. Assente nestas medidas, o comércio externo brasileiro passou de 11% do PNB, em 1990, a 24% na actualidade. O IDE passou de 1 bilhão por ano a 40 bilhões, em igual período, sendo o Brasil, hoje, o 2º país que, depois da China, mais recebe investimentos estrangeiros. Assim, FHC estabilizou a economia e a política do Brasil (que, de 1985 a 1994 teve 4 presidentes), preparando o caminho para Lula. É verdade que Lula tem feito um trabalho notável, especialmente porque, às políticas ortodoxas, acrescentou uma política social imaginativa, designadamente diminuindo as diferenças de renda e com o Bolsa Família, que transfere verbas para 11 milhões de família desde que estas enviem as crianças para a escola e visitem as agências governamentais de mês a mês. O trabalho do seu predecessor não deve, todavia, ser menosprezado, tendo servido de excelente rampa de lançamento para o sucesso económico que o Brasil tem vindo a apresentar desde 2003 – um sucesso de Lula que, em grande medida, assenta nos ombros de FHC. Esta evolução positiva, assente no programa de desenvolvimento infraestrutural do PAC e num novo modelo energético (através da diversificação da matriz energética), tem sido seguida do aumento das verbas para os programas sociais, que não são apenas programas de distribuição da renda, antes estão vocacionados para a educação, tanto a nível infantil, médio/juvenil, quanto superior, com base na ideia de colocar os jovens, sobretudo os de muito baixa renda, no sistema educacional. É evidente que estas políticas sociais por si só são insuficientes, até porque o espectro da inflação tem toldado a política, quer dos governantes, quer do sector privado empresarial. Pela primeira vez, no início de 2008, o governo manifestou preocupação com a forte expansão da procura nos últimos meses, sendo certo que o pacote de medidas económicas destinadas a compensar a perda de receitas resultantes do fim da Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira (CPMF) veio a ser benéfico para travar a inflação. Isto porque, para compensar o fim da CPMF, o pacote previu o aumento do Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF) e da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), que levou ao esfriamento do ritmo de crescimento do consumo, já que o governo deseja que a expansão do crédito continue. Por outro lado, é necessário fazer face às vulnerabilidades comuns a todos os BRIC. No caso específico do Brasil, a excessiva burocracia é ainda um empecilho ao desenvolvimento, assim como a deficiente infra-estrutura. É evidente que o crescimento do PIB tem sido utilizado para suprir estas necessidades, com pesados investimentos no sector das infra-estruturas, mas muito há ainda por fazer, ainda que, depois, praticamente nada sobre para investir nas forças militares – o que também deveria ser feito por um Estado que tem ambições de potência de nível mundial. Por outro lado, o êxito da economia do Brasil, assim como de todos os BRIC, está demasiado dependente do sistema internacional, sendo ainda certa a falta de vontade em promover a alteração da ordem que lhe(s) serve(m) os interesses nacionais. Os próprios problemas relativos à energia, ao ambiente e à tecnologia demonstram que o Brasil não tem, ainda, desenvolvido todos os esforços necessários nessas matérias. Embora muito venha sendo feito, de há uns anos a esta parte, a verdade é que muito tem, ainda, de ser feito, para que se evitem as constantes crises energéticas, para que se alcance o desenvolvimento ambientalmente sustentável e para que o Brasil consiga, efectivamente, alcançar o patamar tecnológico que lhes confira a independência relativamente aos países ricos. Dependência que ainda possui, tanto em matéria tecnológica, quanto ambiental, quanto, mesmo, energética (porque não chega ter as fontes de energia; é necessário ter, também, a tecnologia que permita trabalhar essas fontes).

2. Pensa que a política do Brasil levará a um crescimento a longo prazo ou será apenas conjuntural?
Resposta: A política brasileira, tal como formulada e executada pelo governo Lula, desde 2003, suportada na herança da administração anterior, tem tudo para conduzir o Brasil a um crescimento de longo prazo, sendo certo que a necessidade principal será, depois, a de transformar esse crescimento económico em verdadeiro desenvolvimento económico. Uma das propostas, a de dobrar a renda per capita do país em 15 anos, é perfeitamente factível", embora os desafios sejam imensos. Há, todavia, um mercado interno muito expressivo, uma excepcional dotação de recursos naturais e um capital humano que pode responder de forma adequada às necessidades de educação e treinamento. Por outro lado, a indústria brasileira tem produtividade em algumas áreas que se alinha aos níveis de muitos países mais avançados e o sistema político do país, assente numa sociedade democrática, em que as instituições funcionam bem de forma geral, permite também uma ambição maior de desenvolvimento. No entanto, há ainda um excesso de burocracia, bem como ausência de um padrão de financiamento adequado. O sistema tributário actual também não é funcional para a economia e é preciso evitar retrocessos em algumas áreas. Além disso, a política macroeconómica deverá estabelecer um diálogo maior com a política fiscal, de modo a permitir o aumento dos investimentos e o desenvolvimento do país, possibilitando a elevação da distribuição de renda. Não é possível imaginar o sector público investindo entre 1,5% e 2% do Produto Interno Bruto ante as necessidades na área de infra-estrutura, em função da necessidade de contenção dos gastos correntes. É possível que muitos projectos que estão na pauta do governo na área de investimentos não sejam realizados, mas há possibilidade de executar os de exploração do pré-sal e aqueles ligados à Copa do Mundo e às Olimpíadas. É preciso atentar, também, para o facto de a política fiscal expansionista praticada pelo governo elevar a taxa de juros para conter o excesso de demanda, o que se reflecte na política cambial. Assim, a taxa de juros precisa estar alinhada com os padrões internacionais – de salientar que o valor da taxa de juros real do País é inquietante, levando em conta que entre 40 países emergentes e desenvolvidos a taxa média real anual é de 0,7% enquanto no Brasil a taxa real se situa em 5% ao ano. É positivo que o governo, através do Ministério do Planeamento, tenha, a 20 de Maio de 2010, confirmado o corte adicional de R$ 10 biliões no orçamento, aumentando a previsão de crescimento da economia de 5,2% para 5,5% para 2010. Os dados fazem parte do Relatório Bimestral de Avaliação Orçamentária, documento no qual o Ministério do Planeamento revê os gastos e despesas do governo de acordo com o desempenho da economia no período. A informação sobre o corte já havia sido antecipada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, na semana passada. É a segunda redução de despesas anunciada este ano. Em Março, o governo bloqueou R$ 21,8 biliões - o maior contingenciamento promovido na gestão Lula. O objectivo do corte é ajudar a reduzir o ritmo de actividade da economia brasileira, já que uma expansão próxima de 7%, conforme previsões dos bancos, está acima da capacidade do sector produtivo nacional em fornecer mercadorias e serviços, o que levaria a um aumento da inflação. Dados do Banco Central divulgados esta semana mostram que a economia cresceu quase 10% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado. Há ainda que ter em conta a dívida federal. O segundo empréstimo de R$ 80 biliões do Tesouro Nacional ao Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (Bndes) fez um estrago na dívida pública federal (DPF). O stock da dívida chegou, em Abril, a R$ 1,5 trilião com a emissão de R$ 74,33 biliões em títulos para a liberação da primeira parcela do segundo empréstimo ao banco estatal. Em apenas um mês, o stock da DPF, que inclui a dívida pública interna em títulos e a externa, subiu de uma vez R$ 89,94 biliões e atingiu R$ 1,58 trilião. O aumento do endividamento só não foi maior porque a dívida pública externa caiu R$ 2,58 biliões ao longo do mês. O impacto do empréstimo ao Bndes influenciou directamente o stock da dívida interna em títulos, que saltou R$ 92,53 biliões de Março para Abril. Foi a maior elevação da dívida interna num único mês, desde o início da série histórica do Tesouro, em Dezembro de 1999: 6,61%. Em Maio, a dívida sofre novamente os efeitos do empréstimo ao Bndes com a emissão de mais R$ 5,6 biliões de títulos para a segunda e última parcela. Desde o início da crise financeira internacional, o stock da dívida interna já teve uma alta de R$ 269 biliões até Abril deste ano. Boa parte do aumento foi decorrente dos dois empréstimos feitos pelo Tesouro ao Bndes, que juntos somam R$ 180 biliões. A decisão de capitalizar o banco via empréstimos de longo prazo tem com objectivo aumentar a capacidade de financiamento de projectos de investimento. Mas a decisão de política económica que trouxe impacto na dívida bruta do sector público tem aumentado a desconfiança dos analistas em relação à política fiscal do governo depois da crise. As agências internacionais de risco vêm fazendo alertas recentes para o problema e já avisaram que estão atentas à relação entre governo federal e Bndes.
Ao anunciar na quinta-feira os dados, o coordenador de Planeamento Estratégico da Dívida Pública, Octávio Ladeira de Medeiros, avaliou que o empréstimo ao Bndes não compromete a imagem do Brasil perante as agências. Segundo Medeiros, não há risco de rebaixamento da nota do país, que já recebeu o grau de investimento das três principais agências.
Na avaliação do coordenador, o elemento central que faz com que as agências fiquem tranquilas e se sintam confortáveis é a trajectória projectada de queda da dívida líquida e bruta do sector público prevista na Lei de Directrizes Orçamentária (LDO) e as metas de superávite das contas do sector público previstas para até 2013. Medeiros destacou que a LDO já prevê uma meta de 3,3% do PIB de superávite primário de 2011 a 2013.

3. No mundo actual será o Brasil uma potência? Porquê?
Resposta: Na actual sociedade internacional e em função do seu peso económico e da sua política externa activa e assertiva, o Brasil pode ser considerado uma potência: regional sem dúvida e possivelmente global. os fundamentos da economia brasileira têm-se apresentado sólidos para enfrentar esses distúrbios[5], até pelo aparecimento de um fenómeno social novo: o nascimento de uma classe média oriunda das massas de baixa renda, responsável pelo consumo interno do país, assim contribuindo para o aquecimento global da economia brasileira[6]. Na sexta mensagem anual encaminhada, a 6 de Fevereiro de 2008, ao Congresso Nacional, por ocasião do início do ano legislativo, quando a Câmara e o Senado retomam oficialmente as actividades, após as férias de Verão, o presidente Lula, reconhecendo todavia a existência, no cenário internacional, de riscos para o crescimento da economia brasileira, avaliou que o impacto desse cenário sobre o país seria limitado, em virtude da “demanda doméstica robusta”[7] e da “solidez das contas externas”[8], tendo as Nações Unidas, em 2007, incluído o Brasil, pela primeira vez, no grupo de países com alto índice de desenvolvimento humano. O mesmo Brasil que, segundo informações oficiais de Fevereiro de 2008, torna-se hoje, pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial[9], credor internacional, em virtude do valor das suas reservas ser superior ao volume da dívida externa. O crescimento do PIB do país, em 2009, rondou os 3%[10] - um nível inferior ao dos restantes BRIC, mais ainda assim bastante significativo para um país em desenvolvimento. A formação bruta de capital, no Brasil, aumentou expressivamente, os investimentos directos estrangeiros entraram em grande volume[11] e as reservas internacionais do Brasil situaram-se, em Dezembro de 2008, em $ 206,8 mil milhões[12], nível nunca antes alcançado pelo país. Ademais, o Brasil melhorou a sua capacidade de suportar os choques externos e o governo brasileiro prevê, mesmo, que o país, em até dez anos, assuma a liderança mundial na exportação de etanol e soja, superando inclusive os EUA no ranking do comércio internacional destes produtos, reforce a sua liderança na venda de açúcar e registe um salto nas exportações de milho[13]. O Brasil ultrapassou já os EUA em matéria de produção de ferro e café, tornando-se o maior produtor mundial destes bens, sendo ainda o maior produtor do mundo em biocombustíveis, sumo de laranja concentrado, carne de vaca e carne de aves[14]. O Brasil, pela primeira vez, produziu mais carros de passeio do que os EUA, que foram castigados pela crise financeira internacional. No ano passado, enquanto os EUA produziram 2,249 milhões de automóveis, o Brasil tirou de suas fábricas 2,576 milhões de unidades, ficando em quinto lugar no ranking mundial, um à frente dos EUA. Note-se que, em 2008, os EUA produziram 3,924 milhões de carros de passeio e o Brasil, 2,545 milhões. Há dez anos, a proporção era de 5,637 milhões de unidades para os americanos e de apenas 1,1 milhão para os brasileiros. O Brasil, uma das maiores democracias do mundo, largamente conhecido como o país do futuro, nunca alcançava esse futuro, em virtude das crises económicas e políticas. Agora, esta situação tem-se alterado. Galardoado como investment grade status pela Agência Financeira Standard & Poor[15], em Maio de 2008, o Brasil assume-se como um país sério, que tem adoptado políticas sérias, que cuida das finanças com seriedade, merecendo, por conseguinte, a confiança internacional, como Lula afirmaria após o anúncio da Standard & Poor[16]. As descobertas de petróleo que têm sido feitas pela Petrobrás contribuem para esta situação, podendo elevar o Brasil ao estatuto de grande produtor de petróleo. De acordo com o prestigiado jornal britânico The Guardian, «South America`s sleeping giant is finally waking up»[17]. Depois da Standard & Poor, foi a vez de outras consultoras avaliarem positivamente a economia brasileira. A 22 de Setembro, a agência de classificação de risco Moody`s anunciou que os papéis do Brasil são confiáveis para investir e que a crise internacional não provocou grande impacto sobre o mercado brasileiro de acções. Algo que os investidores já sabiam, pelo que nem sequer o índice Ibovespa registou qualquer reacção, numa aparente indiferença do mercado. Na realidade, a Moody`s apenas veio confirmar que o Brasil é bom pagador e a economia brasileira, cada vez mais forte, não foi afectada de maneira significativa pela crise económica mundial. Deve dizer-se que a própria Fitch Rating, em Maio de 2008, já havia explicado que a elevação do rating reflectia a melhoria das contas externas e do sector público do Brasil, o que terá reduzido a vulnerabilidade do país a choques externos e de câmbio, fortalecendo a estabilidade macroeconómica e melhorando as perspectivas de crescimento para o médio prazo. No mesmo período, a agência canadiana DBRS tomou idêntica decisão. As agências mundiais têm, assim, seguido a análise pioneira da Standard & Poor, que em Abril de 2008 colocara o Brasil na lista dos países seguros, elevando a nota do país de BB+ para BBB- (no item «moeda estrangeira a longo prazo»). No quesito «moeda local a longo prazo», a Standard & Poor havia elevado o Brasil de BBB para BBB+ e o rating para «moeda local de curto prazo» foi ajustado de B para A-3. Apenas se mantêm as ressalvas de todas as agências relativamente à dívida pública, que é maior no Brasil do que em outros países BBB, bem como do desequilíbrio da balança fiscal, tratado com cuidado pela mais recente avaliação, da Moody`s. Não obstante este senão, todas as avaliações têm significado o reconhecimento da maturidade das instituições do Brasil e da política monetária, bem como da melhoria das tendências de crescimento do país. A verdade, porém, é que, se o Brasil pretende assumir-se como uma potência que ultrapassa os limites regionais, deverá apostar em todos os vértices do poder. Não chega ter peso geo-económico, uma economia pujante, assente numa população numerosa e cada vez mais bem formada, um soft power bem manejado, uma influência política cada vez mais evidente. É necessário ter umas Forças Armadas que estejam à altura dos desafios que se colocam às novas potências. Não obstante ter deixado de ser o quesito central na atribuição do qualificativo de potência, o poder militar é um dos tabuleiros da tridimensionalidade das actuais relações internacionais. E, neste, os EUA jogam sozinhos e lideram sozinhos. Facto é que o orçamento brasileiro destinado às Forças Armadas em 2007 (2,6% do PIB) foi de cerca de metade do que lhe havia sido destinado em 1995 (4,9% do PIB)[18]. Na Força Aérea, 88% dos aviões têm mais de quinze anos e apenas 37% estão aptos a combater, enquanto na Marinha, dos vinte e um navios de guerra existentes, somente dez estão operacionais, o mesmo sucedendo a dois dos cinco submarinos[19]. No Exército, a situação é ainda mais dramática: as nove baterias antiaéreas que o país dispõe estão fora de combate, enquanto os tanques M 11 são do tempo da guerra da Coreia (1951-53), inúteis, pois, numa guerra moderna[20]. Ademais, o Brasil tem, nos últimos anos, perdido a liderança, entre os Sul-Americanos, em matéria de investimento nas Forças Armadas. Em 2005/2006, o país que mais investia nas Forças Armadas era o Equador (com 3,7% do PIB), seguido pelo Chile (3,5% do PIB), pela Colômbia (3,3% do PIB) e pela Bolívia (2,2% do PIB). O Brasil só aparecia em quinto lugar, com 1,8% do PIB a ser investido em equipamento militar, à frente apenas da Venezuela (1,7% do PIB) e da Argentina (1,1% do PIB)[21]. Ainda assim, o Brasil consegue manter a liderança militar na América do Sul, com 630 pontos[22] em 2006/2007. Bastante à frente do segundo colocado, o Peru (com 449 pontos), o Brasil tem vindo, todavia, a perder pontos, já que em 2004/2005 somava 653 pontos (23 pontos a mais que em 2006/2007). Tal como o Brasil, também a Argentina desceu de 419 para 402 pontos, a Colômbia de 314 para 303 pontos e o Equador de 254 para 244 pontos. Peru, Chile e Venezuela aumentaram os pontos de 2004/2005 para 2006/2007, sendo particularmente relevante o aumento de 34 pontos alcançado pela Venezuela, que passou de 282 para 316 pontos[23]. Com 290 000 homens, o Brasil é hoje o décimo quinto maior efectivo militar do mundo em termos absolutos, perdendo apenas para os EUA, com 1,4 milhão de homens. Em termos relativos[24], porém, o Brasil, com 1 650 homens por cada milhão de habitantes, surge atrás do Chile (o primeiro colocado, com 5 500 homens por cada milhão de habitantes), dos EUA, de Cuba, da Colômbia, da Venezuela, do México e da Argentina[25]. Por muito que custe aos dirigentes brasileiros actuais, ainda muito próximos da vivência ao tempo da ditadura militar (1964-1985) – cujo fim trouxe o total desinteresse pelas questões militares, então secundarizadas na vida pública do país, ainda hoje consideradas politicamente incorrectas – a verdade é que as elites governantes brasileiras e a sociedade civil brasileira terão de resolver consigo próprias o tabu em que se tornaram as questões militares. Pois se é certo que o poder militar é hoje apenas um dos tabuleiros das relações internacionais, não é menos certo que ele continua a ser um dos aspectos essenciais que ditam a atribuição do qualificativo de potência mundial. Se o Brasil ambiciona esse qualificativo, não poderá limitar-se a jogar nos dois outros tabuleiros e deixar isolados os EUA no primeiro de todos. Terá de apostar numa actuação tripla, porque tridimensional é hoje a sociedade internacional.

4. Quais os possíveis componentes de uma visão estratégica brasileira?
Resposta: Existe uma visão estratégica brasileira, centrada, sobretudo, na defesa da Amazónia, nas relações em eixo com a Argentina em torno do fortalecimento do Mercosul e da integração sul-americana sob desenho brasileiro, e no relacionamento diversificado do país em termos multilaterais, com o Brasil a apostar, particularmente, na relação com os países emergentes. Por outro lado, o Brasil tem apostado também na discussão de temas políticos, procurando alargar a sua inserção internacional, tradicionalmente assente no vector económico, ao defender a sua inclusão como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, uma voz mais audível no FMI e, até, uma eventual inclusão na OPEP, em função das descobertas recentes de petróleo. Há, todavia, um fosso enorme entre o Brasil económico e o Brasil militar, o que dificulta a efectivação dessa visão estratégica. Se o país é hoje uma economia emergente, que actua na sociedade internacional em conformidade com esse poder económico; em termos militares a capacidade de actuação do Brasil é reduzida, ou mesmo nula. Desde o fim do regime militar brasileiro, em 1985, que os governantes brasileiros têm vindo a argumentar que o Brasil é um país pacifista, inserido num sub-continente pacífico, uma América do Sul que não assiste a guerras desde o fim da Guerra do Paraguai em 1871. Razão pela qual o país não necessita de desenvolver uma efectiva capacidade militar. Esta tem sido a postura oficial do Brasil, embora a actual política de aquisição de material bélico comece a sinalizar noutro sentido. Destaque-se, por exemplo, a cooperação aeronáutica da França com o Brasil. Em Setembro de 2009, Lula assinou, com Nicholas Sarkozy, um acordo para a aquisição, pelo Brasil, de 36 caças Rafaele franceses, podendo a França vir a participar no Programa KC-390, da Embraer, com o apoio no desenvolvimento e na compra de pelo menos 10 aviões. Facto é que, como referido já, se o Brasil se pretende assumir como potência global, terá de investir e apostar, também, em poder militar.

5. Será que o Brasil, seguindo a política actual, conseguirá ultrapassar os grandes problemas internos, no que respeita à pobreza existente incluindo os sem terra?
Resposta: De acordo com o enunciado nas 1ª e 2ª respostas, se o Brasil seguir mantendo a actual política e, ao mesmo tempo, realizar as reformas necessárias, estará em posição de ultrapassar os actuais problemas internos relativos à pobreza. Mas é necessário que o Brasil realize as referidas reformas, pois necessita de alguns ajustes: reduzir as despesas, aumentar o investimento em infra-estruturas, facilitar o acesso ao crédito por parte dos produtores rurais e dos empreendedores em geral e estimular as empresas a cumprir com a legislação. Facto é que, não obstante a necessidade desses ajustes, o Brasil tem percorrido um excelente caminho e as perspectivas são muito positivas. Espera-se, mesmo, que a Standard & Poor e a Fitch melhorem ainda mais as notas atribuídas ao país, até porque a política económica que o Brasil tem seguido tem-se mostrado acertada, capaz de responder às actuais pressões através de um uso adequado das suas reservas internacionais, da venda de Dólares nos mercados e da liberação de créditos compulsórios. Segundo Eduardo Pocetti, da BDO Trevisan, “se os acertos forem mantidos e os ajustes necessários se efectivarem [o Brasil] ingressará de vez no selecto grupo das nações desenvolvidas”. Pocetti vai mais além, numa nota de esperança que partilhamos: “potencial nós temos e estamos provando que o país do futuro finalmente se dispôs a desempenhar o papel de «país do presente»”.



[1] Dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Pesquisa. Colectados no IBGE – Brasília, durante o mês de Abril de 2007.
[2] Cfr. Programa de Aceleração do Crescimento, segundo governo Lula, Janeiro de 2007.
[3] Cfr. Idem.
[4] Cfr. SILVA, Luiz Inácio Lula; Discurso de Posse, 1 de Janeiro de 2007.
[5] A 11 de Março de 2009, o director executivo do FMI, Paulo Nogueira Batista, que representa o Brasil e outros países sul-americanos no FMI, afirmou perante o presidente Lula que «o Brasil está bem, apesar dos efeitos da crise». Cfr. Mário Miranda, Agência Lusa, de Lisboa, 11 de Março de 2009.
[6] Segundo o presidente Lula, esta classe média é já maioria, representando 52% de toda a sociedade brasileira. Cfr. LULA DA SILVA; Colocar B em BRIC, O Mundo em 2009, The Economist, pp. 58.
[7] Cfr. LULA DA SILVA, Mensagem encaminhada ao Congresso Nacional, 6 de Fevereiro de 2008.
[8] Cfr. Idem.
[9] No final da Segunda Guerra Mundial, houve um curto período em que o Brasil também viveu o papel de credor internacional. Durante o conflito, o país havia acumulado um grande saldo externo, que o governo Vargas pretendia utilizar como recurso para a recuperação tecnológica da indústria. Entretanto, porém, em apenas dois anos (1946 e 1947), a política económica liberal do presidente Eurico Gaspar Dutra, de liberdade cambial e abertura do mercado nacional, gastou aquelas reservas com a importação livre de supérfluos, fazendo regredir a situação creditícia que o Brasil teve por um curto espaço de tempo. Hoje, a dívida externa volta a ser inferior às reservas nacionais, como não sucedia no país desde o fim do Segundo Grande Conflito Mundial. Mas a situação actual tem também uma forte fragilidade, em razão do crescimento da dívida interna, remunerada a juros extremamente elevados, e do papel do investimento estrangeiro, que se beneficia daqueles juros, na formação das reservas. Esta situação origina uma grande emissão de títulos federais para ''esterilizar'' o meio circulante dos Reais constantemente emitidos para fazer o câmbio. Os títulos assim emitidos a juros altos são comprados pelos aplicadores, sendo a diferença custeada pela emissão de mais títulos e pela maior necessidade de superávite primário no orçamento público. Assim, enquanto é criado património financeiro privado, a dívida pública interna vai crescendo, decorrente de uma política monetária muito restritiva, que não permite que os Reais assim gerados circulem na economia financiando a produção e aumentando o consumo. Em resumo, se as taxas de juros não fossem tão altas e a política monetária mais expansiva, a atracção do ganho fácil não traria tantos Dólares ao Brasil, mas haveria mais Reais em circulação e menos dívida pública a sufocar o Estado brasileiro. A política económica, que ajudou a gerar a grande reserva externa, é, assim, também, a responsável pela própria fragilidade. Na verdade, no passado, a confortável situação de credor internacional durou, para o Brasil, apenas dois anos. Quantos irá durar a situação actual?
[10] Em 2007, a previsão da Administração Lula era de um crescimento do PIB de 5%. No final de Agosto de 2008, esse valor baixou para 4,5%, tendo o governo actualizado as previsões, no final de Novembro de 2008, para cerca de 3,7% e 3,8%, pela voz do ministro Paulo Bento, do Planejamento.
[11] A 26 de Janeiro de 2009, o Banco Central do Brasil informou que, em 2008, os investimentos directos estrangeiros (IDE) atingiram o patamar recorde de $ 45 mil milhões, o máximo alcançado desde 1947
[12] Segundo dados do Banco Central do Brasil de Janeiro de 2009.
[13] O boom das commodities, designadamente de soja, é particularmente relevante no estado do Mato Grosso, que se transformou na vanguarda da marcha brasileira em direcção a um novo lugar na sociedade internacional global.
[14] Cfr. BRIDGES, Tyler; Brazil no Longer Long on Potential and Short on Performance, in Miami Herald, 12 de Novembro de 2008.
[15] Cfr. The Country of the Future Finally Arrives, in secção financeira do The Guardian, 10 de Maio de 2008, pp. 41.
[16] Afirmação de Lula, in idem, ibidem.
[17] Cfr. Idem, ibidem.
[18] Segundo dados do Centro de Comunicação do Exército brasileiro em Março de 2009.
[19] Cfr. Idem.
[20] Cfr. Idem.
[21] Segundo dados da Military Power Review.
[22] A Military Power Review atribui pontos em função da quantidade e qualidade dos equipamentos e em função do tamanho do contingente militar de cada país.
[23] Segundo dados da Military Power Review.
[24] Em termos absolutos são contados os efectivos existentes em termos numéricos apenas. Em termos relativos essa contagem é feita com relação à população do país. Assim, em termos relativos conta-se o número de militares existentes por cada milhão de habitantes do país.
[25] Segundo dados do Centro de Comunicação do Exército brasileiro em Março de 2009.

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