O governo da Colômbia disse estar disposto a debater as acusações sobre a suposta presença de guerrilheiros colombianos na Venezuela durante a reunião extraordinária de ministros dos Negócios Estrangeiros da Unasul , marcada para esta quinta-feira, em Quito, no Equador.
Por meio de um comunicado, a Colômbia pediu que o bloco encontre soluções para a questão, que levou a um rompimento das relações diplomáticas entre o país e a Venezuela na semana passada.
No documento, a Colômbia afirma que a solução da actual crise com o país vizinho passa pela criação de um “mecanismo concreto” para solucionar “os temas de fundo”, sem especificar, no entanto, no que ele poderia consistir.
A nova crise entre a Colômbia e a Venezuela atingiu o seu ápice na última Quinta-Feira, quando o governo colombiano apresentou, durante uma reunião da OEA, supostas provas sobre a presença de rebeldes das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e do ELN (Exército de Libertação Nacional) em território venezuelano.
Como resposta, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, anunciou o rompimento das relações diplomáticas entre os dois países e ordenou o fechamento da embaixada da Colômbia em Caracas.
Segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Equador – que ocupa actualmente a Presidência rotativa da Unasul - a Venezuela, a Colômbia, o Paraguai, o Uruguai e o próprio Equador já confirmaram a presença na reunião de Quinta-Feira.
Wednesday, July 28, 2010
Thursday, June 24, 2010
Brasil é o Tema da 65ª Feira do Livro de Frankfurt
O Brasil está confirmado como país tema da edição de 2013 da Feira do Livro de Frankfurt, o maior evento editorial no mundo. As conversas com o Ministério da Cultura (MinC) vinham ocorrendo desde o ano passado. Anteontem à tarde, em Brasília, o director da Feira de Frankfurt, Jürgen Boos, e o ministro da Cultura, Juca Ferreira, assinaram um protocolo de intenção para firmar a parceria.
É a segunda vez que o País é o homenageado do evento - a primeira foi em 1994. "Queremos mostrar em Frankfurt como é a produção cultural no Brasil hoje, o que acontece não só na literatura, mas também no cinema, no teatro, na música", disse Boos. Ele destaca que o maior benefício para os países homenageados costuma ser um aumento significativo no volume de traduções das suas produções literárias. O director vê com bons olhos a promessa do governo brasileiro de aumentar, ainda este ano, de 20 para 100 as bolsas anuais de fomento à tradução da Fundação Biblioteca Nacional. "A tendência é até 2013 o número de traduções crescer muito mais." A edição deste ano da Feira em causa, a 62ª, que decorrerá de 6 a 10 de Outubro, é a Argentina.
É a segunda vez que o País é o homenageado do evento - a primeira foi em 1994. "Queremos mostrar em Frankfurt como é a produção cultural no Brasil hoje, o que acontece não só na literatura, mas também no cinema, no teatro, na música", disse Boos. Ele destaca que o maior benefício para os países homenageados costuma ser um aumento significativo no volume de traduções das suas produções literárias. O director vê com bons olhos a promessa do governo brasileiro de aumentar, ainda este ano, de 20 para 100 as bolsas anuais de fomento à tradução da Fundação Biblioteca Nacional. "A tendência é até 2013 o número de traduções crescer muito mais." A edição deste ano da Feira em causa, a 62ª, que decorrerá de 6 a 10 de Outubro, é a Argentina.
Monday, June 7, 2010
O Lugar das Cimeiras Ibero-Americanas na Política Externa Portuguesa
AS CIMEIRAS IBERO-AMERICANAS E A POLÍTICA EXTERNA PORTUGUESA
Teve lugar, nos dias 30 de Novembro e 1 de Dezembro de 2009, a XIX Cimeira Ibero-Americana, que reuniu vinte e dois chefes de Estado e de Governo dos países latino-americanos e da Península Ibérica – incluindo, desde 1994, Andorra[2] – no Estoril, sob o tema da Inovação e do Conhecimento, sob presidência portuguesa[3].
No âmbito da actual política externa portuguesa, este acontecimento assume grande relevância. Se desde o início da Expansão Marítima, no século XV, a política externa portuguesa esteve voltada para o Atlântico, com o 25 de Abril de 1974, a Europa assumiu-se como a prioridade dessa política. Hoje, porém, a avaliação do interesse nacional aconselha-nos a olhar novamente para o Atlântico – o que não significa desprezar a Europa. Contexto no qual ganham especial relevo a CPLP e as relações entre Portugal e a América Latina. Esta última no âmbito da Comunidade Ibero-Americana e não apenas no quadro redutor do relacionamento Portugal-Brasil. A importância das cimeiras ibero-americanas para a política externa portuguesa surge, pois, evidente, ainda que o papel do nosso país nessas cimeiras possa, e deva, ser mais potencializado.
De facto, a política externa portuguesa, com a sua continuidade histórico-geográfica e as rupturas resultantes das alterações de regime político, assume um significado e conteúdo próprios.
Tradicionalmente, a política externa portuguesa está voltada para o Atlântico. A Europa é um vector novo dessa política. O que em muito se deve aos condicionalismos histórico-geográficos que sempre condicionaram a actuação de Portugal na cena internacional: o factor castelhano, o factor marítimo e o factor europeu, que sempre condicionaram as opções feitas e determinaram os amigos e inimigos naturais.
Neste sentido, pode dizer-se que a primeira coordenada tradicional da política externa portuguesa sempre foi criar condições que permitissem a Portugal responder e equilibrar o poder crescente de Castela. Sendo que Portugal sempre teve um reduzido espaço vital e que, no século XV, era um Estado paupérrimo, com poucas terras férteis e sem rios navegáveis, a única forma de fazer frente a esses desafios, procurando espaço vital em termos geopolíticos e em termos económicos e tendo em conta a localização geográfica – com uma poderosa Castela que o impedia de voltar-se para Leste – era voltar-se para o Atlântico, lançando-se na Expansão Marítima.
Isto significa que a segunda coordenada da política externa portuguesa, consequência da primeira, corresponde, justamente, a este factor marítimo.
Em ligação a esta, como causa e consequência da mesma, surge a terceira grande coordenada da política externa de Portugal: a aliança com a Grã-Bretanha.
De facto, no final do século XVI, portugal estabeleceu um Tratado de Aliança com a Grã-Bretanha, resultado de uma convergência de interesses muito específica entre os dois Estados: a existência de um inimigo comum, Castela. Tanto Portugal, como a Grã-Bretanha tinham o objectivo de evitar que a Espanha dominasse a Península Ibérica. Portugal porque desejava manter a sua independência; a Grã-Bretanha porque deseja impedir a formação, na região, de um forte poder continental consubstanciado se houvesse um único Estado na Península Ibérica. De facto, um aspecto importante e constante da política externa britânica é ter sempre lutado contra qualquer tentativa de hegemonia na Europa continental, isto é, contra a formação de um grande poder continental que viesse contrabalançar o seu poder marítimo. Assim, a Grã-Bretanha lutou contra a Espanha no século XVI, a França de Luís XIV nos finais do século XVII e início do século seguinte, a França napoleónica do princípio do século XIX, a Alemanha do Kaiser e a Alemanha de Hitler. A política externa britânica vai sempre, por tradição, no sentido de privilegiar e favorecer os pequenos Estados ribeirinhos da Europa, com quem foi sempre celebrando alianças. Deste vector resultou o estabelecimento da aliança com Portugal. Embora os dois Estados fossem competidores em termos ultramarinos, eram contrários ao estabelecimento de grandes poderes continentais na Europa, especificamente Castela na Península Ibérica e, como Estados ligados ao comércio ultramarino, sempre privilegiaram a relação atlântica, em detrimento da opção europeia. Além do mais, Portugal sempre teve consciência de que não poderia manter o seu império colonial sem o apoio/aliança da Grã-Bretanha, senhora e dona dos mares. Daí a importância, para a política externa portuguesa, da aliança com os Britânicos.
Tudo isto significa que, sendo europeu, Portugal é também um país atlântico. Sendo pequeno, estando na periferia da Europa e, sobretudo, fazendo fronteira com apenas um país (Espanha), a formulação da política externa portuguesa sempre esteve balizada e condicionada por estes factores. E, de facto, a política externa portuguesa sempre reflectiu – e reflecte – a posição geopolítica do país: a escolha entre a opção europeia (continental) e a opção atlântica (marítima).
Isto originou variáveis permanentes nas opções da nossa política externa e nas características históricas da mesma.
Segundo Nuno Severiano Teixeira[4], essas constantes histórico-geográficas tornaram-se fundamentais e têm definido a orientação internacional de Portugal, podendo identificar-se quatro fases distintas no modo português de inserção internacional.
Assim, até ao século XIV, a política externa portuguesa[5] foi determinada pelo contexto da Península Ibérica. Uma Península Ibérica composta por cinco unidades políticas de tamanho e poder semelhantes: Castela, leão, Navarra, Aragão e Portugal.
A luta interna contra os Mouros, as limitações científicas e tecnológicas e a falta de recursos determinaram uma incapacidade estrutural de estabelecimento de relações com poderes fora da Península Ibérica[6]. Assim, no período medieval, as relações externas de Portugal desenvolveram-se no contexto ibérico num ambiente internacional de (quase) equilíbrio.
No século XV, a situação alterou-se totalmente em função do surgimento de novas condições geopolíticas e movimentos históricos que durariam até 1974. Assim, com a derrota dos Mouros e a unificação da Espanha com os Reis Católicos, a Península Ibérica transformou-se em um espaço com dois poderes de diferentes dimensões. Por outro lado, os avanços científicos e tecnológicos tornavam possível o estabelecimento de relações com poderes fora da Península Ibérica. A
situação de desequilíbrio interno na Península e este desenvolvimento tecnológico levaram Portugal, um lugar muito pobre, a procurar compensações fora da Península Ibérica. A solução encontrada foi o Atlântico.
A partir deste momento, Portugal procurou sempre equilibrar as pressões da potência continental espanhola, assumindo-se como potência marítima.
Após o fim do Império Colonial, a política externa do nosso Estado voltar-se-ia prioritariamente para a Europa, como permanece ainda hoje.
Foram destas permanências histórico-geográficas que emergiram as estratégias da política externa portuguesa. Na verdade, tudo pode ser resumido à solução sistemática do dilema com que Portugal se deparava: elaborar uma estratégia de afastamento da Europa, a partir da ameaça espenhola apercebida como tal; deixar a política externa dominar-se cada vez mais pela opção atlântica. Dilema que conduziu à emergência de duas tendências de lingo prazo da política externa portuguesa: a busca por uma relação privilegiada com o poder marítimo (primeiro a Grã-Bretanha e, depois da Segunda Guerra Mundial, os EUA e a Aliança Atlântica) e a busca pelo projecto colonial (através dos três impérios portugueses: Índia, Brasil e depois África).
Tomando como um todo, estes factores conduziram a política externa portuguesa a estabelecer relações e alianças extra-peninsulares, ainda que tendo a Espanha em conta. Num primeiro momento, estabeleceu-se o laço Lisboa-Madrid-Londres e, depois da Segunda Guerra Mundial, o eixo Lisboa-Madrid-Washington.
Ainda que Portugal não tenha ambições de tornar-se uma grande potência, a projecção de poder faz parte dos interesses nacionais, como acontece com qualquer Estado. A ideia de que um país pequeno e periférico não pode, no mundo contemporâneo, ser um país desenvolvido, não colhe. Assim, não é certo que Portugal, um país europeu, minúsculo e periférico tenha de ser um país insignificante. Mas a sua actuação no seio da UE não lhe permite, nem lhe permitirá, assumir-se como potência média, já que, na UE, Portugal é, em termos relativos, um Estado insignificante. O que Portugal tem de fazer é redimensionar o interesse nacional, tendo uma ideia própria sobre a ordem internacional e sobre o seu papel nas áreas onde se joga esse interesse nacional.
Como sabemos do senso-comum, os períodos de crise são os mais propícios para se reflectir sobre o futuro. Nesta conjuntura de crise económica e face aos desafios que se têm colocado ao país em função das profundas alterações operadas no seio da UE, talvez fosse benéfico para o nosso país regressar ao mar, no projecto novo para um Portugal Lusófono, que vai desde a participação na Aliança Atlântica ao relacionamento mais estreito com o Brasil, a África, sem esquecer a necessidade de cuidar das comunidades portuguesas espraiadas de Joanesburgo a Buenos Aires – o que aponta para a necessidade de um relacionamento próximo também com a América Latina.
É que Portugal, se por um lado é um Estado pequeno – território, população, recursos, capacidade militar – por outro tem potencial de potência média, em virtude dos laços culturais espalhados pelo mundo, com um Língua que é falada por milhares de pessoas, com uma tradição histórica das mais ricas, com uma cultura que está a par das mais antigas da Europa.
Desta forma, em termos internacionais, o futuro de Portugal joga-se em vários tabuleiros – no do Estado e da sociedade, no da Justiça, no da educação ou da produtividade. Portugal joga, ainda, nas questões da agenda global no plano económico e social e no plano político e de segurança. Tem, também, diversos desafios aos quais fazer frente. Em primeiro lugar, o desafio da União Europeia, do sucesso do projecto europeu e da centralidade do nosso país nesse projecto. O segundo desafio de interesse estratégico é a superação da crise transatlântica – aberta pela invasão norte-americana do Iraque – e a manutenção do vínculo transatlântico. O terceiro desafio diz respeito às relações de Portugal com a Espanha. Finalmente, o desafio pós-colonial, sendo, bilateralmente, do interesse nacional o reforço das relações com os países de expressão portuguesa e, multilateralmente, fazer da CPLP um instrumento diplomático credível e operacional para os seus Estados-membros.
Os relacionamentos de Portugal com as ex-colónias africanas, com o Brasil e, de modo mais abrangente, com a América Latina, assumem, neste contexto, grande importância, estando hoje a despertar o interesse das comunidades política e académica nacionais e, até, embora em menor grau, da sociedade civil portuguesa. Daí a pertinência do estudo das cimeiras ibero-americanas no quadro da política externa portuguesa. Estas cimeiras foram instituídas em 1991, em reunião em Guadalajara (México). A ideia de criar a Ibero-América nasceu de uma iniciativa da Espanha e do México, a que logo se associou Portugal, com vista a criar um fórum de consulta e de concertação política que reflectisse sobre os desafios da região e impulsionasse a cooperação, a coordenação e a solidariedade regionais promovendo o desenvolvimento dos países ibero-americanos. É evidente que, na actual sociedade internacional global, voltada prioritariamente para a luta contra o macroterrorismo, para as relações transatlânticas, bem como para as questões europeias, a América Latina acaba por assumir uma posição pouco relevante, apenas mediatizada por altura destas reuniões anuais, quando os vinte e dois chefes de Estado e de Governo da América Latina e da Península Ibérica se encontram[7].
Porém, estas cimeiras assumem um carácter de muito maior importância. A Declaração Final da VI Cimeira, realizada em 1996, no Chile[8], chegou mesmo a propor a criação de uma Comunidade Latino-Americana de Nações vinculada à Comunidade Ibero-Americana[9].
Ademais, as cimeiras resultam de um ano de intensos trabalhos, com reuniões mensais entre ministros e técnicos de todos os Estados participantes.No sentido de preparar estas cimeiras anuais foi criada, em 2003, a Secretaria Geral Ibero-Americana (Segib), sediada em Madrid e actualmente presidida pelo uruguaio Enrique Iglesias, Secretário-Geral Ibero-Americano[10].
Centralizando todos os trabalhos anuais que desembocam depois nas cimeiras, a Segib tem, porém, uma estrutura insuficiente, com pouco mais de quarenta funcionários, o que a leva a apoiar-se mais na sociedade civil do que propriamente no exercício estritamente governamental[11].
Numa tentativa de descentralização, a Segib deverá em breve abrir quatro ou cinco delegações na América Latina, enquanto a Espanha fala mesmo na extensão da Ibero-América aos países africanos que falam Português e a vizinhos como o Haiti e o Belize, que aderiram como observadores ou convidados – sendo as Filipinas, a Guiné Equatorial, Moçambique, o Belize e Timor-Leste candidatos à adesão – embora não haja consenso sobre a extensão da Ibero-América. O coordenador português para as relações ibero-americanas, Embaixador João Diogo Nunes Barata, por exemplo, considera a ideia prematura. Em primeiro lugar, porque a Ibero-América é uma comunidade ainda não consolidada e sem visibilidade; depois, porque alargando-a a países extra-região, deixaria de fazer sentido falar-se em espaço ibero-americano[12]. Apesar de a região latino-americana estar a viver um período de crescimento económico sem precedentes, com uma taxa de crescimento que rondou os 3,5% em 2009, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o desenvolvimento económico não tem ocorrido. A vida da população não reflecte esse crescimento económico, a taxa de pobreza mantém-se elevada, a riqueza continua mal distribuída, as classes médias emergentes trazem diversas implicações sócio-político-económicas ainda não totalmente absorvidas e o sistema educacional não permite o salto para o desenvolvimento[13].
Na realidade, os problemas são muitos e urgentes e, por vezes, a retórica prevalece sobre as reais possibilidades de concretização de uma verdadeira Comunidade Ibero-Americana de Nações. Projecto ambicioso que poderá, todavia, beneficiar do discurso integracionista que, de um modo geral, os líderes latino-americanos apresentam.
O grande desafio é, sem dúvida, contrariar a imensa desigualdade sócio-económica que caracteriza toda a Ibero-América, tornando por vezes difícil, mesmo, que se fale em união ibero-americana. Se, por um lado, o que existe de comum entre os países latino-americanos não é suficiente para que se projecte uma integração regional; por outro as diferenças entre esses países e Portugal e Espanha são gritantes. É evidente que existe uma cultura ibero-americana; todavia, tudo o resto diverge, sendo muito difícil, como se pretende com as cimeiras ibero-americanas, que o espaço ibero-americano se ponha de acordo nas instâncias internacionais e regionais. Parece necessário, antes de mais, e para que esse consenso seja possível, que cada país, internamente, crie as condições próprias para o seu crescimento e desenvolvimento económicos, reduzindo a pobreza e a desigualdade. O que, de um ponto de vista pragmático, depende de políticas internas e não de políticas ibero-americanas. São necessárias reformas estruturais, na fiscalidade, na competitividade, na produtividade, no sistema político, no sistema educacional. Mas as cimeiras ibero-americanas, inaugurando uma forma de fazer política mais dirigida aos cidadãos, poderão vir a ajudar nessas reformas. Portugal tem proposto que as próximas cimeiras se dediquem a temas mais precisos e perceptíveis para as populações, menos genéricos e que, de facto, se traduzam em declarações finais inteligíveis e sintéticas.
Os temas sociais, por exemplo, o calcanhar de Aquiles da América Latina, aqueles que abrem espaço ao populismo e à demagogia, são de grande relevância, tendo a XVII Cimeira Ibero-Americana, em 2007, em Santiago do Chile, sido dedicada a este tema.
Nela, a Espanha propôs a introdução do coneceito de fundos de coesão que, na Europa Comunitária, foram importantes para que os países menos desenvolvidos pudessem acompanhar os mais ricos. Os fundos de coesão, adoptados de modo coerente com a realidade ibero-americana, poderão vir a permitir assegurar a igualdade entre as populações e as regiões dos países latino-americanos, por forma a erradicar o crescente apartheid social do continente, segundo aponta o académico espanhol Celestino del Arenal. Existindo um consenso ibero-americano sobre a conveniência do instrumento, a Cimeira de Santiago do Chile conseguiu, para já, aprovar um conceito de fundos de coesão adaptado à realidade regional, abrindo caminho para que, depois, se discutam as vias possíveis para os modelos, financiamento e gestão desses fundos.
De facto, se os objectivos da União Ibero-Americana, aquando da sua criação, eram o desenvolvimento económico e a consolidação da democracia, agora é a coesão social que surge como o grande desafio da região. E melhorar a coesão social passa por encontrar novos modelos e paradigmas de desenvolvimento, analisar as idiossincracias nacionais e adoptar melhores práticas e políticas públicas.
Em todo o caso, neste processo de cooperação ibero-americana avulta sem dúvida o papel central desempenhado pela Espanha, que tem tomado, em grande medida, a dianteira do processo, com uma atitude mais activa que a que Portugal tem demonstrado. Situação que, na realidade, sucede nas próprias Cimeiras Ibero-Americanas e respectiva organização. A realidade, de facto, é que cerca de 60% do orçamento da Secretaria das Cimeiras é suportado por Espanha, o que a transforma, em certo sentido, numa espécie de ferramenta da política externa espanhola para a América Latina, onde Portugal perde espaço constantemente, apesar de constituir o terceiro contribuinte líquido da Segib, precedido apenas pelo México[14].
É evidente que a espanholização do espaço ibero-americano – expressão que Madrid recusa, todavia – ocorre perante o facto consumado de Portugal privilegiar a relação com o Brasil; o que não deveria ocorrer, porque a Ibero-América se afirma como a única arena de diálogo entre Portugal e os países latino-americanos que não o Brasil, tendo a seu favor o facto de, junto de muitos desses países, gozar de um estatuto de neutralidade de que Madrid não se pode gabar[15].
A verdade é que esta situação remonta ao próprio relacionamento que as nações ibéricas construíram, de início, com as Comunidades Europeias, especialmente aquando da adesão de ambas, em 1986[16]. É um facto que a adesão das nações ibéricas às Comunidades gerou expectativas múltiplas quanto ao estreitamento das relações entre a América Latina e a Europa e à intensificação do diálogo político entre ambas as regiões. Neste processo, Portugal teve um papel bastante discreto. As prioridades da sua política externa fora da Europa eram a África de expressão portuguesa e os Estados Unidos e a única prioridade na América Latina era o Brasil, percepcionado como líder natural das nações latino-americanas, com poder suficiente para gerar o diálogo directo com as Comunidades, sem a necessidade de intermediários[17].
A Espanha, por seu lado, tomou de forma organizada e afirmativa a questão das relações com a América Latina. A sua intenção era desenvolver um diálogo político com os países que outrora haviam sido suas colónias e, evidentemente, desempenhar o papel de ligação entre a América Latina e a Europa Comunitária. Vale lembrar que, tradicionalmente, a América Latina constitui uma prioridade da política externa espanhola havendo inclusive, na Constituição de 1978, uma referência à Comunidade Histórica quando se aborda o papel do Rei nas relações internacionais[18].
Evidentemente, a maioria dos Estados-membros das Comunidades opôs-se à ideia de a Espanha adoptar um papel de protagonista neste domínio; ao mesmo tempo que, do lado latino-americano, alguns países consideraram inválida tal atitude paternalista e retórica, exprimindo a não necessidade da Espanha como tutor para a América Latina fazer valer os seus interesses. Assim se desvaneceu a ideia da ligação e o governo do PSOE pôs a Espanha a funcionar como factor activante das relações CEE-América Latina[19].
Terceiro contribuinte do orçamento da Segib, coube a Portugal a tarefa de organizar a cimeira de 2009, sob o tema A Inovação e o Conhecimento. Assim, a 2 de Fevereiro de 2009, realizou-se, no Palácio das Necessidades, a cerimónia de transmissão da Secretaria Pro-Tempore Ibero-Americana de El Salvador (organizador da cimeira de 2008) para Portugal, com a presença dos ministros dos Negócios Estrangeiros de El Salvador e de Portugal, Marisol Argueta e Luís Amado, respectivamente, bem como do vice-ministro dos Estrangeiros da Argentina, Victorio Taccetti – que terá a presidência da cimeira em 2010. Para além, naturalmente, do Secretário-Geral Ibero-Americano, Enrique Iglesias[20].
Na realidade, num momento de crise global como o que hoje se vive, e que seguramente estender-se-á a parte deste ano, a inovação tecnológica e a pesquisa científica desempenham um papel de grande relevância, até mesmo como possibilidade de solução para a referida crise.
O desafio dos países latino-americanos, de Portugal e da Espanha é o de aumentar a respectiva cooperação nesses campos; tarefa para a qual a XIX Cimeira teve um papel importante, através da apresentação de projectos concretos.
Deve salientar-se que a cooperação ibero-americana no âmbito do desenvolvimento e difusão do conhecimento e da tecnologia surge fundamental na transmissão mútua das visões sobre as Relações Internacionais como ramo autónomo do Saber no seio das Ciências Sociais e, aqui, surge particularmente relevante a cooperação que Portugal, a Espanha e a própria União Europeia estabelecem com a América Latina – sendo de esperar que a Presidência Espanhola da Conselho da EU venha dar um grande impulso à constituição do Espaço Ibero-Americano do Ensino Superior – já que existe, efectivamente, uma visão latino-americana das relações internacionais, diferente daquela a que estamos habituamos, que condiciona a criação prática, bem como a análise teórica, desta subregião americana.
Existe, de facto, em fase de grande estruturação nas últimas décadas uma visão latino-americana das relações internacionais, partindo da construção de paradigmas sobre o desenvolvimento, já que a preocupação principal em torno da qual giram as abordagens internacionalistas latino-americanas é o subdesenvolvimento a que as suas sociedades estão sujeitas.
Na realidade, como assinala o Professor Doutor Amado Luiz Cervo, da Escola de Brasília, “…as políticas exteriores dos países do Sul – pelo menos é o caso do Brasil – centralizam suas preocupações em torno dos problemas do desenvolvimento. O mesmo não ocorre com os países avançados do Norte. É possível perceber dois esquemas de relações internacionais contemporâneas. Entre países avançados, as relações igualitárias deixam transparecer um caráter lúdico. Zelar pela paz ou preparar-se para a guerra, compor ou desfazer alianças, construir a potência e o prestígio, difundir ideologias e valores situam-se do lado do divertimento. Entre países desiguais, para aqueles que são atrasados, as relações internacionais deixam transparecer o caráter existencial. Delas dependem, em boa medida, os ritmos de desenvolvimento, as oportunidades de melhoria das condições sociais, o cotidiano. (…) Os nortistas continuam admitindo que as teorias do desenvolvimento, desde Keynes, integram a ciência econômica, não a ciência política. Como se a pobreza, a dominação e a dependência, a cooperação e a exploração não fizessem parte do mundo real das relações internacionais”[21].
De facto, a dimensão essencial das relações internacionais dos países subdesenvolvidos é o desenvolvimento económico. Para além de Cervo, Tomassini[22] e Bernal-Meza[23] são exemplos claros da defesa desta postura, para quem o estudo das relações internacionais dos países subdesenvolvidos deve passar pela análise das estratégias de desenvolvimento e inserção internacional, assim como da política externa, de modo que se estabeleça a relação entre os fundamentos da política, a sua prática específica e o desenvolvimento económico[24]. É neste sentido que o ponto de partida para a criação, desenvolvimento e consolidação de um pensamento especificamente latino-americano de relações internacionais é a crítica à teoria clássica e neoclássica da especialização no comércio internacional (a divisão internacional do trabalho) que sustenta o modelo centro-perferia[25], que constitui a origem do pensamento estruturalista latino-americano, sendo certo que o pensamento latino-americano das relações internacionais ultrapassa as explicações monocausais e tem início quando o fim da Segunda Guerra Mundial converte o objectivo do desenvolvimento em assunto internacional[26].
À parte esta realidade, é bom analisar os resultados alcançados com a Cimeira Ibero-Americana de 2009, depois de as reuniões preliminares desta terem tido por objectivo criar a inovação concorrencial, isto é, uma investigação tecnológica concorrencial.
Não obstante ter alcançado resultados efectivos em matéria de Inovação e Conhecimento, a verdade é que a Presidência portuguesa não conseguiu impor a sua agenda, tendo a XIX Cimeira Ibero-Americana sido dominada pela crise hondurenha, pelas alterações climáticas, pela extradição de Posada Carrilles e pela crise financeira e económica mundial – os temas quentes da agenda latino-americana. Mesmo assim, foi de facto em relação à Inovação e Conhecimento que saíram os principais acordos entre os Vinte e Dois.
Desde logo, foi assinada a Declaração de Lisboa, na qual os países ibero-americanos acordaram incentivar as matérias “mediante a formulação e implementação de políticas públicas de médio e longo prazos, sejam de natureza fiscal, financeira ou de crédito, dirigidas aos agentes da inovação e do conhecimento (empresas, principalmente as pequenas e médias, as universidades, centros de I&D, governos, sectores sociais) e à população em geral, e promovendo a sua interacção, estimulando, consequentemente, a implementação gradual de uma cultura da inovação”[27].
Na verdade, pode bem ser a partir da «Inovação e Conhecimento» que as sociedades ibero-americanas consigam dar um novo impulso à recuperação económica e ao combate ao desemprego, à exclusão social e à pobreza, sendo certo que, para tanto, compete aos governos nacionais a definição de políticas públicas nesse sentido, e não à Comunidade Ibero-Americana.
A XIX Cimeira Ibero-Americana veio, assim, dar um novo impulso para a criação de uma Comunidade Latino-Americana de Nações vinculada à Comunidade Ibero-Americana, no sentido de efectivar a Ibero-América como um fórum de consulta e de concertação política que reflicta sobre os desafios da região e impulsione a cooperação, a coordenação e a solidariedade regionais, promovendo o desenvolvimento dos países ibero-americanos. É necessário capitalizar os esforços das Cimeiras Ibero-Americanas de modo a que os seus resultados se afirmem concretos e capazes de atacar os problemas da região.
[1] Doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Professora Auxiliar no ISCSP/UTL.
[2] Os Estados participantes destas Cimeiras desde 1991 são Argentina, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Chile, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, República Dominicana, Uruguai, Venezuela, Portugal e Espanha. Andorra aderiu em 1994.
[3] Precisamente no ano, eleito pela União Europeia (EU), Ano da Criatividade e da Inovação.
[4] Cfr. SEVERIANO TEIXEIRA, Nuno; Continuity and Change: The Foreign Policy of Portuguese Democracy, Instituto Português de Relações Internacionais – IPRI, Universidade Nova de Lisboa, Working Paper nº 1, pp. 4.
[5] Utiliza-se aqui a expressão política externa como ferramenta de simplificação, uma vez que a existência de política externa antes do Tratado de Westfália (1648) é muito duvidosa, em função da entidade Estado ter sido reconhecida como tal apenas nesse tratado e a política externa, em si, ser apanágio do Estado.
[6] Cfr. SEVERIANO TEIXEIRA, Nuno; op. Cit., pp. 4.
[7] Cfr. PATRÍCIO, Raquel; A XVII Cimeira Ibero-Americana e a Coesão Social, in Reflexões Brasilianistas e Sul-Americanistas, http://www.brasil-americadosul.blogspot.com/search?updated-min=2007-01-01TOO%3AOO, consultado a 4 de Novembro de 2009.
[8] Até hoje, realizaram-se dezoito cimeiras, cada qual com a sua presidência, a saber: 1991 – México; 1992 Espanha; 1993 – Brasil; 1994 – Colômbia; 1995 – Argentina; 1996 – Chile; 1997 – Venezuela; 1998 – Portugal; 1999 – Cuba; 2000 – Panamá; 2001 – Peru; 2002 – República Dominicana; 2003 – Bolívia; 2004 – Costa Rica; 2005 – Espanha; 2006 – Uruguai; 2007 – Chile; 2008 – El Salvador. A de 2009 é presidida por Portugal e a de 2010 sê-lo-á pela Argentina.
[9] Cfr. http://www.iberchile.pt consultado a 18 de Novembro de 2009.
[10] Cfr. PATRÍCIO, Raquel; A XVII Cimeira Ibero-Americana e a Coesão Social, in Rflexões Brasilianistas e Sulamericanistas, in http://www.brasil-americadosul.blogspot.com/search?updated-min=2007-01-01TOO%3AOO consultado a 4 de Novembro de 2009.
[11] Cfr. http://www.segib.org consultado a 13 de Novembro de 2009.
[12] Cfr. PATRÍCIO, Raquel; A XVII Cimeira Ibero-Americana e a Coesão Social, in Rflexões Brasilianistas e Sulamericanistas, in http://www.brasil-americadosul.blogspot.com/search?updated-min=2007-01-01TOO%3AOO consultado a 4 de Novembro de 2009.
[13] Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
[14] Cfr. PATRÍCIO, Raquel; A XVII Cimeira Ibero-Americana e a Coesão Social, in Reflexões Brasilianistas e Sulamericanistas, in http://www.brasil-americadosul.blogspot.com/search?updated-min=2007-01-01TOO%3AOO consultado a 4 de Novembro de 2009.
[15] Cfr. Idem, consultado a 4 de Novembro de 2009.
[16] PATRÍCIO, Raquel; As Relações Entre a União Europeia e a América Latina – O Mercosul Neste Enquadramento, in MARTINS, Estevão Chaves de Rezende e SARAIVA, Miriam (orgs.); Brasil-União Europeia-América do Sul: Anos 2010-2010, Fundação Konrad Adenauer, Universidade de Brasília e CNPq, 1ª edição, Rio de Janeiro, 2009, pp. 62 à 75, pp. 67.
[17] Cfr. Idem, ibidem.
[18] Cfr. TOVIAS, Alfred; Foreign Economic Relations of the EC: The Impact f Spain and Portugal, Lynne Rienner Publisher, Boulder & London, Londres, 1990, pp. 60 à 71.
[19] Cfr. PATRÍCIO, Raquel; op. Cit., pp. 68.
[20] Cfr. http://www.cimeiraiberoamericana.gov.pt consultado a 16 de Novembro de 2009.
[21] Cfr. CERVO, Amado Luiz (org.); O Desafio Internacional – A Política Exterior do Brasil de 1930 a Nossos Dias, Colecção Relações Internacionais, Editora Universidade de Brasília, 1ª edição, Brasília DF, 1994, pp.15.
[22] Vide TOMASSINI, Luciano; Desarrollo Económico e Inerción Externa en América Latina: Um Proyecto Elusivo”, in Estudios Internacionales, Santiago, ano XXV, nº 97, Janeiro-Março de 1992, pp. 73-116.
[23] Vide BERNAL-MEZA, Raúl; América Latina en la Economia Política Mundial, Grupo Editor Latinoamericano, 1ª edição, Buenos Aires, 1994. BERNAL-MEZA, Raúl; Sistema Mundial y MERCOSUR. Globalización, egionalismo Políticas Exteriores Comparadas, Nuevohacer/Grupo Editor Latinoamericano e Universidad Nacional de la Provincia e Bueos Aires, 1ª edição, Buenos Aires, 2000.
[24] Cfr. BERNAL-MEZA, Raúl; América Latina en el Mundo – El pensamiento Latinoamericano y la Teoría de Relaciones Internacionales, Nuevohacer/Grupo Editor Latinoamericano, 1ª edição, Buenos Aires, 2005, pp. 66.
[25] Modelo que divide os Estados da sociedade internacional em dois grupos opostos: os desenvolvidos, do centro, e os subdesenvolvidos, da periferia.
[26] Cfr. BERNAL-MEZA, Raúl; op.cit., pp.67.
[27] Cfr. Declaração de Lisboa, XIX Cimeira Ibero-Americana, Lisboa, 1 de Dezembro de 2009.
Teve lugar, nos dias 30 de Novembro e 1 de Dezembro de 2009, a XIX Cimeira Ibero-Americana, que reuniu vinte e dois chefes de Estado e de Governo dos países latino-americanos e da Península Ibérica – incluindo, desde 1994, Andorra[2] – no Estoril, sob o tema da Inovação e do Conhecimento, sob presidência portuguesa[3].
No âmbito da actual política externa portuguesa, este acontecimento assume grande relevância. Se desde o início da Expansão Marítima, no século XV, a política externa portuguesa esteve voltada para o Atlântico, com o 25 de Abril de 1974, a Europa assumiu-se como a prioridade dessa política. Hoje, porém, a avaliação do interesse nacional aconselha-nos a olhar novamente para o Atlântico – o que não significa desprezar a Europa. Contexto no qual ganham especial relevo a CPLP e as relações entre Portugal e a América Latina. Esta última no âmbito da Comunidade Ibero-Americana e não apenas no quadro redutor do relacionamento Portugal-Brasil. A importância das cimeiras ibero-americanas para a política externa portuguesa surge, pois, evidente, ainda que o papel do nosso país nessas cimeiras possa, e deva, ser mais potencializado.
De facto, a política externa portuguesa, com a sua continuidade histórico-geográfica e as rupturas resultantes das alterações de regime político, assume um significado e conteúdo próprios.
Tradicionalmente, a política externa portuguesa está voltada para o Atlântico. A Europa é um vector novo dessa política. O que em muito se deve aos condicionalismos histórico-geográficos que sempre condicionaram a actuação de Portugal na cena internacional: o factor castelhano, o factor marítimo e o factor europeu, que sempre condicionaram as opções feitas e determinaram os amigos e inimigos naturais.
Neste sentido, pode dizer-se que a primeira coordenada tradicional da política externa portuguesa sempre foi criar condições que permitissem a Portugal responder e equilibrar o poder crescente de Castela. Sendo que Portugal sempre teve um reduzido espaço vital e que, no século XV, era um Estado paupérrimo, com poucas terras férteis e sem rios navegáveis, a única forma de fazer frente a esses desafios, procurando espaço vital em termos geopolíticos e em termos económicos e tendo em conta a localização geográfica – com uma poderosa Castela que o impedia de voltar-se para Leste – era voltar-se para o Atlântico, lançando-se na Expansão Marítima.
Isto significa que a segunda coordenada da política externa portuguesa, consequência da primeira, corresponde, justamente, a este factor marítimo.
Em ligação a esta, como causa e consequência da mesma, surge a terceira grande coordenada da política externa de Portugal: a aliança com a Grã-Bretanha.
De facto, no final do século XVI, portugal estabeleceu um Tratado de Aliança com a Grã-Bretanha, resultado de uma convergência de interesses muito específica entre os dois Estados: a existência de um inimigo comum, Castela. Tanto Portugal, como a Grã-Bretanha tinham o objectivo de evitar que a Espanha dominasse a Península Ibérica. Portugal porque desejava manter a sua independência; a Grã-Bretanha porque deseja impedir a formação, na região, de um forte poder continental consubstanciado se houvesse um único Estado na Península Ibérica. De facto, um aspecto importante e constante da política externa britânica é ter sempre lutado contra qualquer tentativa de hegemonia na Europa continental, isto é, contra a formação de um grande poder continental que viesse contrabalançar o seu poder marítimo. Assim, a Grã-Bretanha lutou contra a Espanha no século XVI, a França de Luís XIV nos finais do século XVII e início do século seguinte, a França napoleónica do princípio do século XIX, a Alemanha do Kaiser e a Alemanha de Hitler. A política externa britânica vai sempre, por tradição, no sentido de privilegiar e favorecer os pequenos Estados ribeirinhos da Europa, com quem foi sempre celebrando alianças. Deste vector resultou o estabelecimento da aliança com Portugal. Embora os dois Estados fossem competidores em termos ultramarinos, eram contrários ao estabelecimento de grandes poderes continentais na Europa, especificamente Castela na Península Ibérica e, como Estados ligados ao comércio ultramarino, sempre privilegiaram a relação atlântica, em detrimento da opção europeia. Além do mais, Portugal sempre teve consciência de que não poderia manter o seu império colonial sem o apoio/aliança da Grã-Bretanha, senhora e dona dos mares. Daí a importância, para a política externa portuguesa, da aliança com os Britânicos.
Tudo isto significa que, sendo europeu, Portugal é também um país atlântico. Sendo pequeno, estando na periferia da Europa e, sobretudo, fazendo fronteira com apenas um país (Espanha), a formulação da política externa portuguesa sempre esteve balizada e condicionada por estes factores. E, de facto, a política externa portuguesa sempre reflectiu – e reflecte – a posição geopolítica do país: a escolha entre a opção europeia (continental) e a opção atlântica (marítima).
Isto originou variáveis permanentes nas opções da nossa política externa e nas características históricas da mesma.
Segundo Nuno Severiano Teixeira[4], essas constantes histórico-geográficas tornaram-se fundamentais e têm definido a orientação internacional de Portugal, podendo identificar-se quatro fases distintas no modo português de inserção internacional.
Assim, até ao século XIV, a política externa portuguesa[5] foi determinada pelo contexto da Península Ibérica. Uma Península Ibérica composta por cinco unidades políticas de tamanho e poder semelhantes: Castela, leão, Navarra, Aragão e Portugal.
A luta interna contra os Mouros, as limitações científicas e tecnológicas e a falta de recursos determinaram uma incapacidade estrutural de estabelecimento de relações com poderes fora da Península Ibérica[6]. Assim, no período medieval, as relações externas de Portugal desenvolveram-se no contexto ibérico num ambiente internacional de (quase) equilíbrio.
No século XV, a situação alterou-se totalmente em função do surgimento de novas condições geopolíticas e movimentos históricos que durariam até 1974. Assim, com a derrota dos Mouros e a unificação da Espanha com os Reis Católicos, a Península Ibérica transformou-se em um espaço com dois poderes de diferentes dimensões. Por outro lado, os avanços científicos e tecnológicos tornavam possível o estabelecimento de relações com poderes fora da Península Ibérica. A
situação de desequilíbrio interno na Península e este desenvolvimento tecnológico levaram Portugal, um lugar muito pobre, a procurar compensações fora da Península Ibérica. A solução encontrada foi o Atlântico.
A partir deste momento, Portugal procurou sempre equilibrar as pressões da potência continental espanhola, assumindo-se como potência marítima.
Após o fim do Império Colonial, a política externa do nosso Estado voltar-se-ia prioritariamente para a Europa, como permanece ainda hoje.
Foram destas permanências histórico-geográficas que emergiram as estratégias da política externa portuguesa. Na verdade, tudo pode ser resumido à solução sistemática do dilema com que Portugal se deparava: elaborar uma estratégia de afastamento da Europa, a partir da ameaça espenhola apercebida como tal; deixar a política externa dominar-se cada vez mais pela opção atlântica. Dilema que conduziu à emergência de duas tendências de lingo prazo da política externa portuguesa: a busca por uma relação privilegiada com o poder marítimo (primeiro a Grã-Bretanha e, depois da Segunda Guerra Mundial, os EUA e a Aliança Atlântica) e a busca pelo projecto colonial (através dos três impérios portugueses: Índia, Brasil e depois África).
Tomando como um todo, estes factores conduziram a política externa portuguesa a estabelecer relações e alianças extra-peninsulares, ainda que tendo a Espanha em conta. Num primeiro momento, estabeleceu-se o laço Lisboa-Madrid-Londres e, depois da Segunda Guerra Mundial, o eixo Lisboa-Madrid-Washington.
Ainda que Portugal não tenha ambições de tornar-se uma grande potência, a projecção de poder faz parte dos interesses nacionais, como acontece com qualquer Estado. A ideia de que um país pequeno e periférico não pode, no mundo contemporâneo, ser um país desenvolvido, não colhe. Assim, não é certo que Portugal, um país europeu, minúsculo e periférico tenha de ser um país insignificante. Mas a sua actuação no seio da UE não lhe permite, nem lhe permitirá, assumir-se como potência média, já que, na UE, Portugal é, em termos relativos, um Estado insignificante. O que Portugal tem de fazer é redimensionar o interesse nacional, tendo uma ideia própria sobre a ordem internacional e sobre o seu papel nas áreas onde se joga esse interesse nacional.
Como sabemos do senso-comum, os períodos de crise são os mais propícios para se reflectir sobre o futuro. Nesta conjuntura de crise económica e face aos desafios que se têm colocado ao país em função das profundas alterações operadas no seio da UE, talvez fosse benéfico para o nosso país regressar ao mar, no projecto novo para um Portugal Lusófono, que vai desde a participação na Aliança Atlântica ao relacionamento mais estreito com o Brasil, a África, sem esquecer a necessidade de cuidar das comunidades portuguesas espraiadas de Joanesburgo a Buenos Aires – o que aponta para a necessidade de um relacionamento próximo também com a América Latina.
É que Portugal, se por um lado é um Estado pequeno – território, população, recursos, capacidade militar – por outro tem potencial de potência média, em virtude dos laços culturais espalhados pelo mundo, com um Língua que é falada por milhares de pessoas, com uma tradição histórica das mais ricas, com uma cultura que está a par das mais antigas da Europa.
Desta forma, em termos internacionais, o futuro de Portugal joga-se em vários tabuleiros – no do Estado e da sociedade, no da Justiça, no da educação ou da produtividade. Portugal joga, ainda, nas questões da agenda global no plano económico e social e no plano político e de segurança. Tem, também, diversos desafios aos quais fazer frente. Em primeiro lugar, o desafio da União Europeia, do sucesso do projecto europeu e da centralidade do nosso país nesse projecto. O segundo desafio de interesse estratégico é a superação da crise transatlântica – aberta pela invasão norte-americana do Iraque – e a manutenção do vínculo transatlântico. O terceiro desafio diz respeito às relações de Portugal com a Espanha. Finalmente, o desafio pós-colonial, sendo, bilateralmente, do interesse nacional o reforço das relações com os países de expressão portuguesa e, multilateralmente, fazer da CPLP um instrumento diplomático credível e operacional para os seus Estados-membros.
Os relacionamentos de Portugal com as ex-colónias africanas, com o Brasil e, de modo mais abrangente, com a América Latina, assumem, neste contexto, grande importância, estando hoje a despertar o interesse das comunidades política e académica nacionais e, até, embora em menor grau, da sociedade civil portuguesa. Daí a pertinência do estudo das cimeiras ibero-americanas no quadro da política externa portuguesa. Estas cimeiras foram instituídas em 1991, em reunião em Guadalajara (México). A ideia de criar a Ibero-América nasceu de uma iniciativa da Espanha e do México, a que logo se associou Portugal, com vista a criar um fórum de consulta e de concertação política que reflectisse sobre os desafios da região e impulsionasse a cooperação, a coordenação e a solidariedade regionais promovendo o desenvolvimento dos países ibero-americanos. É evidente que, na actual sociedade internacional global, voltada prioritariamente para a luta contra o macroterrorismo, para as relações transatlânticas, bem como para as questões europeias, a América Latina acaba por assumir uma posição pouco relevante, apenas mediatizada por altura destas reuniões anuais, quando os vinte e dois chefes de Estado e de Governo da América Latina e da Península Ibérica se encontram[7].
Porém, estas cimeiras assumem um carácter de muito maior importância. A Declaração Final da VI Cimeira, realizada em 1996, no Chile[8], chegou mesmo a propor a criação de uma Comunidade Latino-Americana de Nações vinculada à Comunidade Ibero-Americana[9].
Ademais, as cimeiras resultam de um ano de intensos trabalhos, com reuniões mensais entre ministros e técnicos de todos os Estados participantes.No sentido de preparar estas cimeiras anuais foi criada, em 2003, a Secretaria Geral Ibero-Americana (Segib), sediada em Madrid e actualmente presidida pelo uruguaio Enrique Iglesias, Secretário-Geral Ibero-Americano[10].
Centralizando todos os trabalhos anuais que desembocam depois nas cimeiras, a Segib tem, porém, uma estrutura insuficiente, com pouco mais de quarenta funcionários, o que a leva a apoiar-se mais na sociedade civil do que propriamente no exercício estritamente governamental[11].
Numa tentativa de descentralização, a Segib deverá em breve abrir quatro ou cinco delegações na América Latina, enquanto a Espanha fala mesmo na extensão da Ibero-América aos países africanos que falam Português e a vizinhos como o Haiti e o Belize, que aderiram como observadores ou convidados – sendo as Filipinas, a Guiné Equatorial, Moçambique, o Belize e Timor-Leste candidatos à adesão – embora não haja consenso sobre a extensão da Ibero-América. O coordenador português para as relações ibero-americanas, Embaixador João Diogo Nunes Barata, por exemplo, considera a ideia prematura. Em primeiro lugar, porque a Ibero-América é uma comunidade ainda não consolidada e sem visibilidade; depois, porque alargando-a a países extra-região, deixaria de fazer sentido falar-se em espaço ibero-americano[12]. Apesar de a região latino-americana estar a viver um período de crescimento económico sem precedentes, com uma taxa de crescimento que rondou os 3,5% em 2009, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o desenvolvimento económico não tem ocorrido. A vida da população não reflecte esse crescimento económico, a taxa de pobreza mantém-se elevada, a riqueza continua mal distribuída, as classes médias emergentes trazem diversas implicações sócio-político-económicas ainda não totalmente absorvidas e o sistema educacional não permite o salto para o desenvolvimento[13].
Na realidade, os problemas são muitos e urgentes e, por vezes, a retórica prevalece sobre as reais possibilidades de concretização de uma verdadeira Comunidade Ibero-Americana de Nações. Projecto ambicioso que poderá, todavia, beneficiar do discurso integracionista que, de um modo geral, os líderes latino-americanos apresentam.
O grande desafio é, sem dúvida, contrariar a imensa desigualdade sócio-económica que caracteriza toda a Ibero-América, tornando por vezes difícil, mesmo, que se fale em união ibero-americana. Se, por um lado, o que existe de comum entre os países latino-americanos não é suficiente para que se projecte uma integração regional; por outro as diferenças entre esses países e Portugal e Espanha são gritantes. É evidente que existe uma cultura ibero-americana; todavia, tudo o resto diverge, sendo muito difícil, como se pretende com as cimeiras ibero-americanas, que o espaço ibero-americano se ponha de acordo nas instâncias internacionais e regionais. Parece necessário, antes de mais, e para que esse consenso seja possível, que cada país, internamente, crie as condições próprias para o seu crescimento e desenvolvimento económicos, reduzindo a pobreza e a desigualdade. O que, de um ponto de vista pragmático, depende de políticas internas e não de políticas ibero-americanas. São necessárias reformas estruturais, na fiscalidade, na competitividade, na produtividade, no sistema político, no sistema educacional. Mas as cimeiras ibero-americanas, inaugurando uma forma de fazer política mais dirigida aos cidadãos, poderão vir a ajudar nessas reformas. Portugal tem proposto que as próximas cimeiras se dediquem a temas mais precisos e perceptíveis para as populações, menos genéricos e que, de facto, se traduzam em declarações finais inteligíveis e sintéticas.
Os temas sociais, por exemplo, o calcanhar de Aquiles da América Latina, aqueles que abrem espaço ao populismo e à demagogia, são de grande relevância, tendo a XVII Cimeira Ibero-Americana, em 2007, em Santiago do Chile, sido dedicada a este tema.
Nela, a Espanha propôs a introdução do coneceito de fundos de coesão que, na Europa Comunitária, foram importantes para que os países menos desenvolvidos pudessem acompanhar os mais ricos. Os fundos de coesão, adoptados de modo coerente com a realidade ibero-americana, poderão vir a permitir assegurar a igualdade entre as populações e as regiões dos países latino-americanos, por forma a erradicar o crescente apartheid social do continente, segundo aponta o académico espanhol Celestino del Arenal. Existindo um consenso ibero-americano sobre a conveniência do instrumento, a Cimeira de Santiago do Chile conseguiu, para já, aprovar um conceito de fundos de coesão adaptado à realidade regional, abrindo caminho para que, depois, se discutam as vias possíveis para os modelos, financiamento e gestão desses fundos.
De facto, se os objectivos da União Ibero-Americana, aquando da sua criação, eram o desenvolvimento económico e a consolidação da democracia, agora é a coesão social que surge como o grande desafio da região. E melhorar a coesão social passa por encontrar novos modelos e paradigmas de desenvolvimento, analisar as idiossincracias nacionais e adoptar melhores práticas e políticas públicas.
Em todo o caso, neste processo de cooperação ibero-americana avulta sem dúvida o papel central desempenhado pela Espanha, que tem tomado, em grande medida, a dianteira do processo, com uma atitude mais activa que a que Portugal tem demonstrado. Situação que, na realidade, sucede nas próprias Cimeiras Ibero-Americanas e respectiva organização. A realidade, de facto, é que cerca de 60% do orçamento da Secretaria das Cimeiras é suportado por Espanha, o que a transforma, em certo sentido, numa espécie de ferramenta da política externa espanhola para a América Latina, onde Portugal perde espaço constantemente, apesar de constituir o terceiro contribuinte líquido da Segib, precedido apenas pelo México[14].
É evidente que a espanholização do espaço ibero-americano – expressão que Madrid recusa, todavia – ocorre perante o facto consumado de Portugal privilegiar a relação com o Brasil; o que não deveria ocorrer, porque a Ibero-América se afirma como a única arena de diálogo entre Portugal e os países latino-americanos que não o Brasil, tendo a seu favor o facto de, junto de muitos desses países, gozar de um estatuto de neutralidade de que Madrid não se pode gabar[15].
A verdade é que esta situação remonta ao próprio relacionamento que as nações ibéricas construíram, de início, com as Comunidades Europeias, especialmente aquando da adesão de ambas, em 1986[16]. É um facto que a adesão das nações ibéricas às Comunidades gerou expectativas múltiplas quanto ao estreitamento das relações entre a América Latina e a Europa e à intensificação do diálogo político entre ambas as regiões. Neste processo, Portugal teve um papel bastante discreto. As prioridades da sua política externa fora da Europa eram a África de expressão portuguesa e os Estados Unidos e a única prioridade na América Latina era o Brasil, percepcionado como líder natural das nações latino-americanas, com poder suficiente para gerar o diálogo directo com as Comunidades, sem a necessidade de intermediários[17].
A Espanha, por seu lado, tomou de forma organizada e afirmativa a questão das relações com a América Latina. A sua intenção era desenvolver um diálogo político com os países que outrora haviam sido suas colónias e, evidentemente, desempenhar o papel de ligação entre a América Latina e a Europa Comunitária. Vale lembrar que, tradicionalmente, a América Latina constitui uma prioridade da política externa espanhola havendo inclusive, na Constituição de 1978, uma referência à Comunidade Histórica quando se aborda o papel do Rei nas relações internacionais[18].
Evidentemente, a maioria dos Estados-membros das Comunidades opôs-se à ideia de a Espanha adoptar um papel de protagonista neste domínio; ao mesmo tempo que, do lado latino-americano, alguns países consideraram inválida tal atitude paternalista e retórica, exprimindo a não necessidade da Espanha como tutor para a América Latina fazer valer os seus interesses. Assim se desvaneceu a ideia da ligação e o governo do PSOE pôs a Espanha a funcionar como factor activante das relações CEE-América Latina[19].
Terceiro contribuinte do orçamento da Segib, coube a Portugal a tarefa de organizar a cimeira de 2009, sob o tema A Inovação e o Conhecimento. Assim, a 2 de Fevereiro de 2009, realizou-se, no Palácio das Necessidades, a cerimónia de transmissão da Secretaria Pro-Tempore Ibero-Americana de El Salvador (organizador da cimeira de 2008) para Portugal, com a presença dos ministros dos Negócios Estrangeiros de El Salvador e de Portugal, Marisol Argueta e Luís Amado, respectivamente, bem como do vice-ministro dos Estrangeiros da Argentina, Victorio Taccetti – que terá a presidência da cimeira em 2010. Para além, naturalmente, do Secretário-Geral Ibero-Americano, Enrique Iglesias[20].
Na realidade, num momento de crise global como o que hoje se vive, e que seguramente estender-se-á a parte deste ano, a inovação tecnológica e a pesquisa científica desempenham um papel de grande relevância, até mesmo como possibilidade de solução para a referida crise.
O desafio dos países latino-americanos, de Portugal e da Espanha é o de aumentar a respectiva cooperação nesses campos; tarefa para a qual a XIX Cimeira teve um papel importante, através da apresentação de projectos concretos.
Deve salientar-se que a cooperação ibero-americana no âmbito do desenvolvimento e difusão do conhecimento e da tecnologia surge fundamental na transmissão mútua das visões sobre as Relações Internacionais como ramo autónomo do Saber no seio das Ciências Sociais e, aqui, surge particularmente relevante a cooperação que Portugal, a Espanha e a própria União Europeia estabelecem com a América Latina – sendo de esperar que a Presidência Espanhola da Conselho da EU venha dar um grande impulso à constituição do Espaço Ibero-Americano do Ensino Superior – já que existe, efectivamente, uma visão latino-americana das relações internacionais, diferente daquela a que estamos habituamos, que condiciona a criação prática, bem como a análise teórica, desta subregião americana.
Existe, de facto, em fase de grande estruturação nas últimas décadas uma visão latino-americana das relações internacionais, partindo da construção de paradigmas sobre o desenvolvimento, já que a preocupação principal em torno da qual giram as abordagens internacionalistas latino-americanas é o subdesenvolvimento a que as suas sociedades estão sujeitas.
Na realidade, como assinala o Professor Doutor Amado Luiz Cervo, da Escola de Brasília, “…as políticas exteriores dos países do Sul – pelo menos é o caso do Brasil – centralizam suas preocupações em torno dos problemas do desenvolvimento. O mesmo não ocorre com os países avançados do Norte. É possível perceber dois esquemas de relações internacionais contemporâneas. Entre países avançados, as relações igualitárias deixam transparecer um caráter lúdico. Zelar pela paz ou preparar-se para a guerra, compor ou desfazer alianças, construir a potência e o prestígio, difundir ideologias e valores situam-se do lado do divertimento. Entre países desiguais, para aqueles que são atrasados, as relações internacionais deixam transparecer o caráter existencial. Delas dependem, em boa medida, os ritmos de desenvolvimento, as oportunidades de melhoria das condições sociais, o cotidiano. (…) Os nortistas continuam admitindo que as teorias do desenvolvimento, desde Keynes, integram a ciência econômica, não a ciência política. Como se a pobreza, a dominação e a dependência, a cooperação e a exploração não fizessem parte do mundo real das relações internacionais”[21].
De facto, a dimensão essencial das relações internacionais dos países subdesenvolvidos é o desenvolvimento económico. Para além de Cervo, Tomassini[22] e Bernal-Meza[23] são exemplos claros da defesa desta postura, para quem o estudo das relações internacionais dos países subdesenvolvidos deve passar pela análise das estratégias de desenvolvimento e inserção internacional, assim como da política externa, de modo que se estabeleça a relação entre os fundamentos da política, a sua prática específica e o desenvolvimento económico[24]. É neste sentido que o ponto de partida para a criação, desenvolvimento e consolidação de um pensamento especificamente latino-americano de relações internacionais é a crítica à teoria clássica e neoclássica da especialização no comércio internacional (a divisão internacional do trabalho) que sustenta o modelo centro-perferia[25], que constitui a origem do pensamento estruturalista latino-americano, sendo certo que o pensamento latino-americano das relações internacionais ultrapassa as explicações monocausais e tem início quando o fim da Segunda Guerra Mundial converte o objectivo do desenvolvimento em assunto internacional[26].
À parte esta realidade, é bom analisar os resultados alcançados com a Cimeira Ibero-Americana de 2009, depois de as reuniões preliminares desta terem tido por objectivo criar a inovação concorrencial, isto é, uma investigação tecnológica concorrencial.
Não obstante ter alcançado resultados efectivos em matéria de Inovação e Conhecimento, a verdade é que a Presidência portuguesa não conseguiu impor a sua agenda, tendo a XIX Cimeira Ibero-Americana sido dominada pela crise hondurenha, pelas alterações climáticas, pela extradição de Posada Carrilles e pela crise financeira e económica mundial – os temas quentes da agenda latino-americana. Mesmo assim, foi de facto em relação à Inovação e Conhecimento que saíram os principais acordos entre os Vinte e Dois.
Desde logo, foi assinada a Declaração de Lisboa, na qual os países ibero-americanos acordaram incentivar as matérias “mediante a formulação e implementação de políticas públicas de médio e longo prazos, sejam de natureza fiscal, financeira ou de crédito, dirigidas aos agentes da inovação e do conhecimento (empresas, principalmente as pequenas e médias, as universidades, centros de I&D, governos, sectores sociais) e à população em geral, e promovendo a sua interacção, estimulando, consequentemente, a implementação gradual de uma cultura da inovação”[27].
Na verdade, pode bem ser a partir da «Inovação e Conhecimento» que as sociedades ibero-americanas consigam dar um novo impulso à recuperação económica e ao combate ao desemprego, à exclusão social e à pobreza, sendo certo que, para tanto, compete aos governos nacionais a definição de políticas públicas nesse sentido, e não à Comunidade Ibero-Americana.
A XIX Cimeira Ibero-Americana veio, assim, dar um novo impulso para a criação de uma Comunidade Latino-Americana de Nações vinculada à Comunidade Ibero-Americana, no sentido de efectivar a Ibero-América como um fórum de consulta e de concertação política que reflicta sobre os desafios da região e impulsione a cooperação, a coordenação e a solidariedade regionais, promovendo o desenvolvimento dos países ibero-americanos. É necessário capitalizar os esforços das Cimeiras Ibero-Americanas de modo a que os seus resultados se afirmem concretos e capazes de atacar os problemas da região.
[1] Doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Professora Auxiliar no ISCSP/UTL.
[2] Os Estados participantes destas Cimeiras desde 1991 são Argentina, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Chile, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, República Dominicana, Uruguai, Venezuela, Portugal e Espanha. Andorra aderiu em 1994.
[3] Precisamente no ano, eleito pela União Europeia (EU), Ano da Criatividade e da Inovação.
[4] Cfr. SEVERIANO TEIXEIRA, Nuno; Continuity and Change: The Foreign Policy of Portuguese Democracy, Instituto Português de Relações Internacionais – IPRI, Universidade Nova de Lisboa, Working Paper nº 1, pp. 4.
[5] Utiliza-se aqui a expressão política externa como ferramenta de simplificação, uma vez que a existência de política externa antes do Tratado de Westfália (1648) é muito duvidosa, em função da entidade Estado ter sido reconhecida como tal apenas nesse tratado e a política externa, em si, ser apanágio do Estado.
[6] Cfr. SEVERIANO TEIXEIRA, Nuno; op. Cit., pp. 4.
[7] Cfr. PATRÍCIO, Raquel; A XVII Cimeira Ibero-Americana e a Coesão Social, in Reflexões Brasilianistas e Sul-Americanistas, http://www.brasil-americadosul.blogspot.com/search?updated-min=2007-01-01TOO%3AOO, consultado a 4 de Novembro de 2009.
[8] Até hoje, realizaram-se dezoito cimeiras, cada qual com a sua presidência, a saber: 1991 – México; 1992 Espanha; 1993 – Brasil; 1994 – Colômbia; 1995 – Argentina; 1996 – Chile; 1997 – Venezuela; 1998 – Portugal; 1999 – Cuba; 2000 – Panamá; 2001 – Peru; 2002 – República Dominicana; 2003 – Bolívia; 2004 – Costa Rica; 2005 – Espanha; 2006 – Uruguai; 2007 – Chile; 2008 – El Salvador. A de 2009 é presidida por Portugal e a de 2010 sê-lo-á pela Argentina.
[9] Cfr. http://www.iberchile.pt consultado a 18 de Novembro de 2009.
[10] Cfr. PATRÍCIO, Raquel; A XVII Cimeira Ibero-Americana e a Coesão Social, in Rflexões Brasilianistas e Sulamericanistas, in http://www.brasil-americadosul.blogspot.com/search?updated-min=2007-01-01TOO%3AOO consultado a 4 de Novembro de 2009.
[11] Cfr. http://www.segib.org consultado a 13 de Novembro de 2009.
[12] Cfr. PATRÍCIO, Raquel; A XVII Cimeira Ibero-Americana e a Coesão Social, in Rflexões Brasilianistas e Sulamericanistas, in http://www.brasil-americadosul.blogspot.com/search?updated-min=2007-01-01TOO%3AOO consultado a 4 de Novembro de 2009.
[13] Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
[14] Cfr. PATRÍCIO, Raquel; A XVII Cimeira Ibero-Americana e a Coesão Social, in Reflexões Brasilianistas e Sulamericanistas, in http://www.brasil-americadosul.blogspot.com/search?updated-min=2007-01-01TOO%3AOO consultado a 4 de Novembro de 2009.
[15] Cfr. Idem, consultado a 4 de Novembro de 2009.
[16] PATRÍCIO, Raquel; As Relações Entre a União Europeia e a América Latina – O Mercosul Neste Enquadramento, in MARTINS, Estevão Chaves de Rezende e SARAIVA, Miriam (orgs.); Brasil-União Europeia-América do Sul: Anos 2010-2010, Fundação Konrad Adenauer, Universidade de Brasília e CNPq, 1ª edição, Rio de Janeiro, 2009, pp. 62 à 75, pp. 67.
[17] Cfr. Idem, ibidem.
[18] Cfr. TOVIAS, Alfred; Foreign Economic Relations of the EC: The Impact f Spain and Portugal, Lynne Rienner Publisher, Boulder & London, Londres, 1990, pp. 60 à 71.
[19] Cfr. PATRÍCIO, Raquel; op. Cit., pp. 68.
[20] Cfr. http://www.cimeiraiberoamericana.gov.pt consultado a 16 de Novembro de 2009.
[21] Cfr. CERVO, Amado Luiz (org.); O Desafio Internacional – A Política Exterior do Brasil de 1930 a Nossos Dias, Colecção Relações Internacionais, Editora Universidade de Brasília, 1ª edição, Brasília DF, 1994, pp.15.
[22] Vide TOMASSINI, Luciano; Desarrollo Económico e Inerción Externa en América Latina: Um Proyecto Elusivo”, in Estudios Internacionales, Santiago, ano XXV, nº 97, Janeiro-Março de 1992, pp. 73-116.
[23] Vide BERNAL-MEZA, Raúl; América Latina en la Economia Política Mundial, Grupo Editor Latinoamericano, 1ª edição, Buenos Aires, 1994. BERNAL-MEZA, Raúl; Sistema Mundial y MERCOSUR. Globalización, egionalismo Políticas Exteriores Comparadas, Nuevohacer/Grupo Editor Latinoamericano e Universidad Nacional de la Provincia e Bueos Aires, 1ª edição, Buenos Aires, 2000.
[24] Cfr. BERNAL-MEZA, Raúl; América Latina en el Mundo – El pensamiento Latinoamericano y la Teoría de Relaciones Internacionales, Nuevohacer/Grupo Editor Latinoamericano, 1ª edição, Buenos Aires, 2005, pp. 66.
[25] Modelo que divide os Estados da sociedade internacional em dois grupos opostos: os desenvolvidos, do centro, e os subdesenvolvidos, da periferia.
[26] Cfr. BERNAL-MEZA, Raúl; op.cit., pp.67.
[27] Cfr. Declaração de Lisboa, XIX Cimeira Ibero-Americana, Lisboa, 1 de Dezembro de 2009.
Tuesday, June 1, 2010
Brasil Condena o Ataque Israelita
O governo brasileiro recebeu com "choque e consternação" a notícia sobre o ataque israelita a um dos barcos da flotilha que levava ajuda humanitária internacional à Faixa de Gaza. Em nota divulgada hoje, o Ministério das Relações Exteriores afirma que o "Brasil condena, em termos veementes, a ação israelita, uma vez que não há justificativa para a intervenção militar em comboio pacífico, de carácter estritamente humanitário". O Itamaraty refere ainda que o embaixador de Israel no Brasil será chamado ao MRE para que seja manifestada pessoalmente a indignação do governo brasileiro com o incidente.
O comunicado afirma que o fato é agravado por ter ocorrido em águas internacionais. Para o Brasil, o ocorrido deve ser objecto de investigação independente, "que esclareça plenamente os fatos à luz do Direito Internacional."Os resultados da operação militar israelita denotam a necessidade de levantamento do bloqueio imposto à Faixa de Gaza, com vista à garantia da liberdade de locomoção de seus habitantes e o livre acesso a alimentos, medicamentos e bens de consumo àquela região", esclarece ainda a nota de imprensa divulgada hoje pelo Itamaraty.
O comunicado afirma que o fato é agravado por ter ocorrido em águas internacionais. Para o Brasil, o ocorrido deve ser objecto de investigação independente, "que esclareça plenamente os fatos à luz do Direito Internacional."Os resultados da operação militar israelita denotam a necessidade de levantamento do bloqueio imposto à Faixa de Gaza, com vista à garantia da liberdade de locomoção de seus habitantes e o livre acesso a alimentos, medicamentos e bens de consumo àquela região", esclarece ainda a nota de imprensa divulgada hoje pelo Itamaraty.
Friday, May 28, 2010
A RELEVÂNCIA DOS BRIC EM ANÁLISE
Reflexões Brasilianistas e Sul-Americanistas
O primeiro blog português sobre a América Latina: A Universidade portuguesa a pensar a América Latina, por Raquel Patrício, Doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, Prof. Auxiliar do ISCSP/UTL
Thursday, May 6, 2010
A RELEVÂNCIA DOS BRIC EM ANÁLISE
Durante a década de 1970, um grupo de países apresentou um acelerado crescimento industrial que os levou a buscar a liderança nos respectivos espaços regionais e, também, ao nível do espaço internacional, reivindicando novas fórmulas para o ordenamento da sociedade internacional[1]. Foi então que a cooperação Sul-Sul entrou na agenda das políticas externas, tanto por parte dos Estados system affecting[2], como dos países já então identificados como grandes mercados emergentes[3].Esta evolução acelerou-se no final dos anos 1990 e, particularmente, no início do século XXI, quando estes grandes mercados emergentes, como o Brasil, a Rússia, a Índia e a China, passaram a ser identificados através do acrónimo BRIC.Fala-se muito, hoje em dia, especialmente na comunicação social brasileira, relativamente na chinesa e na indiana, e praticamente nada na russa, dos BRIC. Acrónimo lançado por Jim O`Neill, economista do grupo norte-americano Goldman Sachs, em 2001[4], BRIC refere-se, sugestivamente, ao Brasil, à Rússia, à Índia e à China, no sentido de chamar a atenção para esses países, considerados emergentes, porque as respectivas economias têm alcançado tal nível de crescimento nos últimos anos que, em 2050, superarão o grupo de países desenvolvidos que formam o G6 (EUA, Japão, Alemanha, Grã-Bretanha, França e Itália, nesta ordem)[5].Assim, após o 11 de Setembro de 2001, em função da ameaça de instabilidade económica, Jim O`Neill lançou o acrónimo BRIC como alternativa de mercado. A Goldman Sachs, que já vinha estudando os mercados emergentes desde a década de 1980, lançou o termo BRIC a 30 de Novembro de 2001[6], como resposta ao 11 de Setembro, com receio de um crash bolsista. Em 2003, lançaria a tese do Dreaming With the BRICs[7], já que, do ponto de vista de quem investe, o deadline de 2003 a 2050 confere segurança e confiança, particularmente relevantes na era de insegurança e pouco ganho que se seguiu aos ataques terroristas. Para Dominic Wilson e Roop Purushothaman, “the BRICs economies could become a much larger force in the world economy. We map out GDP growth, income per capita and currency movements in the BRICs economies until 2005”[8]. A partir da previsão assim elaborada, a Goldman Sachs investiu agressivamente nestes mercados emergentes, sendo de salientar que, tendo em conta possíveis distúrbios nestas economias, lançou, depois, em conjunto com o mercado, derivações interessantes desse acrónimo, surgindo, assim, os BRICS (BRIC + África do Sul); BRICM (BRIC + México) e BRICSAM (BRIC + África do Sul + México + ASEAN), no sentido de serem apresentadas outras carteiras de investimento para além dos BRIC originais.Não obstante estas derivações, que acrescentam, aos BRIC inicialmente enunciados por O`Neill, outros países, a verdade é que são o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul as economias emergentes que mais se destacam, não só pela importância que estas economias têm revelado no comércio mundial e na atracção de fluxos de investimento, como também em função da posição relativa que as mesmas ocupam no conjunto das chamadas economias emergentes[9], especialmente em função do crescimento do PIB, da renda per capita e dos movimentos comerciais e financeiros.Na verdade, estas economias têm-se tornado alvo de crescente interesse, designadamente em termos das lições que podem vir a dar a outros países, mormente aos velhos poderes da sociedade internacional, graças ao seu actual desempenho económico e do potencial que estes países apresentam para tornarem-se os principais impulsores do crescimento da economia mundial[10].Estes países procuram desenvolver um comportamento internacional de natureza multifacetada, por forma a beneficiar das oportunidades oferecidas pelo sistema internacional, no sentido de remodelá-lo para beneficiar os países do Sul, permitindo-lhes actuar, nos respectivos contextos internacionais, com base numa perspectiva de hegemonia[11].É bem verdade que estes países emergentes actuam em relativa consonância no domínio económico, mas nos restantes assuntos internacionais, designadamente no que à segurança internacional diz respeito, a sua influência na sociedade internacional é nula, já que não existem interesses comuns entre esses países do ponto de vista securitário. A sua relevância na sociedade internacional advém, desta forma, não de um verdadeiro peso geopolítico e geoestratégico, mas de uma importância geoeconómica crescente – o que, em abono da verdade, poderá vir a conceder-lhes as tais importâncias geopolítica e geoestratégica. Que, para já, são reduzidas. Ademais, embora a própria existência destes países lhes confira um peso crescente em matéria de constrangimento sobre os restantes países da sociedade internacional, o que, por si só, já é uma arma poderosa[12], esse peso geoconómico não lhes garante, em termos absolutos, a sua segurança internacional.Para que exista uma visão coincidente da segurança e da defesa entre o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, no cenário internacional, é necessário que existam pontos de contacto em matéria de interpretação e avaliação da missão que estes países têm através das respectivas políticas de segurança e defesa; de explicitação e análise das ameaças que sobre eles pesam ou pesarão; dos meios que possuem para a defesa (disponíveis ou mobilizáveis); e da escolha de uma estratégia para a defesa de todos e dos espaços comuns de interesses[13]. O que, para já, não existe, não apenas em função da não coincidência entre os regimes políticos (especialmente porque nem todos são democracias) e entre as próprias organizações internas destes países, como também, e fundamentalmente, em função dos diferentes modos de inserção internacional que estes países têm levado a efeito após a década de 1990 (e mesmo antes). Assim, se a Rússia está mais voltada para a União Europeia e para os EUA, a China para o espaço euro-asiático, a Índia comprometida, essencialmente, com os seus problemas internos (referentes aos conflitos étnicos e religiosos) e externos (relativo à vizinhança hostil) e a África do Sul voltada para o espaço africano sub-saariano, é o Brasil aquele que mais tem levado a cabo uma inserção internacional multifacetada. A sua prioridade deixa de ser exclusivamente o espaço regional, designadamente o Cone Sul, onde ressalta o Mercosul e, particularmente, as relações em eixo com a Argentina[14], e passa a agregar, a essa prioridade, o estabelecimento de alianças e parcerias com os restantes emergentes, no sentido de alcançar mais-valias que o elevem a potência mundial, sua ambição mais premente na actualidade.Assim, embora o Brasil seja, dos BRIC, aquele que menos sucessos apresenta em termos económicos, o que tem levado o próprio presidente Lula a falar em “colocar um B em BRIC”[15], seguido de análises de especialistas da The Economist, a verdade é que é o Brasil o emergente que mais tem patrocinado o estabelecimento de ligações/relações entre os BRIC e a África do Sul, procurando conformar a sociedade internacional a uma ordem não polar[16] pós-americana[17]. Neste sentido, tem sido a política externa brasileira, a partir do início dos anos 1990, a liderar o engajamento dos países emergentes uns com os outros, o que justifica que se saliente a posição dessa política externa no enquadramento do relacionamento entre o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul. Até porque o Brasil tem interesses específicos em ligar-se aos restantes BRIC, potenciando a economia e o investimento nesses países, porque a globalização dos mercados, ao transformar o mundo numa pequena aldeia global, determina a rápida repercussão dos fenómenos. Desta forma, a capitalização da economia e do investimento na Rússia, na Índia e na China, por parte do Brasil, terá, certamente, efeitos benéficos para a economia brasileira, em pleno momento de expansão, pese embora a crise financeira internacional despoletada em meados de 2007, nos EUA, a propósito do subprime.De facto, embora o Brasil tenha historicamente actuado nos fora multilaterais terceiro-mundistas, é a partir de 1993, com a ascensão de Itamar Franco à Presidência da República, que o país começou a buscar um tipo novo de cooperação Sul-Sul, no contexto de uma ordem internacional caracterizada “por acções mais isoladas da dimensão Norte-Sul ou pela volatilidade das alianças organizadas na defesa de temas específicos”[18]. Sendo o Brasil apoiado pelos restantes BRIC, pela África do Sul e, até, pelo México; países que têm estabelecido, entre si, novos fora de debate e coordenação económico/política, dando corpo a uma cooperação Sul-Sul que influencia, cada vez mais, a sociedade internacional. Assim, partindo do denominador comum do crescimento económico acelerado, adquirem, hoje, uma importante relevância do ponto de vista geoeconómico.As semelhanças das dimensões geopolíticas e geoeconómicas referentes ao território, à reconhecida importância regional, à população, ao PIB, aos recursos naturais – ainda que aqui não entre o tipo de regime democrático, para muitos um destes vectores, por, de facto, nem todos os BRICS serem democráticos – têm sido as bases sobre as quais tem assentado a cooperação entre estes países, formando-se, mesmo, parcerias estratégicas.É evidente que existem experiências de actuações conjuntas dos países do Sul em termos históricos, sendo de ressaltar a cooperação desenvolvida no âmbito do Grupo 77. Todavia, se nesta época existiam condicionalismos externos, sobretudo económicos, que limitavam o impacto da cooperação Sul-Sul na sociedade internacional, com o derrube do muro de Berlim e o fim do bipolarismo, estes países aumentaram a sua capacidade de negociação na esfera internacional[19], buscando, especialmente, uma cooperação internacional que lhes permita contrapor-se às acções unilaterais das grandes potências.Neste sentido, a política externa brasileira, a partir de 1993, fez da cooperação do país com potências médias de grande porte, com destaque para a China, a Índia, a África do Sul e a Rússia – embora esta não pertença ao que se entende por Sul – uma prática corrente e, mesmo, uma das prioridades da diplomacia brasileira. Afinal, foi a partir de 1993, com Itamar Franco, que a corrente autonomista do Itamaraty ocupou mais espaço nas concepções diplomáticas do Brasil. E, de acordo com esta visão, o país observou que as características semelhantes entre si e os restantes emergentes deveria ser capitalizada através do desenvolvimento de formas de cooperação entre si e esses países extra-regionais, com o firme objectivo de reordenar o sistema internacional. Se esta ideia ganhou força quando Fernando Henrique Cardoso, no final do seu segundo mandato, cunhou o termo globalização assimétrica[20], foi, de facto, com Lula, que ascendeu à Presidência da República em 2003, que o estabelecimento de fora extra-regionais e parcerias estratégicas com os emergentes se transformou numa opção relevante da política externa brasileira.Vale lembrar que, desde 1993, o Brasil buscou a aproximação com os países emergentes através de dois modelos distintos, porém complementares. Por um lado, esta cooperação foi levada a efeito através das negociações comerciais no âmbito do Mercosul, procurando o país assinar acordos comerciais entre o bloco e os restantes emergentes, tanto a nível individual como em grupo. Por outro lado, a diplomacia brasileira buscou aproximar-se desses países em termos individuais, país a país, tanto ao nível dos consensos na esfera mundial – saliente-se o caso das negociações no seio da OMC – tanto a nível bilateral, através do estabelecimento de parcerias estratégicas[21].Assim, em 1993, as relações entre o Brasil e a China assistiram a um incremento considerável, na sequência da visita do presidente Zemin ao Brasil, visando estabelecer uma parceria estratégica entre ambos os países nos sectores de infra-estruturas e tecnologia. Foram assinados, também, um protocolo de cooperação em pesquisa espacial e um acordo na área científica e tecnológica. Ademais, o encontro procurou também fortalecer a ligação dos dois países à Índia a partir da actuação de todos nos fora multilaterais no tratamento de temas de política e de comércio externo. Embora, na prática, estes esforços não se tenham traduzido num incremento significativo das relações Brasil-Índia naquele momento, eles serviram para lançar as bases nas quais assentam, hoje, essas relações.Também neste período se assistiu ao incremento das relações Brasil-África do Sul, em 1994, aquando do fim do apartheid, ainda que, neste período, com Itamar Franco, a nova etapa das relações bilaterais não tenha, tal como no caso da Índia, obtido grandes resultados práticos.Relativamente à Rússia, foi assinado, em 1994, um tratado de parceria que almejava estabelecer, entre ambos, uma parceria estratégica visando o encetamento de negociações para a formação de um organismo de consulta bilateral. O comércio entre ambos, porém, manteve-se muito reduzido.Quando Fernando Henrique Cardoso sucedeu a Itamar, em 1995, este ritmo de cooperação entre os países emergentes, liderado pelo Brasil, diminuiu de forma bastante premente, em função da predominância mundial das concepções neoliberais. Apenas as relações comerciais foram, de alguma forma, estimuladas, tendo sido assinados, em 1996, o Acordo de Pretória, entre o Brasil e a África do Sul, buscando iniciar as negociações comerciais entre o Mercosul e o gigante da África Austral e, em 2000, o acordo marco entre ambos, no sentido da criação de uma área de livre comércio.Em relação à China, no início dos anos 1990, o mercado deste país passou a ocupar a terceira posição como destino das importações brasileiras, tendo sido apresentado, pela diplomacia brasileira, um estudo preparatório sobre a viabilidade em estabelecer-se, entre a China e o Mercosul, um acordo de livre comércio, embora não tenham sido levados adiante os esforços de criação de uma parceria estratégica entre ambos os países[22].Com a Rússia, as negociações comerciais não prosperaram[23]. Ainda que, a partir de 1995, o comércio bilateral tenha tido um crescimento relativo, a diversificação dos produtos exportados manteve-se reduzida. Até porque os maiores avanços nas relações bilaterais foram levados a efeito no âmbito político e da cooperação[24]. Em 1997, todavia, na sequência da visita do então ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Primakov, ao Brasil e, depois, em 2000, da visita do então vice-presidente brasileiro Marco Maciel, foram assinados acordos de cooperação nas áreas da educação, cultura, ciência, tecnologia e investigações sobre o espaço exterior, bem como a Declaração Conjunta de Criação da Comissão de Alto Nível, que começou a funcionar em 2000.No final do mandato de FHC, o Brasil formou uma aliança com a África do Sul e a Índia em matéria de propriedade intelectual na área farmacêutica. Isto sucedeu na sequência do contencioso das patentes que o Brasil e a África do Sul levaram adiante contra os EUA, na defesa da possibilidade dos dois países incentivarem a produção interna de medicamentos contra a SIDA a custos mais reduzidos. Foi muito importante a associação da Índia a estas questões, em função da fase de transição do Acordo TRIPS, estabelecido no âmbito da OMC, o qual produzia benefícios na produção e venda de medicamentos similares aos das indústrias norte-americanas a custos mais reduzidos[25]. Assim, a aliança Brasil-África do Sul conseguiu arregimentar outros países africanos e os dois puderam passar a comprar o coquetel anti-SIDA ao governo indiano – uma experiência de sucesso que serviu de modelo de cooperação no âmbito da cooperação Sul-Sul frente a um tema multilateral, embora não tenha produzido consequências até ao momento.A conjuntura internacional pós-11 de Setembro de 2001, já no final na gestão de FHC, obrigou a diplomacia brasileira a repensar a inserção internacional do Brasil, concluindo pela necessidade de reforçar a vertente multilateral e a aproximação aos países emergentes. Até porque, em Novembro desse mesmo ano, era lançada a tese dos BRIC, pelo economista norte-americano Jim O`Neill, do grupo Goldman Sachs.Iniciando uma inserção internacional assente no reforço da corrente autonomista do Itamaraty, o governo Lula procurou, para o Brasil, um modelo de inserção na sociedade internacional que apela à “inserção periférica dos países em desenvolvimento”[26] – o que tem sido chamado, por Amado Cervo, da Escola de Brasília, de inserção logística[27], uma inserção que faz a síntese entre os aspectos positivos do Desenvolvimentismo e do Neoliberalismo, numa espécie de convivência entre o estruturalismo latino-americano de base marxista e o capitalismo ocidental.Neste sentido, o Brasil, além de ter introduzido, na sua agenda de política externa, os temas do papel das Nações Unidas, dos princípios do multilateralismo, do Direito Internacional, das preocupações com a segurança regional e internacional, do combate ao terrorismo e ao narcotráfico, da busca de um comércio mais fortalecido e não discriminatório, da protecção ambiental e das fórmulas para ultrapassar a pobreza, buscou também dar um novo peso à cooperação Sul-Sul[28], por forma a consolidar um multilateralismo mais favorável a estes países, bem como recolocar a divisão Norte-Sul no centro da política internacional[29].De facto, a política externa brasileira tem tentado conformar a ordem internacional à filosofia política de equalizar os benefícios, nas relações internacionais, entre os países ricos e os emergentes ou, por outras palavras, obter a reciprocidade nas relações internacionais, na tentativa de ultrapassar o que Fernando Henrique Cardoso, quando se tornou céptico quanto à sociedade internacional conformada ao neoliberalismo, chamou de globalização assimétrica[30].Tem sido, contudo, difícil obter a reciprocidade real entre países capitalistas e emergentes, o que tem levado o Brasil a voltar-se, cada vez mais, para outros espaços de actuação. Reflectindo sobre os vectores económico, social, político e agrícola (sendo o Brasil, de todos os BRIC, o maior mercado agrícola), o Brasil tem, através de sistemas de rede montados com as universidades, as empresas e os centros de estudo, estruturado pontos de contacto e ligações com os restantes países emergentes. O Brasil congregou a Índia e a China, já pensando nas potencialidades dos minérios; congregou a África do Sul, em função da dinâmica económica sul-africana e da sua rede de influências; e tem-se ligado aos melhores académicos russos, indianos e chineses, para além de ter criado a Secretaria de Acções Especiais de Longo Prazo – englobando o Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE) e o Instituto de Pesquisa Económica Aplicada (Ipea) – à frente da qual está Roberto Mangabeira Unger, conhecido professor de Direito na Universidade de Harvard, que defende formas alternativas de globalização – designadamente a reorientação do regime internacional do comércio e a reorganização das instituições multilaterais do sistema Bretton Woods – e o entendimento do Brasil com as potências emergentes (China, Rússia e Índia) o qual permitirá que, a pouco e pouco, se transforme a natureza da hegemonia norte-americana. Ideias que vão no sentido de criar uma forma de globalização mais propícia ao pluralismo. Mangabeira Unger sustenta que a energia para lutar por essa reconstrução do regime global tem de vir da tentativa de reorientar os projectos nacionais, pelo que, somente quando se tenta desenvolver um projecto nacional alternativo ao projecto neoliberal se torna possível levar adiante a ideia de mudar as regras do actual sistema global[31].Acima de tudo, a dificuldade em obter a reciprocidade nas relações internacionais tem justificado a aposta brasileira na aproximação aos países emergentes consubstanciada nas coligações anti-hegemónicas que têm nascido sob sua liderança, desde a reunião de Cancun, em 2003, no âmbito da Ronda de Doha da OMC.Desde logo, ressalta o G20, grupo de países composto pelos de maior peso da América do Sul, da África e da Ásia, liderado pelo Brasil.Igualmente liderado pela diplomacia brasileira surge, também desde 2003, a articulação com a Índia e a África do Sul. Efectivamente, tem havido avanços significativos no relacionamento Brasil-Índia-Áfica do Sul, reunindo-se os três em Brasília, em 2003, para dar continuidade à aliança ensaiada no caso do contencioso das patentes. Nessa reunião, foi estabelecida uma aliança permanente entre os três, o Fórum de Diálogo G3-Ibas, visando fortalecer a capacidade dos três países nas negociações internacionais, lutar pela reforma das Nações Unidas e promover a cooperação técnica[32].De ressaltar, também, a assinatura, no mesmo ano, do Acordo Mercosul-Índia e, em 2005, de um acordo preferencial entre ambas as partes, bem como a articulação do Brasil com o Japão, a Alemanha e a Índia no âmbito do G4, visando fazer uma frente comum para negociar com os EUA e a União Europeia uma saída para a ronda de Doha da OMC.Ainda que o comércio Mercosul-África Austral seja reduzido – tendo vindo, todavia, a experimentar um aumento desde 2001 – foi também assinado, em 2005, um acordo preferencial entre as duas regiões[33].Nas negociações sobre o meio ambiente, o Brasil e a Índia iniciaram um diálogo no sentido de virem a estabelecer um protocolo favorável aos países em desenvolvimento[34].A parceria Brasil-China também tem vindo a conhecer alguns avanços, tendo sido assinados diversos protocolos de cooperação nas áreas económica e tecnológica, em 2004, na sequência da visita, ao Brasil, do vice-primeiro-ministro chinês. Foi estabelecida, por esta ocasião, uma Comissão de Concertação e Cooperação Bilateral e foram iniciados estudos para a assinatura de um acordo de livre comércio Mercosul-China – obstado pelo Paraguai, que mantém relações diplomáticas com Taiwan.Daqui advém o papel do Brasil como actor global da sociedade internacional. A sua capacidade de influenciar o comércio internacional patenteia-se por meio do G20[35]; a sua capacidade para influir sobre a segurança internacional torna-se evidente no G4[36]; a sua capacidade de fomentar a cooperação Sul-Sul entre os países emergentes surge evidente no G3-Ibas[37], a associação das três maiores democracias do Sul, destinada a promover a cooperação e o desenvolvimento. Ademais, o Brasil tem defendido o alargamento do G8 de modo a inclui-lo a ele e bem ainda a Rússia, a China, a Índia e o México[38].Na realidade, e como tem sido defendido neste paper, os BRIC têm vindo a estabelecer relações entre si, especialmente em matéria de cooperação e questões económicas. Mas é de fundamental importância observar que, paralelamente a estes esforços, os BRIC venham, já, a estabelecer contactos entre si ao mais alto nível, através de cimeiras que têm realizado. Assim, ocorreu, em Moscovo, em Maio de 2008, a primeira reunião formal entre os Quatro, visando criar as condições de coordenação quadrilateral que lhes permita adquirir peso e relevância nas decisões internacionais e, simultaneamente, contribuir para a estruturação de um sistema internacional democrático e multilateral, fundado sobre o direito.Em Junho de 2009, os líderes dos Quatro voltaram a encontrar-se, em Yekaterinburg, cidade da Rússia Central, onde assinaram uma Declaração Conjunta clarificando as visões dos BRIC relativamente às questões internacionais, e tendo, ainda, assinado um acordo sobre a segurança alimentar global[39], sendo que, no âmbito das cimeiras anuais que estes países têm procurado estabelecer entre si, o Brasil será o anfitrião da de 2010.Não obstante estes encontros, a institucionalização dos BRIC, como grupo formalmente existente de cooperação Sul-Sul, surge ainda ténue no horizonte próximo da sociedade internacional. Não é impossível que tal venha a ocorrer, muito menos improvável, apenas distante ainda.Essencialmente porque, de um modo geral, os BRIC funcionam de forma muito pragmática, tendo a economia como vector fundamental em torno do qual guiam a sua política externa. Alcançando o poder económico que lhes permite actuar na política internacional, é através dele que, também de modo pragmático, administram as fricções na sociedade internacional global, numa lógica que busca, na cooperação, a melhor maneira de potencializar esse poder[40].Seguindo esse pragmatismo, as relações entre os BRIC centram-se eminentemente no domínio económico. É neste vector que tais relações ocorrem, assim como é neste vector que se processa o entendimento entre estes actores das relações internacionais, até porque o entrecruzamento dos interesses aconselha ao relacionamento próximo, em nome da satisfação dos interesses nacionais de cada parte. Em níveis que ultrapassam o económico, o acordo não se regista e, por conseguinte, o estabelecimento de relações surge difícil[41].Afinal de contas, os Quatro divergem em quase todos os temas importantes da agenda multilateral. A Rússia não é membro da OMC e a sua importância no cenário internacional advém, praticamente, dos preços recordes do petróleo e do gás, bem como das ogivas nucleares do país, o que cria alguns entraves à previsão do que poderá vir a ser a Rússia de Medvedev e Putin em 2050. A Índia, por seu lado, crê-se que virá a tornar-se numa das principais bases industriais e tecnológicas do mundo, enquanto a China dividirá, com os Estados Unidos, o primeiro lugar no ranking das maiores economias do mundo em 2050, afirmando-se como base industrial, base tecnológica e potência militar. Ao Brasil cabe o destino de tornar-se o maior fornecedor de proteína animal e vegetal, açúcar, etanol e alimentos. Mas o caminho até alcançarem este patamar é longo e tortuoso. Os sistemas políticos terão de ser adaptados, as reservas de água controladas e o problema da poluição ultrapassado através da adopção das políticas correctas, designadamente em matéria de infra-estrutura, sistema tributário e sistema trabalhista.Por outro lado, é evidente que existem riscos associados à oferta, pela banca, de uma vasta carteira de investimentos nos mercados dos BRIC. Riscos esses que se prendem, especialmente, com a volatilidade desses mercados, que associada, muitas vezes, à instabilidade das respectivas sociedades, gera insegurança nos investidores. Sabe-se, todavia, que os mercados de investimento de risco são, também, os mais apetecíveis, dadas as possibilidades de retorno que apresentam. Os riscos não parecem, pois, pôr em causa os fluxos de investimento directo estrangeiro nos BRIC. Embora existam, de facto. Assim como, além da volatilidade dos respectivos mercados e da instabilidade das respectivas sociedades, não são de esquecer as vulnerabilidades acrescidas em função da dificuldade em transformarem o crescimento económico num efectivo desenvolvimento económico que abranja níveis elevados de investimento em IDT.Os próprios problemas actuais relativos à energia, ao ambiente e à tecnologia demonstram, sem grande margem para erro, que os BRIC não têm, ainda, desenvolvido todos os esforços necessários nessas matérias. Embora muito venha sendo feito, de há uns anos a esta parte, a verdade é que muito tem, ainda, de ser feito, para que se evitem as constantes crises energéticas, para que se alcance o desenvolvimento ambientalmente sustentável e para que os BRIC consigam, efectivamente, alcançar o patamar tecnológico que lhes confira a independência relativamente aos países ricos. Dependência que ainda possuem, tanto em matéria tecnológica, quanto ambiental, quanto, mesmo, energética (porque não chega ter as fontes de energia; é necessário ter, também, a tecnologia que permita trabalhar essas fontes).Por estas razões, para já, é difícil acreditar que os BRIC consigam institucionalizar algum tipo de aliança ou algo que os aproxime que não seja o pragmatismo na actuação económica no sistema internacional.Para que isso possa ocorrer, políticos, governantes e empresários deverão apostar no desenvolvimento sustentável, de modo que o crescimento económico seja, efectivamente, seguido do desenvolvimento económico que trará sustentabilidade àquele crescimento. Deverão, sobretudo, apostar na investigação e desenvolvimento tecnológico e na qualificação da mão-de-obra, para que as altas taxas de crescimento económico se reflictam numa maior margem de actuação internacional, independente, pois, da boa vontade dos países ricos.Neste sentido, não tem havido avanços, nas relações entre o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul em matérias distintas da económica, designadamente do ponto de vista da segurança internacional – com cada país a actuar de modo independente dos restantes – o que impõe sérios limites à consideração de uma influência geopolítica e geoestratégica destes países na sociedade internacional.De facto, a verdade é que, não obstante os discursos e os mecanismos diplomáticos já estabelecidos, a inserção internacional da Rússia não se compatibiliza com as características da inserção internacional do Brasil, da Índia e da África do Sul, em função de quatro aspectos essenciais:Do seu poder militarDa sua localização geográficaDo relacionamento que mantém com os seus vizinhos eDa interacção que a Rússia mantém com os EUA e a EU – interacção que assenta em bases muito distintas daquela que é levada a efeito pelo Brasil, pela Índia e pela África do Sul.Vale lembrar, igualmente, que também a China tem padrões diferentes de inserção internacional, especialmente – tal como a Rússia – em matéria de segurança internacional.É verdade que os esforços de relacionamento entre os BRIC e a África do Sul mantêm-se, mas os progressos acabam por ser, hoje, ainda muito incipientes, especialmente em função das enormes diferenças existentes entre estes países, que fazem com que os interesses nem sempre sejam coincidentes. Se eles o são em matéria económica, em tudo o resto divergem.Enquanto o Brasil é uma democracia consolidada, a China não o é claramente, apesar de ser uma economia de mercado; enquanto a Rússia, uma democracia afirmada em termos constitucionais, deixa muito a desejar neste ponto, com Putin a perpetuar-se no poder, de onde dificilmente sairá. Ademais, a Índia possui problemas de insurgência interna, conflitos étnicos e religiosos, assim como vizinhos hostis, enquanto a Rússia, diferentemente dos restantes BRIC e África do Sul, não exporta mais do que petróleo, gás natural e armamento[42].Mesmo em termos económicos, não será displicente notar que existem diferenças significativas em termos de desempenho económico entre os BRIC mais a África do Sul, já que a China e a Índia têm recebido especial atenção no período mais recente em razão das suas excepcionais taxas de crescimento económico, que diferem muito quando comparadas com as do Brasil, da Rússia e da África do Sul, tomando-se como referência o período pós-década de 1990[43].Ademais, se é verdade que a análise das variantes económicas destes países aponta para dois denominadores comuns – a taxa de investimento e a taxa de inflação – que têm impulsionado o crescimento económico destes países, não é menos verdade que outros factores – ainda que com uma contribuição menos importante em termos relativos – têm impulsionado estas economias de modo distinto. No Brasil, na Índia e na África do Sul destacam-se a taxa de juros real, enquanto, na China e na Índia assume importância a taxa de câmbio real efectiva. Já os fluxos de IDE são particularmente relevantes na China e na África do Sul, e o crescimento populacional na Índia e na Rússia[44].
O primeiro blog português sobre a América Latina: A Universidade portuguesa a pensar a América Latina, por Raquel Patrício, Doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, Prof. Auxiliar do ISCSP/UTL
Thursday, May 6, 2010
A RELEVÂNCIA DOS BRIC EM ANÁLISE
Durante a década de 1970, um grupo de países apresentou um acelerado crescimento industrial que os levou a buscar a liderança nos respectivos espaços regionais e, também, ao nível do espaço internacional, reivindicando novas fórmulas para o ordenamento da sociedade internacional[1]. Foi então que a cooperação Sul-Sul entrou na agenda das políticas externas, tanto por parte dos Estados system affecting[2], como dos países já então identificados como grandes mercados emergentes[3].Esta evolução acelerou-se no final dos anos 1990 e, particularmente, no início do século XXI, quando estes grandes mercados emergentes, como o Brasil, a Rússia, a Índia e a China, passaram a ser identificados através do acrónimo BRIC.Fala-se muito, hoje em dia, especialmente na comunicação social brasileira, relativamente na chinesa e na indiana, e praticamente nada na russa, dos BRIC. Acrónimo lançado por Jim O`Neill, economista do grupo norte-americano Goldman Sachs, em 2001[4], BRIC refere-se, sugestivamente, ao Brasil, à Rússia, à Índia e à China, no sentido de chamar a atenção para esses países, considerados emergentes, porque as respectivas economias têm alcançado tal nível de crescimento nos últimos anos que, em 2050, superarão o grupo de países desenvolvidos que formam o G6 (EUA, Japão, Alemanha, Grã-Bretanha, França e Itália, nesta ordem)[5].Assim, após o 11 de Setembro de 2001, em função da ameaça de instabilidade económica, Jim O`Neill lançou o acrónimo BRIC como alternativa de mercado. A Goldman Sachs, que já vinha estudando os mercados emergentes desde a década de 1980, lançou o termo BRIC a 30 de Novembro de 2001[6], como resposta ao 11 de Setembro, com receio de um crash bolsista. Em 2003, lançaria a tese do Dreaming With the BRICs[7], já que, do ponto de vista de quem investe, o deadline de 2003 a 2050 confere segurança e confiança, particularmente relevantes na era de insegurança e pouco ganho que se seguiu aos ataques terroristas. Para Dominic Wilson e Roop Purushothaman, “the BRICs economies could become a much larger force in the world economy. We map out GDP growth, income per capita and currency movements in the BRICs economies until 2005”[8]. A partir da previsão assim elaborada, a Goldman Sachs investiu agressivamente nestes mercados emergentes, sendo de salientar que, tendo em conta possíveis distúrbios nestas economias, lançou, depois, em conjunto com o mercado, derivações interessantes desse acrónimo, surgindo, assim, os BRICS (BRIC + África do Sul); BRICM (BRIC + México) e BRICSAM (BRIC + África do Sul + México + ASEAN), no sentido de serem apresentadas outras carteiras de investimento para além dos BRIC originais.Não obstante estas derivações, que acrescentam, aos BRIC inicialmente enunciados por O`Neill, outros países, a verdade é que são o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul as economias emergentes que mais se destacam, não só pela importância que estas economias têm revelado no comércio mundial e na atracção de fluxos de investimento, como também em função da posição relativa que as mesmas ocupam no conjunto das chamadas economias emergentes[9], especialmente em função do crescimento do PIB, da renda per capita e dos movimentos comerciais e financeiros.Na verdade, estas economias têm-se tornado alvo de crescente interesse, designadamente em termos das lições que podem vir a dar a outros países, mormente aos velhos poderes da sociedade internacional, graças ao seu actual desempenho económico e do potencial que estes países apresentam para tornarem-se os principais impulsores do crescimento da economia mundial[10].Estes países procuram desenvolver um comportamento internacional de natureza multifacetada, por forma a beneficiar das oportunidades oferecidas pelo sistema internacional, no sentido de remodelá-lo para beneficiar os países do Sul, permitindo-lhes actuar, nos respectivos contextos internacionais, com base numa perspectiva de hegemonia[11].É bem verdade que estes países emergentes actuam em relativa consonância no domínio económico, mas nos restantes assuntos internacionais, designadamente no que à segurança internacional diz respeito, a sua influência na sociedade internacional é nula, já que não existem interesses comuns entre esses países do ponto de vista securitário. A sua relevância na sociedade internacional advém, desta forma, não de um verdadeiro peso geopolítico e geoestratégico, mas de uma importância geoeconómica crescente – o que, em abono da verdade, poderá vir a conceder-lhes as tais importâncias geopolítica e geoestratégica. Que, para já, são reduzidas. Ademais, embora a própria existência destes países lhes confira um peso crescente em matéria de constrangimento sobre os restantes países da sociedade internacional, o que, por si só, já é uma arma poderosa[12], esse peso geoconómico não lhes garante, em termos absolutos, a sua segurança internacional.Para que exista uma visão coincidente da segurança e da defesa entre o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, no cenário internacional, é necessário que existam pontos de contacto em matéria de interpretação e avaliação da missão que estes países têm através das respectivas políticas de segurança e defesa; de explicitação e análise das ameaças que sobre eles pesam ou pesarão; dos meios que possuem para a defesa (disponíveis ou mobilizáveis); e da escolha de uma estratégia para a defesa de todos e dos espaços comuns de interesses[13]. O que, para já, não existe, não apenas em função da não coincidência entre os regimes políticos (especialmente porque nem todos são democracias) e entre as próprias organizações internas destes países, como também, e fundamentalmente, em função dos diferentes modos de inserção internacional que estes países têm levado a efeito após a década de 1990 (e mesmo antes). Assim, se a Rússia está mais voltada para a União Europeia e para os EUA, a China para o espaço euro-asiático, a Índia comprometida, essencialmente, com os seus problemas internos (referentes aos conflitos étnicos e religiosos) e externos (relativo à vizinhança hostil) e a África do Sul voltada para o espaço africano sub-saariano, é o Brasil aquele que mais tem levado a cabo uma inserção internacional multifacetada. A sua prioridade deixa de ser exclusivamente o espaço regional, designadamente o Cone Sul, onde ressalta o Mercosul e, particularmente, as relações em eixo com a Argentina[14], e passa a agregar, a essa prioridade, o estabelecimento de alianças e parcerias com os restantes emergentes, no sentido de alcançar mais-valias que o elevem a potência mundial, sua ambição mais premente na actualidade.Assim, embora o Brasil seja, dos BRIC, aquele que menos sucessos apresenta em termos económicos, o que tem levado o próprio presidente Lula a falar em “colocar um B em BRIC”[15], seguido de análises de especialistas da The Economist, a verdade é que é o Brasil o emergente que mais tem patrocinado o estabelecimento de ligações/relações entre os BRIC e a África do Sul, procurando conformar a sociedade internacional a uma ordem não polar[16] pós-americana[17]. Neste sentido, tem sido a política externa brasileira, a partir do início dos anos 1990, a liderar o engajamento dos países emergentes uns com os outros, o que justifica que se saliente a posição dessa política externa no enquadramento do relacionamento entre o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul. Até porque o Brasil tem interesses específicos em ligar-se aos restantes BRIC, potenciando a economia e o investimento nesses países, porque a globalização dos mercados, ao transformar o mundo numa pequena aldeia global, determina a rápida repercussão dos fenómenos. Desta forma, a capitalização da economia e do investimento na Rússia, na Índia e na China, por parte do Brasil, terá, certamente, efeitos benéficos para a economia brasileira, em pleno momento de expansão, pese embora a crise financeira internacional despoletada em meados de 2007, nos EUA, a propósito do subprime.De facto, embora o Brasil tenha historicamente actuado nos fora multilaterais terceiro-mundistas, é a partir de 1993, com a ascensão de Itamar Franco à Presidência da República, que o país começou a buscar um tipo novo de cooperação Sul-Sul, no contexto de uma ordem internacional caracterizada “por acções mais isoladas da dimensão Norte-Sul ou pela volatilidade das alianças organizadas na defesa de temas específicos”[18]. Sendo o Brasil apoiado pelos restantes BRIC, pela África do Sul e, até, pelo México; países que têm estabelecido, entre si, novos fora de debate e coordenação económico/política, dando corpo a uma cooperação Sul-Sul que influencia, cada vez mais, a sociedade internacional. Assim, partindo do denominador comum do crescimento económico acelerado, adquirem, hoje, uma importante relevância do ponto de vista geoeconómico.As semelhanças das dimensões geopolíticas e geoeconómicas referentes ao território, à reconhecida importância regional, à população, ao PIB, aos recursos naturais – ainda que aqui não entre o tipo de regime democrático, para muitos um destes vectores, por, de facto, nem todos os BRICS serem democráticos – têm sido as bases sobre as quais tem assentado a cooperação entre estes países, formando-se, mesmo, parcerias estratégicas.É evidente que existem experiências de actuações conjuntas dos países do Sul em termos históricos, sendo de ressaltar a cooperação desenvolvida no âmbito do Grupo 77. Todavia, se nesta época existiam condicionalismos externos, sobretudo económicos, que limitavam o impacto da cooperação Sul-Sul na sociedade internacional, com o derrube do muro de Berlim e o fim do bipolarismo, estes países aumentaram a sua capacidade de negociação na esfera internacional[19], buscando, especialmente, uma cooperação internacional que lhes permita contrapor-se às acções unilaterais das grandes potências.Neste sentido, a política externa brasileira, a partir de 1993, fez da cooperação do país com potências médias de grande porte, com destaque para a China, a Índia, a África do Sul e a Rússia – embora esta não pertença ao que se entende por Sul – uma prática corrente e, mesmo, uma das prioridades da diplomacia brasileira. Afinal, foi a partir de 1993, com Itamar Franco, que a corrente autonomista do Itamaraty ocupou mais espaço nas concepções diplomáticas do Brasil. E, de acordo com esta visão, o país observou que as características semelhantes entre si e os restantes emergentes deveria ser capitalizada através do desenvolvimento de formas de cooperação entre si e esses países extra-regionais, com o firme objectivo de reordenar o sistema internacional. Se esta ideia ganhou força quando Fernando Henrique Cardoso, no final do seu segundo mandato, cunhou o termo globalização assimétrica[20], foi, de facto, com Lula, que ascendeu à Presidência da República em 2003, que o estabelecimento de fora extra-regionais e parcerias estratégicas com os emergentes se transformou numa opção relevante da política externa brasileira.Vale lembrar que, desde 1993, o Brasil buscou a aproximação com os países emergentes através de dois modelos distintos, porém complementares. Por um lado, esta cooperação foi levada a efeito através das negociações comerciais no âmbito do Mercosul, procurando o país assinar acordos comerciais entre o bloco e os restantes emergentes, tanto a nível individual como em grupo. Por outro lado, a diplomacia brasileira buscou aproximar-se desses países em termos individuais, país a país, tanto ao nível dos consensos na esfera mundial – saliente-se o caso das negociações no seio da OMC – tanto a nível bilateral, através do estabelecimento de parcerias estratégicas[21].Assim, em 1993, as relações entre o Brasil e a China assistiram a um incremento considerável, na sequência da visita do presidente Zemin ao Brasil, visando estabelecer uma parceria estratégica entre ambos os países nos sectores de infra-estruturas e tecnologia. Foram assinados, também, um protocolo de cooperação em pesquisa espacial e um acordo na área científica e tecnológica. Ademais, o encontro procurou também fortalecer a ligação dos dois países à Índia a partir da actuação de todos nos fora multilaterais no tratamento de temas de política e de comércio externo. Embora, na prática, estes esforços não se tenham traduzido num incremento significativo das relações Brasil-Índia naquele momento, eles serviram para lançar as bases nas quais assentam, hoje, essas relações.Também neste período se assistiu ao incremento das relações Brasil-África do Sul, em 1994, aquando do fim do apartheid, ainda que, neste período, com Itamar Franco, a nova etapa das relações bilaterais não tenha, tal como no caso da Índia, obtido grandes resultados práticos.Relativamente à Rússia, foi assinado, em 1994, um tratado de parceria que almejava estabelecer, entre ambos, uma parceria estratégica visando o encetamento de negociações para a formação de um organismo de consulta bilateral. O comércio entre ambos, porém, manteve-se muito reduzido.Quando Fernando Henrique Cardoso sucedeu a Itamar, em 1995, este ritmo de cooperação entre os países emergentes, liderado pelo Brasil, diminuiu de forma bastante premente, em função da predominância mundial das concepções neoliberais. Apenas as relações comerciais foram, de alguma forma, estimuladas, tendo sido assinados, em 1996, o Acordo de Pretória, entre o Brasil e a África do Sul, buscando iniciar as negociações comerciais entre o Mercosul e o gigante da África Austral e, em 2000, o acordo marco entre ambos, no sentido da criação de uma área de livre comércio.Em relação à China, no início dos anos 1990, o mercado deste país passou a ocupar a terceira posição como destino das importações brasileiras, tendo sido apresentado, pela diplomacia brasileira, um estudo preparatório sobre a viabilidade em estabelecer-se, entre a China e o Mercosul, um acordo de livre comércio, embora não tenham sido levados adiante os esforços de criação de uma parceria estratégica entre ambos os países[22].Com a Rússia, as negociações comerciais não prosperaram[23]. Ainda que, a partir de 1995, o comércio bilateral tenha tido um crescimento relativo, a diversificação dos produtos exportados manteve-se reduzida. Até porque os maiores avanços nas relações bilaterais foram levados a efeito no âmbito político e da cooperação[24]. Em 1997, todavia, na sequência da visita do então ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Primakov, ao Brasil e, depois, em 2000, da visita do então vice-presidente brasileiro Marco Maciel, foram assinados acordos de cooperação nas áreas da educação, cultura, ciência, tecnologia e investigações sobre o espaço exterior, bem como a Declaração Conjunta de Criação da Comissão de Alto Nível, que começou a funcionar em 2000.No final do mandato de FHC, o Brasil formou uma aliança com a África do Sul e a Índia em matéria de propriedade intelectual na área farmacêutica. Isto sucedeu na sequência do contencioso das patentes que o Brasil e a África do Sul levaram adiante contra os EUA, na defesa da possibilidade dos dois países incentivarem a produção interna de medicamentos contra a SIDA a custos mais reduzidos. Foi muito importante a associação da Índia a estas questões, em função da fase de transição do Acordo TRIPS, estabelecido no âmbito da OMC, o qual produzia benefícios na produção e venda de medicamentos similares aos das indústrias norte-americanas a custos mais reduzidos[25]. Assim, a aliança Brasil-África do Sul conseguiu arregimentar outros países africanos e os dois puderam passar a comprar o coquetel anti-SIDA ao governo indiano – uma experiência de sucesso que serviu de modelo de cooperação no âmbito da cooperação Sul-Sul frente a um tema multilateral, embora não tenha produzido consequências até ao momento.A conjuntura internacional pós-11 de Setembro de 2001, já no final na gestão de FHC, obrigou a diplomacia brasileira a repensar a inserção internacional do Brasil, concluindo pela necessidade de reforçar a vertente multilateral e a aproximação aos países emergentes. Até porque, em Novembro desse mesmo ano, era lançada a tese dos BRIC, pelo economista norte-americano Jim O`Neill, do grupo Goldman Sachs.Iniciando uma inserção internacional assente no reforço da corrente autonomista do Itamaraty, o governo Lula procurou, para o Brasil, um modelo de inserção na sociedade internacional que apela à “inserção periférica dos países em desenvolvimento”[26] – o que tem sido chamado, por Amado Cervo, da Escola de Brasília, de inserção logística[27], uma inserção que faz a síntese entre os aspectos positivos do Desenvolvimentismo e do Neoliberalismo, numa espécie de convivência entre o estruturalismo latino-americano de base marxista e o capitalismo ocidental.Neste sentido, o Brasil, além de ter introduzido, na sua agenda de política externa, os temas do papel das Nações Unidas, dos princípios do multilateralismo, do Direito Internacional, das preocupações com a segurança regional e internacional, do combate ao terrorismo e ao narcotráfico, da busca de um comércio mais fortalecido e não discriminatório, da protecção ambiental e das fórmulas para ultrapassar a pobreza, buscou também dar um novo peso à cooperação Sul-Sul[28], por forma a consolidar um multilateralismo mais favorável a estes países, bem como recolocar a divisão Norte-Sul no centro da política internacional[29].De facto, a política externa brasileira tem tentado conformar a ordem internacional à filosofia política de equalizar os benefícios, nas relações internacionais, entre os países ricos e os emergentes ou, por outras palavras, obter a reciprocidade nas relações internacionais, na tentativa de ultrapassar o que Fernando Henrique Cardoso, quando se tornou céptico quanto à sociedade internacional conformada ao neoliberalismo, chamou de globalização assimétrica[30].Tem sido, contudo, difícil obter a reciprocidade real entre países capitalistas e emergentes, o que tem levado o Brasil a voltar-se, cada vez mais, para outros espaços de actuação. Reflectindo sobre os vectores económico, social, político e agrícola (sendo o Brasil, de todos os BRIC, o maior mercado agrícola), o Brasil tem, através de sistemas de rede montados com as universidades, as empresas e os centros de estudo, estruturado pontos de contacto e ligações com os restantes países emergentes. O Brasil congregou a Índia e a China, já pensando nas potencialidades dos minérios; congregou a África do Sul, em função da dinâmica económica sul-africana e da sua rede de influências; e tem-se ligado aos melhores académicos russos, indianos e chineses, para além de ter criado a Secretaria de Acções Especiais de Longo Prazo – englobando o Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE) e o Instituto de Pesquisa Económica Aplicada (Ipea) – à frente da qual está Roberto Mangabeira Unger, conhecido professor de Direito na Universidade de Harvard, que defende formas alternativas de globalização – designadamente a reorientação do regime internacional do comércio e a reorganização das instituições multilaterais do sistema Bretton Woods – e o entendimento do Brasil com as potências emergentes (China, Rússia e Índia) o qual permitirá que, a pouco e pouco, se transforme a natureza da hegemonia norte-americana. Ideias que vão no sentido de criar uma forma de globalização mais propícia ao pluralismo. Mangabeira Unger sustenta que a energia para lutar por essa reconstrução do regime global tem de vir da tentativa de reorientar os projectos nacionais, pelo que, somente quando se tenta desenvolver um projecto nacional alternativo ao projecto neoliberal se torna possível levar adiante a ideia de mudar as regras do actual sistema global[31].Acima de tudo, a dificuldade em obter a reciprocidade nas relações internacionais tem justificado a aposta brasileira na aproximação aos países emergentes consubstanciada nas coligações anti-hegemónicas que têm nascido sob sua liderança, desde a reunião de Cancun, em 2003, no âmbito da Ronda de Doha da OMC.Desde logo, ressalta o G20, grupo de países composto pelos de maior peso da América do Sul, da África e da Ásia, liderado pelo Brasil.Igualmente liderado pela diplomacia brasileira surge, também desde 2003, a articulação com a Índia e a África do Sul. Efectivamente, tem havido avanços significativos no relacionamento Brasil-Índia-Áfica do Sul, reunindo-se os três em Brasília, em 2003, para dar continuidade à aliança ensaiada no caso do contencioso das patentes. Nessa reunião, foi estabelecida uma aliança permanente entre os três, o Fórum de Diálogo G3-Ibas, visando fortalecer a capacidade dos três países nas negociações internacionais, lutar pela reforma das Nações Unidas e promover a cooperação técnica[32].De ressaltar, também, a assinatura, no mesmo ano, do Acordo Mercosul-Índia e, em 2005, de um acordo preferencial entre ambas as partes, bem como a articulação do Brasil com o Japão, a Alemanha e a Índia no âmbito do G4, visando fazer uma frente comum para negociar com os EUA e a União Europeia uma saída para a ronda de Doha da OMC.Ainda que o comércio Mercosul-África Austral seja reduzido – tendo vindo, todavia, a experimentar um aumento desde 2001 – foi também assinado, em 2005, um acordo preferencial entre as duas regiões[33].Nas negociações sobre o meio ambiente, o Brasil e a Índia iniciaram um diálogo no sentido de virem a estabelecer um protocolo favorável aos países em desenvolvimento[34].A parceria Brasil-China também tem vindo a conhecer alguns avanços, tendo sido assinados diversos protocolos de cooperação nas áreas económica e tecnológica, em 2004, na sequência da visita, ao Brasil, do vice-primeiro-ministro chinês. Foi estabelecida, por esta ocasião, uma Comissão de Concertação e Cooperação Bilateral e foram iniciados estudos para a assinatura de um acordo de livre comércio Mercosul-China – obstado pelo Paraguai, que mantém relações diplomáticas com Taiwan.Daqui advém o papel do Brasil como actor global da sociedade internacional. A sua capacidade de influenciar o comércio internacional patenteia-se por meio do G20[35]; a sua capacidade para influir sobre a segurança internacional torna-se evidente no G4[36]; a sua capacidade de fomentar a cooperação Sul-Sul entre os países emergentes surge evidente no G3-Ibas[37], a associação das três maiores democracias do Sul, destinada a promover a cooperação e o desenvolvimento. Ademais, o Brasil tem defendido o alargamento do G8 de modo a inclui-lo a ele e bem ainda a Rússia, a China, a Índia e o México[38].Na realidade, e como tem sido defendido neste paper, os BRIC têm vindo a estabelecer relações entre si, especialmente em matéria de cooperação e questões económicas. Mas é de fundamental importância observar que, paralelamente a estes esforços, os BRIC venham, já, a estabelecer contactos entre si ao mais alto nível, através de cimeiras que têm realizado. Assim, ocorreu, em Moscovo, em Maio de 2008, a primeira reunião formal entre os Quatro, visando criar as condições de coordenação quadrilateral que lhes permita adquirir peso e relevância nas decisões internacionais e, simultaneamente, contribuir para a estruturação de um sistema internacional democrático e multilateral, fundado sobre o direito.Em Junho de 2009, os líderes dos Quatro voltaram a encontrar-se, em Yekaterinburg, cidade da Rússia Central, onde assinaram uma Declaração Conjunta clarificando as visões dos BRIC relativamente às questões internacionais, e tendo, ainda, assinado um acordo sobre a segurança alimentar global[39], sendo que, no âmbito das cimeiras anuais que estes países têm procurado estabelecer entre si, o Brasil será o anfitrião da de 2010.Não obstante estes encontros, a institucionalização dos BRIC, como grupo formalmente existente de cooperação Sul-Sul, surge ainda ténue no horizonte próximo da sociedade internacional. Não é impossível que tal venha a ocorrer, muito menos improvável, apenas distante ainda.Essencialmente porque, de um modo geral, os BRIC funcionam de forma muito pragmática, tendo a economia como vector fundamental em torno do qual guiam a sua política externa. Alcançando o poder económico que lhes permite actuar na política internacional, é através dele que, também de modo pragmático, administram as fricções na sociedade internacional global, numa lógica que busca, na cooperação, a melhor maneira de potencializar esse poder[40].Seguindo esse pragmatismo, as relações entre os BRIC centram-se eminentemente no domínio económico. É neste vector que tais relações ocorrem, assim como é neste vector que se processa o entendimento entre estes actores das relações internacionais, até porque o entrecruzamento dos interesses aconselha ao relacionamento próximo, em nome da satisfação dos interesses nacionais de cada parte. Em níveis que ultrapassam o económico, o acordo não se regista e, por conseguinte, o estabelecimento de relações surge difícil[41].Afinal de contas, os Quatro divergem em quase todos os temas importantes da agenda multilateral. A Rússia não é membro da OMC e a sua importância no cenário internacional advém, praticamente, dos preços recordes do petróleo e do gás, bem como das ogivas nucleares do país, o que cria alguns entraves à previsão do que poderá vir a ser a Rússia de Medvedev e Putin em 2050. A Índia, por seu lado, crê-se que virá a tornar-se numa das principais bases industriais e tecnológicas do mundo, enquanto a China dividirá, com os Estados Unidos, o primeiro lugar no ranking das maiores economias do mundo em 2050, afirmando-se como base industrial, base tecnológica e potência militar. Ao Brasil cabe o destino de tornar-se o maior fornecedor de proteína animal e vegetal, açúcar, etanol e alimentos. Mas o caminho até alcançarem este patamar é longo e tortuoso. Os sistemas políticos terão de ser adaptados, as reservas de água controladas e o problema da poluição ultrapassado através da adopção das políticas correctas, designadamente em matéria de infra-estrutura, sistema tributário e sistema trabalhista.Por outro lado, é evidente que existem riscos associados à oferta, pela banca, de uma vasta carteira de investimentos nos mercados dos BRIC. Riscos esses que se prendem, especialmente, com a volatilidade desses mercados, que associada, muitas vezes, à instabilidade das respectivas sociedades, gera insegurança nos investidores. Sabe-se, todavia, que os mercados de investimento de risco são, também, os mais apetecíveis, dadas as possibilidades de retorno que apresentam. Os riscos não parecem, pois, pôr em causa os fluxos de investimento directo estrangeiro nos BRIC. Embora existam, de facto. Assim como, além da volatilidade dos respectivos mercados e da instabilidade das respectivas sociedades, não são de esquecer as vulnerabilidades acrescidas em função da dificuldade em transformarem o crescimento económico num efectivo desenvolvimento económico que abranja níveis elevados de investimento em IDT.Os próprios problemas actuais relativos à energia, ao ambiente e à tecnologia demonstram, sem grande margem para erro, que os BRIC não têm, ainda, desenvolvido todos os esforços necessários nessas matérias. Embora muito venha sendo feito, de há uns anos a esta parte, a verdade é que muito tem, ainda, de ser feito, para que se evitem as constantes crises energéticas, para que se alcance o desenvolvimento ambientalmente sustentável e para que os BRIC consigam, efectivamente, alcançar o patamar tecnológico que lhes confira a independência relativamente aos países ricos. Dependência que ainda possuem, tanto em matéria tecnológica, quanto ambiental, quanto, mesmo, energética (porque não chega ter as fontes de energia; é necessário ter, também, a tecnologia que permita trabalhar essas fontes).Por estas razões, para já, é difícil acreditar que os BRIC consigam institucionalizar algum tipo de aliança ou algo que os aproxime que não seja o pragmatismo na actuação económica no sistema internacional.Para que isso possa ocorrer, políticos, governantes e empresários deverão apostar no desenvolvimento sustentável, de modo que o crescimento económico seja, efectivamente, seguido do desenvolvimento económico que trará sustentabilidade àquele crescimento. Deverão, sobretudo, apostar na investigação e desenvolvimento tecnológico e na qualificação da mão-de-obra, para que as altas taxas de crescimento económico se reflictam numa maior margem de actuação internacional, independente, pois, da boa vontade dos países ricos.Neste sentido, não tem havido avanços, nas relações entre o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul em matérias distintas da económica, designadamente do ponto de vista da segurança internacional – com cada país a actuar de modo independente dos restantes – o que impõe sérios limites à consideração de uma influência geopolítica e geoestratégica destes países na sociedade internacional.De facto, a verdade é que, não obstante os discursos e os mecanismos diplomáticos já estabelecidos, a inserção internacional da Rússia não se compatibiliza com as características da inserção internacional do Brasil, da Índia e da África do Sul, em função de quatro aspectos essenciais:Do seu poder militarDa sua localização geográficaDo relacionamento que mantém com os seus vizinhos eDa interacção que a Rússia mantém com os EUA e a EU – interacção que assenta em bases muito distintas daquela que é levada a efeito pelo Brasil, pela Índia e pela África do Sul.Vale lembrar, igualmente, que também a China tem padrões diferentes de inserção internacional, especialmente – tal como a Rússia – em matéria de segurança internacional.É verdade que os esforços de relacionamento entre os BRIC e a África do Sul mantêm-se, mas os progressos acabam por ser, hoje, ainda muito incipientes, especialmente em função das enormes diferenças existentes entre estes países, que fazem com que os interesses nem sempre sejam coincidentes. Se eles o são em matéria económica, em tudo o resto divergem.Enquanto o Brasil é uma democracia consolidada, a China não o é claramente, apesar de ser uma economia de mercado; enquanto a Rússia, uma democracia afirmada em termos constitucionais, deixa muito a desejar neste ponto, com Putin a perpetuar-se no poder, de onde dificilmente sairá. Ademais, a Índia possui problemas de insurgência interna, conflitos étnicos e religiosos, assim como vizinhos hostis, enquanto a Rússia, diferentemente dos restantes BRIC e África do Sul, não exporta mais do que petróleo, gás natural e armamento[42].Mesmo em termos económicos, não será displicente notar que existem diferenças significativas em termos de desempenho económico entre os BRIC mais a África do Sul, já que a China e a Índia têm recebido especial atenção no período mais recente em razão das suas excepcionais taxas de crescimento económico, que diferem muito quando comparadas com as do Brasil, da Rússia e da África do Sul, tomando-se como referência o período pós-década de 1990[43].Ademais, se é verdade que a análise das variantes económicas destes países aponta para dois denominadores comuns – a taxa de investimento e a taxa de inflação – que têm impulsionado o crescimento económico destes países, não é menos verdade que outros factores – ainda que com uma contribuição menos importante em termos relativos – têm impulsionado estas economias de modo distinto. No Brasil, na Índia e na África do Sul destacam-se a taxa de juros real, enquanto, na China e na Índia assume importância a taxa de câmbio real efectiva. Já os fluxos de IDE são particularmente relevantes na China e na África do Sul, e o crescimento populacional na Índia e na Rússia[44].
Friday, May 21, 2010
A Declaração de Teerão: Acordo entre o Brasil, a Turquia e o Irão
ACORDO BRASIL-IRÃO
No passado fim-de-semana, Lula visitou o Irão, passando pela Rússia, onde se encontrou com o presidente Medvedev, pela Espanha, onde participou da VI Cimeira EU-América Latina e Caribe, e por Portugal, onde manifestou a disponibilidade do Brasil em apoiar a economia portuguesa a sair da actual crise. O ponto alto de périplo foi a assinatura, com a Turquia e o Irão, da Declaração de Teerão, como última tentativa de resolução diplomática do problema nuclear iraniano, que a diplomacia brasileira tem tentado mediar, evitando a aplicação de sanções ao Irão.
Lula levou ao Irão a proposta apresentada pela Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), segundo a qual Teerão terá de enviar o urânio para a Turquia, recebendo o combustível enriquecido em 20%, evitando stocks para fins militares. O acordo alcançado entre o presidente Lula, o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan e o presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad, foi anunciado na Segunda-Feira e prevê que Teerão envie 1.200 quilos de urânio pouco enriquecido à Turquia[1] para receber em troca 120 quilos de combustível nuclear para o reactor médio de pesquisas na capital iraniana. A troca seria feita na Turquia e o enriquecimento na Rússia ou na França.
O acordo iraniano pode aumentar o controlo internacional sobre o programa nuclear do país, reduzindo, em tese, a possibilidade de haver um plano secreto para a produção de armas nucleares, sendo colocado como uma forma de permitir à sociedade internacional negociar com o Irão e avaliar o uso do urânio no país.
Os EUA haviam proposto um acordo semelhante em Outubro. Mas a demora tornou, na visão norte-americana e dos seus aliados, estes 1.200 kg insuficientes. Washington também demonstrou insatisfação com a decisão iraniana de manter o enriquecimento de urânio dentro do país no período da troca. O acordo causou uma certa irritação do Departamento de Estado com o Brasil - a ponto de colocar em risco uma provável visita de Obama ao país antes de Outubro, segundo fontes da diplomacia americana. Por outro lado, tendo sido interpretado como uma manobra do Irão para ganhar tempo para poder continuar com suas aspirações nucleares, o acordo levou os EUA a decidir agir, apressando a apresentação da quarta proposta de sanções ao Irão apoiada pelas grandes potências, que vinha sendo negociada há meses. Washington e outros governos temem que o Irão busque secretamente produzir armas nucleares, o que Teerão nega. A Rússia alimentou ainda mais os temores dos EUA ao dizer que o Irão está pronto para abrir o reactor nuclear de Bushhr em Agosto. A afirmação foi dada por Serguei Kirienko, que dirige a corporação nuclear estatal russa Rosatom. Os Russos ajudaram os Iranianos a construir esse reactor e ainda estão envolvidos com o seu desenvolvimento.
Assim, Washington esforça-se para obter, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o maior número de votos, de entre os 15 possíveis, à proposta de sanções. Para isso, Hillary Clinton iniciou uma série de visitas à China, ao Japão (ambos membros do Conselho de Segurança) e à Coreia do Sul.
Neste contexto, o Irão, que estava prestes a protocolar a Declaração de Teerão para a Agência Internacional de Energia Atómica, afirmou, pela voz de Mohammad Reza Bahonar, um dos mais proeminentes parlamentares iranianos ligados ao governo, que "se o Ocidente aprovar uma outra resolução contra o Irão, nós não estaremos mais comprometidos com o acordo de enviar urânio para fora do Irão”.
Na avaliação dos governos brasileiro e turco, o acordo obtido com o Irão é um "triunfo da diplomacia" que abriria novas vias para negociar uma solução pacífica ao contencioso, sendo certo que a iniciativa iraniana de concordar em enviar o urânio para troca deveria incentivar as negociações diplomáticas. Também o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, qualificou de "importante" o acordo obtido nesta semana entre o Brasil, a Turquia e o Irão, salientando, hoje, em discurso na Universidade do Bósforo, em Istambul, que o "Brasil e a Turquia trabalharam juntos para oferecer uma importante iniciativa à resolução das tensões internacionais sobre o programa nuclear do Irão de forma pacífica".
Mas na ONU, a expectativa no Conselho de Segurança é de que o quarto projecto de resolução das sanções seja levado para votação em cerca de um mês. Ainda há detalhes a serem acertados e os Norte-Americanos querem ter a certeza de que conseguirão uma vitória folgada na votação. Facto é que o governo francês declarou acreditar que só três países do Conselho de Segurança (Brasil, Turquia e Líbano) votarão contra o projecto de resolução. México, Japão e Áustria pretendem aprovar as sanções. Há dúvidas sobre como se posicionarão a Bósnia e três países africanos (Uganda, Gabão e Nigéria).
Esta aproximação do Brasil ao Irão tem sido muito criticada internacionalmente, designadamente pelos EUA, que vêm, nesta tentativa de mediação do governo brasileiro na questão iraniana, uma afronta à sua política externa. Mesmo internamente, a comunicação social e o PSDB de Fernando Henrique Cardoso criticam este relacionamento, bem como a generalidade da actual política externa brasileira, em função, não só das reuniões com o Irão, como também da postura amigável do Brasil com regimes não democráticos em Cuba e na Venezuela e do não reconhecimento do presidente hondurenho Porfírio Lobo, eleito em eleições relativamente livres. Na verdade, tucanos e mídia têm criticado e promovido uma campanha contra a política externa de Lula, especialmente em matéria de relações Brasil-Irão. A principal crítica vai no sentido de o Brasil não seguir a política do Departamento de Estado dos EUA de condenar o Irão. Os tucanos de José Serra e FHC fazem-no por subserviência aos EUA[2] e a comunicação social porque cultiva e mantém o “complexo de vira-lata” de que falava Nelson Rodrigues[3].
Não obstante, da Rússia de Medvedev e Putin e da França de Nicholas Sarkozy vieram já sinais de apoio à mediação brasileira no caso do Irão. Ambos apoiaram a viagem de Lula ao Irão e a iniciativa do presidente brasileiro de negociar com Teerão um acordo que o livre do impasse em relação ao seu programa nuclear e das sanções que os EUA ameaçam aplicar-lhe.
É evidente que o comportamento do Brasil na actual cena internacional busca estabelecer a compatibilização entre o Brasil económico e o Brasil político. Diante das perspectivas económicas que têm colocado o Brasil na lista dos países emergentes, a busca por um espaço de destaque na nova geopolítica que se desenha é algo natural, e o governo Lula tem envidado os maiores esforços nesse sentido. A aproximação do Brasil às chamadas "lideranças não alinhadas" é bastante preocupante para muitos, que chegam a argumentar que, por mais que a diversificação dos parceiros comerciais seja de importância fundamental para o crescimento do volume comercial do Brasil, ao aproximar-se de países como o Irão, o país fecha diversas portas junto a tradicionais mercados, que têm um poder de compra muito maior, pelo que isso pode trazer impactos negativos para o volume de negócios do Brasil, afectando as suas empresas, tanto interna, quanto externamente. A avaliação parece excessiva, não se verificando, nem se prevendo que venha a verificar, a interrupção de rotas de comércio entre o Brasil e os seus tradicionais mercados, em função das vantagens que tais rotas têm, tanto para o Brasil, quanto para os seus parceiros.
Sem contar com pressa do governo Lula em marcar pontos eleitorais para a candidata presidencial Dilma Roussef, ex-chefe da casa Civil, em matéria de política externa, a sua principal meta neste campo é sem dúvida conseguir um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Mirando esse objetivo, o Brasil lidera, desde 2005, a missão de paz das Nações Unidas no Haiti, tendo desempenhado um papel importante no resgate às vítimas do terremoto que destruiu grande parte do país no início do ano. Ainda nesse sentido, o país busca angariar apoios junto aos países da América Latina, da Comunidade dos países de Língua Portuguesa e, principalmente, das potências emergentes, sempre tentando afirmar a sua posição de relevância internacional. O Brasil vem, ainda, liderando um movimento alternativo e até de confronto à influência de Washington na Organização dos Estados Americanos (OEA) apoiando o bolivarianismo de Chávez concretizado pela União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), de desenho brasileiro, actualmente presidida pelo ex-presidente argentino Néstor Kirchner. Também a voz mais audível que busca alcançar no seio do FMI e a integração na OPEP, bem como a tentativa de mediar a crise política desencadeada nas Honduras no ano passado e a Declaração de Teerão são cartadas na luta por um assento no Conselho de Segurança. De dois vieses claros dos dois últimos e mais mediáticos casos, um, evidentemente, é económico, pois parcerias no Médio Oriente e no Caribe poderiam abrir novos espaços para a produção brasileira. O outro, e mais importante, é o político. Conseguir visibilidade no cenário internacional através da resolução pacífica de conflitos pode ser um ponto a favor do Brasil. Mas há riscos, designadamente o de afastar a própria obtenção do assento no Conselho de Segurança. Ao empreender a defesa do Irão, a diplomacia brasileira poderá ter êxito. Mas poderá também fracassar. E, neste caso, estará a isolar-se politicamente. A cartada é arriscada, porque o próprio governo iraniano dá sinais de que continuará enriquecendo urânio para fins militares, segundo desconfiam os seus principais inimigos, Israel e os Estados Unidos, que tentam desacreditar a validade dos esforços empreendidos pela diplomacia brasileira. De facto, o processo de enriquecimento de urânio a 20% na Turquia, para uso pacífico, é de natureza técnica e não exclui efectivamente a possibilidade de que o Irão possa enriquecer urânio pelos seus próprios meios, com objectivos militares. Mas o que está em jogo, neste xadrez diplomático-nuclear, é, sem dúvida, a condição pleiteada pelo Brasil de protagonista internacional, com assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Batendo de frente com os Estados Unidos na área política e comercial, o Brasil terá de enfrentar o grande vizinho do Norte que, na verdade, não quer o Brasil como protagonista, nem na OEA, nem na ONU, nem em nenhum outro lugar do planeta.
Em discurso no encerramento da Marcha dos Prefeitos, hoje, o presidente Lula defendeu o acordo assinado com o Irão, afirmando que “os que se colocam contra o acordo precisam de inimigos para fazer política”. “Há quantos anos vocês ouvem essa briga entre Estados Unidos e Irão?”, questionou, prosseguindo, “Eles queriam colocar o Irão na mesa para negociar; queriam que o Irão assumisse um compromisso com a agência nuclear. Fomos ao Irão e conseguimos, depois de 18 horas de reunião, depois de duas viagens do Celso Amorim, aquilo que o Conselho de Segurança queria que fosse feito há seis meses. É muito engraçado porque algumas pessoas não gostaram. Tem gente que não sabe fazer política se não tiver um inimigo e sou daqueles que só sei fazer política construindo amigos”. Criticando aqueles que, internamente, dizem que o Brasil não deveria ter actuado no contencioso nuclear entre o Irão e os EUA, por não ser um assunto brasileiro, Lula questionou: “Quem é que disse que é coisa dos Estados Unidos? Onde foi isso aprovado? Nós temos uma contribuição ao multilateralismo que deveria ser levada em conta. Esse é o jeito de o Brasil fazer as coisas”.
[1] A primeira remessa está prevista para ocorrer em um mês.
[2] Como se a Administração FHC tivesse condenado a ditadura peruana de Alberto Fujimori, hoje preso por corrupção. FHC não só não o fez, como condecorou Fujimori, além de ter apoiado o governo Menem e a sua política económica, que arruinaram a Argentina.
[3] Nelson Rodrigues (1912-1980) foi dramaturgo, jornalista e escritor pernambucano.
No passado fim-de-semana, Lula visitou o Irão, passando pela Rússia, onde se encontrou com o presidente Medvedev, pela Espanha, onde participou da VI Cimeira EU-América Latina e Caribe, e por Portugal, onde manifestou a disponibilidade do Brasil em apoiar a economia portuguesa a sair da actual crise. O ponto alto de périplo foi a assinatura, com a Turquia e o Irão, da Declaração de Teerão, como última tentativa de resolução diplomática do problema nuclear iraniano, que a diplomacia brasileira tem tentado mediar, evitando a aplicação de sanções ao Irão.
Lula levou ao Irão a proposta apresentada pela Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), segundo a qual Teerão terá de enviar o urânio para a Turquia, recebendo o combustível enriquecido em 20%, evitando stocks para fins militares. O acordo alcançado entre o presidente Lula, o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan e o presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad, foi anunciado na Segunda-Feira e prevê que Teerão envie 1.200 quilos de urânio pouco enriquecido à Turquia[1] para receber em troca 120 quilos de combustível nuclear para o reactor médio de pesquisas na capital iraniana. A troca seria feita na Turquia e o enriquecimento na Rússia ou na França.
O acordo iraniano pode aumentar o controlo internacional sobre o programa nuclear do país, reduzindo, em tese, a possibilidade de haver um plano secreto para a produção de armas nucleares, sendo colocado como uma forma de permitir à sociedade internacional negociar com o Irão e avaliar o uso do urânio no país.
Os EUA haviam proposto um acordo semelhante em Outubro. Mas a demora tornou, na visão norte-americana e dos seus aliados, estes 1.200 kg insuficientes. Washington também demonstrou insatisfação com a decisão iraniana de manter o enriquecimento de urânio dentro do país no período da troca. O acordo causou uma certa irritação do Departamento de Estado com o Brasil - a ponto de colocar em risco uma provável visita de Obama ao país antes de Outubro, segundo fontes da diplomacia americana. Por outro lado, tendo sido interpretado como uma manobra do Irão para ganhar tempo para poder continuar com suas aspirações nucleares, o acordo levou os EUA a decidir agir, apressando a apresentação da quarta proposta de sanções ao Irão apoiada pelas grandes potências, que vinha sendo negociada há meses. Washington e outros governos temem que o Irão busque secretamente produzir armas nucleares, o que Teerão nega. A Rússia alimentou ainda mais os temores dos EUA ao dizer que o Irão está pronto para abrir o reactor nuclear de Bushhr em Agosto. A afirmação foi dada por Serguei Kirienko, que dirige a corporação nuclear estatal russa Rosatom. Os Russos ajudaram os Iranianos a construir esse reactor e ainda estão envolvidos com o seu desenvolvimento.
Assim, Washington esforça-se para obter, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o maior número de votos, de entre os 15 possíveis, à proposta de sanções. Para isso, Hillary Clinton iniciou uma série de visitas à China, ao Japão (ambos membros do Conselho de Segurança) e à Coreia do Sul.
Neste contexto, o Irão, que estava prestes a protocolar a Declaração de Teerão para a Agência Internacional de Energia Atómica, afirmou, pela voz de Mohammad Reza Bahonar, um dos mais proeminentes parlamentares iranianos ligados ao governo, que "se o Ocidente aprovar uma outra resolução contra o Irão, nós não estaremos mais comprometidos com o acordo de enviar urânio para fora do Irão”.
Na avaliação dos governos brasileiro e turco, o acordo obtido com o Irão é um "triunfo da diplomacia" que abriria novas vias para negociar uma solução pacífica ao contencioso, sendo certo que a iniciativa iraniana de concordar em enviar o urânio para troca deveria incentivar as negociações diplomáticas. Também o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, qualificou de "importante" o acordo obtido nesta semana entre o Brasil, a Turquia e o Irão, salientando, hoje, em discurso na Universidade do Bósforo, em Istambul, que o "Brasil e a Turquia trabalharam juntos para oferecer uma importante iniciativa à resolução das tensões internacionais sobre o programa nuclear do Irão de forma pacífica".
Mas na ONU, a expectativa no Conselho de Segurança é de que o quarto projecto de resolução das sanções seja levado para votação em cerca de um mês. Ainda há detalhes a serem acertados e os Norte-Americanos querem ter a certeza de que conseguirão uma vitória folgada na votação. Facto é que o governo francês declarou acreditar que só três países do Conselho de Segurança (Brasil, Turquia e Líbano) votarão contra o projecto de resolução. México, Japão e Áustria pretendem aprovar as sanções. Há dúvidas sobre como se posicionarão a Bósnia e três países africanos (Uganda, Gabão e Nigéria).
Esta aproximação do Brasil ao Irão tem sido muito criticada internacionalmente, designadamente pelos EUA, que vêm, nesta tentativa de mediação do governo brasileiro na questão iraniana, uma afronta à sua política externa. Mesmo internamente, a comunicação social e o PSDB de Fernando Henrique Cardoso criticam este relacionamento, bem como a generalidade da actual política externa brasileira, em função, não só das reuniões com o Irão, como também da postura amigável do Brasil com regimes não democráticos em Cuba e na Venezuela e do não reconhecimento do presidente hondurenho Porfírio Lobo, eleito em eleições relativamente livres. Na verdade, tucanos e mídia têm criticado e promovido uma campanha contra a política externa de Lula, especialmente em matéria de relações Brasil-Irão. A principal crítica vai no sentido de o Brasil não seguir a política do Departamento de Estado dos EUA de condenar o Irão. Os tucanos de José Serra e FHC fazem-no por subserviência aos EUA[2] e a comunicação social porque cultiva e mantém o “complexo de vira-lata” de que falava Nelson Rodrigues[3].
Não obstante, da Rússia de Medvedev e Putin e da França de Nicholas Sarkozy vieram já sinais de apoio à mediação brasileira no caso do Irão. Ambos apoiaram a viagem de Lula ao Irão e a iniciativa do presidente brasileiro de negociar com Teerão um acordo que o livre do impasse em relação ao seu programa nuclear e das sanções que os EUA ameaçam aplicar-lhe.
É evidente que o comportamento do Brasil na actual cena internacional busca estabelecer a compatibilização entre o Brasil económico e o Brasil político. Diante das perspectivas económicas que têm colocado o Brasil na lista dos países emergentes, a busca por um espaço de destaque na nova geopolítica que se desenha é algo natural, e o governo Lula tem envidado os maiores esforços nesse sentido. A aproximação do Brasil às chamadas "lideranças não alinhadas" é bastante preocupante para muitos, que chegam a argumentar que, por mais que a diversificação dos parceiros comerciais seja de importância fundamental para o crescimento do volume comercial do Brasil, ao aproximar-se de países como o Irão, o país fecha diversas portas junto a tradicionais mercados, que têm um poder de compra muito maior, pelo que isso pode trazer impactos negativos para o volume de negócios do Brasil, afectando as suas empresas, tanto interna, quanto externamente. A avaliação parece excessiva, não se verificando, nem se prevendo que venha a verificar, a interrupção de rotas de comércio entre o Brasil e os seus tradicionais mercados, em função das vantagens que tais rotas têm, tanto para o Brasil, quanto para os seus parceiros.
Sem contar com pressa do governo Lula em marcar pontos eleitorais para a candidata presidencial Dilma Roussef, ex-chefe da casa Civil, em matéria de política externa, a sua principal meta neste campo é sem dúvida conseguir um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Mirando esse objetivo, o Brasil lidera, desde 2005, a missão de paz das Nações Unidas no Haiti, tendo desempenhado um papel importante no resgate às vítimas do terremoto que destruiu grande parte do país no início do ano. Ainda nesse sentido, o país busca angariar apoios junto aos países da América Latina, da Comunidade dos países de Língua Portuguesa e, principalmente, das potências emergentes, sempre tentando afirmar a sua posição de relevância internacional. O Brasil vem, ainda, liderando um movimento alternativo e até de confronto à influência de Washington na Organização dos Estados Americanos (OEA) apoiando o bolivarianismo de Chávez concretizado pela União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), de desenho brasileiro, actualmente presidida pelo ex-presidente argentino Néstor Kirchner. Também a voz mais audível que busca alcançar no seio do FMI e a integração na OPEP, bem como a tentativa de mediar a crise política desencadeada nas Honduras no ano passado e a Declaração de Teerão são cartadas na luta por um assento no Conselho de Segurança. De dois vieses claros dos dois últimos e mais mediáticos casos, um, evidentemente, é económico, pois parcerias no Médio Oriente e no Caribe poderiam abrir novos espaços para a produção brasileira. O outro, e mais importante, é o político. Conseguir visibilidade no cenário internacional através da resolução pacífica de conflitos pode ser um ponto a favor do Brasil. Mas há riscos, designadamente o de afastar a própria obtenção do assento no Conselho de Segurança. Ao empreender a defesa do Irão, a diplomacia brasileira poderá ter êxito. Mas poderá também fracassar. E, neste caso, estará a isolar-se politicamente. A cartada é arriscada, porque o próprio governo iraniano dá sinais de que continuará enriquecendo urânio para fins militares, segundo desconfiam os seus principais inimigos, Israel e os Estados Unidos, que tentam desacreditar a validade dos esforços empreendidos pela diplomacia brasileira. De facto, o processo de enriquecimento de urânio a 20% na Turquia, para uso pacífico, é de natureza técnica e não exclui efectivamente a possibilidade de que o Irão possa enriquecer urânio pelos seus próprios meios, com objectivos militares. Mas o que está em jogo, neste xadrez diplomático-nuclear, é, sem dúvida, a condição pleiteada pelo Brasil de protagonista internacional, com assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Batendo de frente com os Estados Unidos na área política e comercial, o Brasil terá de enfrentar o grande vizinho do Norte que, na verdade, não quer o Brasil como protagonista, nem na OEA, nem na ONU, nem em nenhum outro lugar do planeta.
Em discurso no encerramento da Marcha dos Prefeitos, hoje, o presidente Lula defendeu o acordo assinado com o Irão, afirmando que “os que se colocam contra o acordo precisam de inimigos para fazer política”. “Há quantos anos vocês ouvem essa briga entre Estados Unidos e Irão?”, questionou, prosseguindo, “Eles queriam colocar o Irão na mesa para negociar; queriam que o Irão assumisse um compromisso com a agência nuclear. Fomos ao Irão e conseguimos, depois de 18 horas de reunião, depois de duas viagens do Celso Amorim, aquilo que o Conselho de Segurança queria que fosse feito há seis meses. É muito engraçado porque algumas pessoas não gostaram. Tem gente que não sabe fazer política se não tiver um inimigo e sou daqueles que só sei fazer política construindo amigos”. Criticando aqueles que, internamente, dizem que o Brasil não deveria ter actuado no contencioso nuclear entre o Irão e os EUA, por não ser um assunto brasileiro, Lula questionou: “Quem é que disse que é coisa dos Estados Unidos? Onde foi isso aprovado? Nós temos uma contribuição ao multilateralismo que deveria ser levada em conta. Esse é o jeito de o Brasil fazer as coisas”.
[1] A primeira remessa está prevista para ocorrer em um mês.
[2] Como se a Administração FHC tivesse condenado a ditadura peruana de Alberto Fujimori, hoje preso por corrupção. FHC não só não o fez, como condecorou Fujimori, além de ter apoiado o governo Menem e a sua política económica, que arruinaram a Argentina.
[3] Nelson Rodrigues (1912-1980) foi dramaturgo, jornalista e escritor pernambucano.
Entrevista Concedida a Alunos da Universidade Autónoma de Lisboa Sobre o Brasil
1. Concorda com a política económica de Lula?
Resposta: A política económica de Lula tem conduzido o Brasil a um ritmo de crescimento notável, o que motivou Jim O`Neill, economista do grupo norte-americano Goldman Sachs, a classificá-lo como BRIC. Não há, por conseguinte, razões para discordar da política económica de Lula, que aliás é mais ou menos consensual dentro do país, até porque, não obstante o discurso esquerdista da campanha de 2002, o presidente Lula, ao assumir a Presidência, não só não rompeu com a orientação liberal do segundo mandato de Cardoso, como inclusive, a aprofundou. O primeiro governo Lula (2003-2006) exerceu um ajuste fiscal ainda mais forte que o realizado sob a era Cardoso, aplicando uma política monetária ainda mais rígida e retomou o programa de reformas (tributária, da Segurança Social, de autonomia do Banco Central, laboral, entre outras) de carácter amplamente liberal, que a Administração Fernando Henrique tinha suspenso por falta de condições políticas para levar a efeito. É certo que o presidente Lula começou, em 2007, o seu segundo mandato com um cenário de tranquilidade na economia, designadamente em comparação com o encontrado pelo antecessor Fernando Henrique Cardoso quando, em 1999, este iniciava a segunda gestão. Pressionado por forte crise económica internacional, FHC vira-se, desde logo, ante a necessidade de desvalorizar o câmbio, trocar dois presidentes do Banco Central e, ainda, controlar a fuga de reservas financeiras em torno de US$ 40 biliões, o que o fez perder força e enfrentar diversos dissabores políticos. Com um cenário externo tranquilo, Lula não teve de enfrentar problemas desta natureza. Ademais, a própria economia brasileira se encontra hoje substancialmente alterada na sua essência. Nos últimos vinte anos, os Planos Cruzado, Verão, Bresser, Collor e Real haviam-se fixado na estabilidade dos preços, no controlo da política monetária e na necessidade de contornar os problemas causados pela elevadíssima dívida externa. Hoje, esta está controlada, possuindo o Brasil reservas cambiais suficientes para cobrir, com folga, o saldo da dívida externa do sector público não financeiro; a taxa de juro caiu e deve manter-se em rota descendente, fazendo diminuir os gastos do governo com a colocação de títulos públicos; as contas públicas estão em ordem, somando um superávite primário de 4,41% do PIB; a inflação está controlada; o crescimento económico tem vindo a situar-se nos 5% ao ano; e o risco Brasil tem vindo a decair[1]. Neste sentido, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foi apresentado no dia 22 de Janeiro de 2007, sendo certo que os estímulos nele contidos não foram acompanhados de medidas que flexibilizassem a lei ambiental, pois a área ambiental mereceria, segundo prometido, grande atenção. Grande atenção recebeu, no âmbito do PAC, a criação de infra-estruturas para o país. Na verdade, as medidas do PAC, que contém orientações da política económica seguida no segundo mandato de Lula, incluem um pacote de aceleração de obras e infra-estrutura, com a discussão de uma nova matriz energética, de álcool e biodiesel. Assim, tiveram prioridade as obras que melhorassem as infra-estruturas do Brasil, como a conclusão e ampliação dos eixos estruturais de escoamento de carga e passageiros, como é o caso das estradas Belém - Brasília e Bahia - Minas Gerais - Rio Grande do Sul; bem como a conclusão de obras inacabadas e a concretização dos projectos que apresentassem um forte potencial de retorno económico e social, como as obras nos portos de Santos, Rio de Janeiro e Paranaguá[2]. É verdade que o PAC removeu alguns impedimentos ao crescimento económico do Brasil, porém criou outros, salientando-se, designadamente, o aumento do salário mínimo e a redução dos impostos. A primeira medida colocou o salário mínimo em R$ 380 (num aumento de 5,3%), mas provocou o aumento do já intolerável custo das reformas financiadas pelo Estado, enquanto a segunda surgiu incompleta, por não explicar como seria o gasto público reduzido para financiar a alteração tributária, ainda que esta tivesse como objectivo fomentar os investimentos em infra-estrutura[3]. Por outro lado, o governo não revelou a disposição de cortar nas despesas públicas de modo a aumentar a sua capacidade de investimento, para além de não patrocinar os planos de desenvolvimento económico levados a efeito pelos governos militares e associados ao milagre económico do final dos anos 1960 – início da década seguinte. Isto não desmerece, todavia, o plano de acção económica que o governo formulou, pois que o importante era que a Administração Lula elaborasse um plano de desenvolvimento detalhado que permitisse, conforme prometera Lula no discurso de posse, “realinhar as prioridades; optimizar recursos; aumentar fontes de financiamento; expandir projectos de infra-estrutura; aperfeiçoar o marco jurídico; e ampliar o diálogo com as instituições de controlo da fiscalização para garantir a transparência dos projectos e agilizar a sua execução”[4]. Pois que, para resolver os problemas da infra-estrutura, com investimentos mais significativos nas áreas dos transportes e da energia, foco central do PAC, era necessário que fossem vencidas as divergências internas sobre a condução das políticas fiscal e monetária, de modo a adequá-las ao esforço do crescimento sustentado. Para um governo que prometia mudanças fundamentais, o PAC apresentou-se amplamente convencional, ao aproveitar a calma global da economia e a diminuição dos juros para levar o Estado a investir e a diminuir os gastos correntes, num efeito sobre o PIB que se prefigura incerto, criticam os economistas. Não alterando em nada a essência da política económica já em vigor, o PAC foi tímido nas medidas que enunciou, já que muitas delas haviam já implementadas, outras estão em execução e algumas permanecem em tramitação no Congresso. Por outro lado, a desoneração fiscal do sector privado foi restrita, assim como as iniciativas para conter os gastos correntes. Mesmo em relação ao anúncio de R$ 504 biliões de investimentos para os quatro anos seguintes, o ponto central do pacote, apenas R$ 67,8 biliões vieram do Orçamento da Federação, vindo o restante de empresas estatais (designadamente a Petrobrás) e do sector privado. Mas é necessário atentar sobre algo que parece fundamental. Em toda a manutenção que traduz da política económica, em termos práticos, o PAC reflecte uma mudança da essência dessa mesma política, ao ressuscitar o papel mais activo do Estado na promoção do desenvolvimento, que há muito vinha sendo afastado da lógica económica do Brasil, em outros tempos desenvolvimentista. Vale ressaltar, todavia, que o actual sucesso económico do Brasil assenta, em muito, nas políticas económicas que Fernando Henrique Cardoso vinha desenvolvendo desde que era ministro das Finanças de Itamar Franco. FHC foi o autor do Plano Real, que veio controlar a inflação, lançando-o à Presidência do Brasil. Desde então FHC percebera que o Brasil, para além de estabilizar a sua moeda precisava de abrir e desregulamentar a sua economia, habituada a décadas de proteccionismo. Assim, FHC privatizou empresas, abriu a economia brasileira aos investimentos estrangeiros e aumentou as exportações do país. Assente nestas medidas, o comércio externo brasileiro passou de 11% do PNB, em 1990, a 24% na actualidade. O IDE passou de 1 bilhão por ano a 40 bilhões, em igual período, sendo o Brasil, hoje, o 2º país que, depois da China, mais recebe investimentos estrangeiros. Assim, FHC estabilizou a economia e a política do Brasil (que, de 1985 a 1994 teve 4 presidentes), preparando o caminho para Lula. É verdade que Lula tem feito um trabalho notável, especialmente porque, às políticas ortodoxas, acrescentou uma política social imaginativa, designadamente diminuindo as diferenças de renda e com o Bolsa Família, que transfere verbas para 11 milhões de família desde que estas enviem as crianças para a escola e visitem as agências governamentais de mês a mês. O trabalho do seu predecessor não deve, todavia, ser menosprezado, tendo servido de excelente rampa de lançamento para o sucesso económico que o Brasil tem vindo a apresentar desde 2003 – um sucesso de Lula que, em grande medida, assenta nos ombros de FHC. Esta evolução positiva, assente no programa de desenvolvimento infraestrutural do PAC e num novo modelo energético (através da diversificação da matriz energética), tem sido seguida do aumento das verbas para os programas sociais, que não são apenas programas de distribuição da renda, antes estão vocacionados para a educação, tanto a nível infantil, médio/juvenil, quanto superior, com base na ideia de colocar os jovens, sobretudo os de muito baixa renda, no sistema educacional. É evidente que estas políticas sociais por si só são insuficientes, até porque o espectro da inflação tem toldado a política, quer dos governantes, quer do sector privado empresarial. Pela primeira vez, no início de 2008, o governo manifestou preocupação com a forte expansão da procura nos últimos meses, sendo certo que o pacote de medidas económicas destinadas a compensar a perda de receitas resultantes do fim da Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira (CPMF) veio a ser benéfico para travar a inflação. Isto porque, para compensar o fim da CPMF, o pacote previu o aumento do Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF) e da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), que levou ao esfriamento do ritmo de crescimento do consumo, já que o governo deseja que a expansão do crédito continue. Por outro lado, é necessário fazer face às vulnerabilidades comuns a todos os BRIC. No caso específico do Brasil, a excessiva burocracia é ainda um empecilho ao desenvolvimento, assim como a deficiente infra-estrutura. É evidente que o crescimento do PIB tem sido utilizado para suprir estas necessidades, com pesados investimentos no sector das infra-estruturas, mas muito há ainda por fazer, ainda que, depois, praticamente nada sobre para investir nas forças militares – o que também deveria ser feito por um Estado que tem ambições de potência de nível mundial. Por outro lado, o êxito da economia do Brasil, assim como de todos os BRIC, está demasiado dependente do sistema internacional, sendo ainda certa a falta de vontade em promover a alteração da ordem que lhe(s) serve(m) os interesses nacionais. Os próprios problemas relativos à energia, ao ambiente e à tecnologia demonstram que o Brasil não tem, ainda, desenvolvido todos os esforços necessários nessas matérias. Embora muito venha sendo feito, de há uns anos a esta parte, a verdade é que muito tem, ainda, de ser feito, para que se evitem as constantes crises energéticas, para que se alcance o desenvolvimento ambientalmente sustentável e para que o Brasil consiga, efectivamente, alcançar o patamar tecnológico que lhes confira a independência relativamente aos países ricos. Dependência que ainda possui, tanto em matéria tecnológica, quanto ambiental, quanto, mesmo, energética (porque não chega ter as fontes de energia; é necessário ter, também, a tecnologia que permita trabalhar essas fontes).
2. Pensa que a política do Brasil levará a um crescimento a longo prazo ou será apenas conjuntural?
Resposta: A política brasileira, tal como formulada e executada pelo governo Lula, desde 2003, suportada na herança da administração anterior, tem tudo para conduzir o Brasil a um crescimento de longo prazo, sendo certo que a necessidade principal será, depois, a de transformar esse crescimento económico em verdadeiro desenvolvimento económico. Uma das propostas, a de dobrar a renda per capita do país em 15 anos, é perfeitamente factível", embora os desafios sejam imensos. Há, todavia, um mercado interno muito expressivo, uma excepcional dotação de recursos naturais e um capital humano que pode responder de forma adequada às necessidades de educação e treinamento. Por outro lado, a indústria brasileira tem produtividade em algumas áreas que se alinha aos níveis de muitos países mais avançados e o sistema político do país, assente numa sociedade democrática, em que as instituições funcionam bem de forma geral, permite também uma ambição maior de desenvolvimento. No entanto, há ainda um excesso de burocracia, bem como ausência de um padrão de financiamento adequado. O sistema tributário actual também não é funcional para a economia e é preciso evitar retrocessos em algumas áreas. Além disso, a política macroeconómica deverá estabelecer um diálogo maior com a política fiscal, de modo a permitir o aumento dos investimentos e o desenvolvimento do país, possibilitando a elevação da distribuição de renda. Não é possível imaginar o sector público investindo entre 1,5% e 2% do Produto Interno Bruto ante as necessidades na área de infra-estrutura, em função da necessidade de contenção dos gastos correntes. É possível que muitos projectos que estão na pauta do governo na área de investimentos não sejam realizados, mas há possibilidade de executar os de exploração do pré-sal e aqueles ligados à Copa do Mundo e às Olimpíadas. É preciso atentar, também, para o facto de a política fiscal expansionista praticada pelo governo elevar a taxa de juros para conter o excesso de demanda, o que se reflecte na política cambial. Assim, a taxa de juros precisa estar alinhada com os padrões internacionais – de salientar que o valor da taxa de juros real do País é inquietante, levando em conta que entre 40 países emergentes e desenvolvidos a taxa média real anual é de 0,7% enquanto no Brasil a taxa real se situa em 5% ao ano. É positivo que o governo, através do Ministério do Planeamento, tenha, a 20 de Maio de 2010, confirmado o corte adicional de R$ 10 biliões no orçamento, aumentando a previsão de crescimento da economia de 5,2% para 5,5% para 2010. Os dados fazem parte do Relatório Bimestral de Avaliação Orçamentária, documento no qual o Ministério do Planeamento revê os gastos e despesas do governo de acordo com o desempenho da economia no período. A informação sobre o corte já havia sido antecipada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, na semana passada. É a segunda redução de despesas anunciada este ano. Em Março, o governo bloqueou R$ 21,8 biliões - o maior contingenciamento promovido na gestão Lula. O objectivo do corte é ajudar a reduzir o ritmo de actividade da economia brasileira, já que uma expansão próxima de 7%, conforme previsões dos bancos, está acima da capacidade do sector produtivo nacional em fornecer mercadorias e serviços, o que levaria a um aumento da inflação. Dados do Banco Central divulgados esta semana mostram que a economia cresceu quase 10% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado. Há ainda que ter em conta a dívida federal. O segundo empréstimo de R$ 80 biliões do Tesouro Nacional ao Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (Bndes) fez um estrago na dívida pública federal (DPF). O stock da dívida chegou, em Abril, a R$ 1,5 trilião com a emissão de R$ 74,33 biliões em títulos para a liberação da primeira parcela do segundo empréstimo ao banco estatal. Em apenas um mês, o stock da DPF, que inclui a dívida pública interna em títulos e a externa, subiu de uma vez R$ 89,94 biliões e atingiu R$ 1,58 trilião. O aumento do endividamento só não foi maior porque a dívida pública externa caiu R$ 2,58 biliões ao longo do mês. O impacto do empréstimo ao Bndes influenciou directamente o stock da dívida interna em títulos, que saltou R$ 92,53 biliões de Março para Abril. Foi a maior elevação da dívida interna num único mês, desde o início da série histórica do Tesouro, em Dezembro de 1999: 6,61%. Em Maio, a dívida sofre novamente os efeitos do empréstimo ao Bndes com a emissão de mais R$ 5,6 biliões de títulos para a segunda e última parcela. Desde o início da crise financeira internacional, o stock da dívida interna já teve uma alta de R$ 269 biliões até Abril deste ano. Boa parte do aumento foi decorrente dos dois empréstimos feitos pelo Tesouro ao Bndes, que juntos somam R$ 180 biliões. A decisão de capitalizar o banco via empréstimos de longo prazo tem com objectivo aumentar a capacidade de financiamento de projectos de investimento. Mas a decisão de política económica que trouxe impacto na dívida bruta do sector público tem aumentado a desconfiança dos analistas em relação à política fiscal do governo depois da crise. As agências internacionais de risco vêm fazendo alertas recentes para o problema e já avisaram que estão atentas à relação entre governo federal e Bndes.
Ao anunciar na quinta-feira os dados, o coordenador de Planeamento Estratégico da Dívida Pública, Octávio Ladeira de Medeiros, avaliou que o empréstimo ao Bndes não compromete a imagem do Brasil perante as agências. Segundo Medeiros, não há risco de rebaixamento da nota do país, que já recebeu o grau de investimento das três principais agências.
Na avaliação do coordenador, o elemento central que faz com que as agências fiquem tranquilas e se sintam confortáveis é a trajectória projectada de queda da dívida líquida e bruta do sector público prevista na Lei de Directrizes Orçamentária (LDO) e as metas de superávite das contas do sector público previstas para até 2013. Medeiros destacou que a LDO já prevê uma meta de 3,3% do PIB de superávite primário de 2011 a 2013.
3. No mundo actual será o Brasil uma potência? Porquê?
Resposta: Na actual sociedade internacional e em função do seu peso económico e da sua política externa activa e assertiva, o Brasil pode ser considerado uma potência: regional sem dúvida e possivelmente global. os fundamentos da economia brasileira têm-se apresentado sólidos para enfrentar esses distúrbios[5], até pelo aparecimento de um fenómeno social novo: o nascimento de uma classe média oriunda das massas de baixa renda, responsável pelo consumo interno do país, assim contribuindo para o aquecimento global da economia brasileira[6]. Na sexta mensagem anual encaminhada, a 6 de Fevereiro de 2008, ao Congresso Nacional, por ocasião do início do ano legislativo, quando a Câmara e o Senado retomam oficialmente as actividades, após as férias de Verão, o presidente Lula, reconhecendo todavia a existência, no cenário internacional, de riscos para o crescimento da economia brasileira, avaliou que o impacto desse cenário sobre o país seria limitado, em virtude da “demanda doméstica robusta”[7] e da “solidez das contas externas”[8], tendo as Nações Unidas, em 2007, incluído o Brasil, pela primeira vez, no grupo de países com alto índice de desenvolvimento humano. O mesmo Brasil que, segundo informações oficiais de Fevereiro de 2008, torna-se hoje, pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial[9], credor internacional, em virtude do valor das suas reservas ser superior ao volume da dívida externa. O crescimento do PIB do país, em 2009, rondou os 3%[10] - um nível inferior ao dos restantes BRIC, mais ainda assim bastante significativo para um país em desenvolvimento. A formação bruta de capital, no Brasil, aumentou expressivamente, os investimentos directos estrangeiros entraram em grande volume[11] e as reservas internacionais do Brasil situaram-se, em Dezembro de 2008, em $ 206,8 mil milhões[12], nível nunca antes alcançado pelo país. Ademais, o Brasil melhorou a sua capacidade de suportar os choques externos e o governo brasileiro prevê, mesmo, que o país, em até dez anos, assuma a liderança mundial na exportação de etanol e soja, superando inclusive os EUA no ranking do comércio internacional destes produtos, reforce a sua liderança na venda de açúcar e registe um salto nas exportações de milho[13]. O Brasil ultrapassou já os EUA em matéria de produção de ferro e café, tornando-se o maior produtor mundial destes bens, sendo ainda o maior produtor do mundo em biocombustíveis, sumo de laranja concentrado, carne de vaca e carne de aves[14]. O Brasil, pela primeira vez, produziu mais carros de passeio do que os EUA, que foram castigados pela crise financeira internacional. No ano passado, enquanto os EUA produziram 2,249 milhões de automóveis, o Brasil tirou de suas fábricas 2,576 milhões de unidades, ficando em quinto lugar no ranking mundial, um à frente dos EUA. Note-se que, em 2008, os EUA produziram 3,924 milhões de carros de passeio e o Brasil, 2,545 milhões. Há dez anos, a proporção era de 5,637 milhões de unidades para os americanos e de apenas 1,1 milhão para os brasileiros. O Brasil, uma das maiores democracias do mundo, largamente conhecido como o país do futuro, nunca alcançava esse futuro, em virtude das crises económicas e políticas. Agora, esta situação tem-se alterado. Galardoado como investment grade status pela Agência Financeira Standard & Poor[15], em Maio de 2008, o Brasil assume-se como um país sério, que tem adoptado políticas sérias, que cuida das finanças com seriedade, merecendo, por conseguinte, a confiança internacional, como Lula afirmaria após o anúncio da Standard & Poor[16]. As descobertas de petróleo que têm sido feitas pela Petrobrás contribuem para esta situação, podendo elevar o Brasil ao estatuto de grande produtor de petróleo. De acordo com o prestigiado jornal britânico The Guardian, «South America`s sleeping giant is finally waking up»[17]. Depois da Standard & Poor, foi a vez de outras consultoras avaliarem positivamente a economia brasileira. A 22 de Setembro, a agência de classificação de risco Moody`s anunciou que os papéis do Brasil são confiáveis para investir e que a crise internacional não provocou grande impacto sobre o mercado brasileiro de acções. Algo que os investidores já sabiam, pelo que nem sequer o índice Ibovespa registou qualquer reacção, numa aparente indiferença do mercado. Na realidade, a Moody`s apenas veio confirmar que o Brasil é bom pagador e a economia brasileira, cada vez mais forte, não foi afectada de maneira significativa pela crise económica mundial. Deve dizer-se que a própria Fitch Rating, em Maio de 2008, já havia explicado que a elevação do rating reflectia a melhoria das contas externas e do sector público do Brasil, o que terá reduzido a vulnerabilidade do país a choques externos e de câmbio, fortalecendo a estabilidade macroeconómica e melhorando as perspectivas de crescimento para o médio prazo. No mesmo período, a agência canadiana DBRS tomou idêntica decisão. As agências mundiais têm, assim, seguido a análise pioneira da Standard & Poor, que em Abril de 2008 colocara o Brasil na lista dos países seguros, elevando a nota do país de BB+ para BBB- (no item «moeda estrangeira a longo prazo»). No quesito «moeda local a longo prazo», a Standard & Poor havia elevado o Brasil de BBB para BBB+ e o rating para «moeda local de curto prazo» foi ajustado de B para A-3. Apenas se mantêm as ressalvas de todas as agências relativamente à dívida pública, que é maior no Brasil do que em outros países BBB, bem como do desequilíbrio da balança fiscal, tratado com cuidado pela mais recente avaliação, da Moody`s. Não obstante este senão, todas as avaliações têm significado o reconhecimento da maturidade das instituições do Brasil e da política monetária, bem como da melhoria das tendências de crescimento do país. A verdade, porém, é que, se o Brasil pretende assumir-se como uma potência que ultrapassa os limites regionais, deverá apostar em todos os vértices do poder. Não chega ter peso geo-económico, uma economia pujante, assente numa população numerosa e cada vez mais bem formada, um soft power bem manejado, uma influência política cada vez mais evidente. É necessário ter umas Forças Armadas que estejam à altura dos desafios que se colocam às novas potências. Não obstante ter deixado de ser o quesito central na atribuição do qualificativo de potência, o poder militar é um dos tabuleiros da tridimensionalidade das actuais relações internacionais. E, neste, os EUA jogam sozinhos e lideram sozinhos. Facto é que o orçamento brasileiro destinado às Forças Armadas em 2007 (2,6% do PIB) foi de cerca de metade do que lhe havia sido destinado em 1995 (4,9% do PIB)[18]. Na Força Aérea, 88% dos aviões têm mais de quinze anos e apenas 37% estão aptos a combater, enquanto na Marinha, dos vinte e um navios de guerra existentes, somente dez estão operacionais, o mesmo sucedendo a dois dos cinco submarinos[19]. No Exército, a situação é ainda mais dramática: as nove baterias antiaéreas que o país dispõe estão fora de combate, enquanto os tanques M 11 são do tempo da guerra da Coreia (1951-53), inúteis, pois, numa guerra moderna[20]. Ademais, o Brasil tem, nos últimos anos, perdido a liderança, entre os Sul-Americanos, em matéria de investimento nas Forças Armadas. Em 2005/2006, o país que mais investia nas Forças Armadas era o Equador (com 3,7% do PIB), seguido pelo Chile (3,5% do PIB), pela Colômbia (3,3% do PIB) e pela Bolívia (2,2% do PIB). O Brasil só aparecia em quinto lugar, com 1,8% do PIB a ser investido em equipamento militar, à frente apenas da Venezuela (1,7% do PIB) e da Argentina (1,1% do PIB)[21]. Ainda assim, o Brasil consegue manter a liderança militar na América do Sul, com 630 pontos[22] em 2006/2007. Bastante à frente do segundo colocado, o Peru (com 449 pontos), o Brasil tem vindo, todavia, a perder pontos, já que em 2004/2005 somava 653 pontos (23 pontos a mais que em 2006/2007). Tal como o Brasil, também a Argentina desceu de 419 para 402 pontos, a Colômbia de 314 para 303 pontos e o Equador de 254 para 244 pontos. Peru, Chile e Venezuela aumentaram os pontos de 2004/2005 para 2006/2007, sendo particularmente relevante o aumento de 34 pontos alcançado pela Venezuela, que passou de 282 para 316 pontos[23]. Com 290 000 homens, o Brasil é hoje o décimo quinto maior efectivo militar do mundo em termos absolutos, perdendo apenas para os EUA, com 1,4 milhão de homens. Em termos relativos[24], porém, o Brasil, com 1 650 homens por cada milhão de habitantes, surge atrás do Chile (o primeiro colocado, com 5 500 homens por cada milhão de habitantes), dos EUA, de Cuba, da Colômbia, da Venezuela, do México e da Argentina[25]. Por muito que custe aos dirigentes brasileiros actuais, ainda muito próximos da vivência ao tempo da ditadura militar (1964-1985) – cujo fim trouxe o total desinteresse pelas questões militares, então secundarizadas na vida pública do país, ainda hoje consideradas politicamente incorrectas – a verdade é que as elites governantes brasileiras e a sociedade civil brasileira terão de resolver consigo próprias o tabu em que se tornaram as questões militares. Pois se é certo que o poder militar é hoje apenas um dos tabuleiros das relações internacionais, não é menos certo que ele continua a ser um dos aspectos essenciais que ditam a atribuição do qualificativo de potência mundial. Se o Brasil ambiciona esse qualificativo, não poderá limitar-se a jogar nos dois outros tabuleiros e deixar isolados os EUA no primeiro de todos. Terá de apostar numa actuação tripla, porque tridimensional é hoje a sociedade internacional.
4. Quais os possíveis componentes de uma visão estratégica brasileira?
Resposta: Existe uma visão estratégica brasileira, centrada, sobretudo, na defesa da Amazónia, nas relações em eixo com a Argentina em torno do fortalecimento do Mercosul e da integração sul-americana sob desenho brasileiro, e no relacionamento diversificado do país em termos multilaterais, com o Brasil a apostar, particularmente, na relação com os países emergentes. Por outro lado, o Brasil tem apostado também na discussão de temas políticos, procurando alargar a sua inserção internacional, tradicionalmente assente no vector económico, ao defender a sua inclusão como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, uma voz mais audível no FMI e, até, uma eventual inclusão na OPEP, em função das descobertas recentes de petróleo. Há, todavia, um fosso enorme entre o Brasil económico e o Brasil militar, o que dificulta a efectivação dessa visão estratégica. Se o país é hoje uma economia emergente, que actua na sociedade internacional em conformidade com esse poder económico; em termos militares a capacidade de actuação do Brasil é reduzida, ou mesmo nula. Desde o fim do regime militar brasileiro, em 1985, que os governantes brasileiros têm vindo a argumentar que o Brasil é um país pacifista, inserido num sub-continente pacífico, uma América do Sul que não assiste a guerras desde o fim da Guerra do Paraguai em 1871. Razão pela qual o país não necessita de desenvolver uma efectiva capacidade militar. Esta tem sido a postura oficial do Brasil, embora a actual política de aquisição de material bélico comece a sinalizar noutro sentido. Destaque-se, por exemplo, a cooperação aeronáutica da França com o Brasil. Em Setembro de 2009, Lula assinou, com Nicholas Sarkozy, um acordo para a aquisição, pelo Brasil, de 36 caças Rafaele franceses, podendo a França vir a participar no Programa KC-390, da Embraer, com o apoio no desenvolvimento e na compra de pelo menos 10 aviões. Facto é que, como referido já, se o Brasil se pretende assumir como potência global, terá de investir e apostar, também, em poder militar.
5. Será que o Brasil, seguindo a política actual, conseguirá ultrapassar os grandes problemas internos, no que respeita à pobreza existente incluindo os sem terra?
Resposta: De acordo com o enunciado nas 1ª e 2ª respostas, se o Brasil seguir mantendo a actual política e, ao mesmo tempo, realizar as reformas necessárias, estará em posição de ultrapassar os actuais problemas internos relativos à pobreza. Mas é necessário que o Brasil realize as referidas reformas, pois necessita de alguns ajustes: reduzir as despesas, aumentar o investimento em infra-estruturas, facilitar o acesso ao crédito por parte dos produtores rurais e dos empreendedores em geral e estimular as empresas a cumprir com a legislação. Facto é que, não obstante a necessidade desses ajustes, o Brasil tem percorrido um excelente caminho e as perspectivas são muito positivas. Espera-se, mesmo, que a Standard & Poor e a Fitch melhorem ainda mais as notas atribuídas ao país, até porque a política económica que o Brasil tem seguido tem-se mostrado acertada, capaz de responder às actuais pressões através de um uso adequado das suas reservas internacionais, da venda de Dólares nos mercados e da liberação de créditos compulsórios. Segundo Eduardo Pocetti, da BDO Trevisan, “se os acertos forem mantidos e os ajustes necessários se efectivarem [o Brasil] ingressará de vez no selecto grupo das nações desenvolvidas”. Pocetti vai mais além, numa nota de esperança que partilhamos: “potencial nós temos e estamos provando que o país do futuro finalmente se dispôs a desempenhar o papel de «país do presente»”.
[1] Dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Pesquisa. Colectados no IBGE – Brasília, durante o mês de Abril de 2007.
[2] Cfr. Programa de Aceleração do Crescimento, segundo governo Lula, Janeiro de 2007.
[3] Cfr. Idem.
[4] Cfr. SILVA, Luiz Inácio Lula; Discurso de Posse, 1 de Janeiro de 2007.
[5] A 11 de Março de 2009, o director executivo do FMI, Paulo Nogueira Batista, que representa o Brasil e outros países sul-americanos no FMI, afirmou perante o presidente Lula que «o Brasil está bem, apesar dos efeitos da crise». Cfr. Mário Miranda, Agência Lusa, de Lisboa, 11 de Março de 2009.
[6] Segundo o presidente Lula, esta classe média é já maioria, representando 52% de toda a sociedade brasileira. Cfr. LULA DA SILVA; Colocar B em BRIC, O Mundo em 2009, The Economist, pp. 58.
[7] Cfr. LULA DA SILVA, Mensagem encaminhada ao Congresso Nacional, 6 de Fevereiro de 2008.
[8] Cfr. Idem.
[9] No final da Segunda Guerra Mundial, houve um curto período em que o Brasil também viveu o papel de credor internacional. Durante o conflito, o país havia acumulado um grande saldo externo, que o governo Vargas pretendia utilizar como recurso para a recuperação tecnológica da indústria. Entretanto, porém, em apenas dois anos (1946 e 1947), a política económica liberal do presidente Eurico Gaspar Dutra, de liberdade cambial e abertura do mercado nacional, gastou aquelas reservas com a importação livre de supérfluos, fazendo regredir a situação creditícia que o Brasil teve por um curto espaço de tempo. Hoje, a dívida externa volta a ser inferior às reservas nacionais, como não sucedia no país desde o fim do Segundo Grande Conflito Mundial. Mas a situação actual tem também uma forte fragilidade, em razão do crescimento da dívida interna, remunerada a juros extremamente elevados, e do papel do investimento estrangeiro, que se beneficia daqueles juros, na formação das reservas. Esta situação origina uma grande emissão de títulos federais para ''esterilizar'' o meio circulante dos Reais constantemente emitidos para fazer o câmbio. Os títulos assim emitidos a juros altos são comprados pelos aplicadores, sendo a diferença custeada pela emissão de mais títulos e pela maior necessidade de superávite primário no orçamento público. Assim, enquanto é criado património financeiro privado, a dívida pública interna vai crescendo, decorrente de uma política monetária muito restritiva, que não permite que os Reais assim gerados circulem na economia financiando a produção e aumentando o consumo. Em resumo, se as taxas de juros não fossem tão altas e a política monetária mais expansiva, a atracção do ganho fácil não traria tantos Dólares ao Brasil, mas haveria mais Reais em circulação e menos dívida pública a sufocar o Estado brasileiro. A política económica, que ajudou a gerar a grande reserva externa, é, assim, também, a responsável pela própria fragilidade. Na verdade, no passado, a confortável situação de credor internacional durou, para o Brasil, apenas dois anos. Quantos irá durar a situação actual?
[10] Em 2007, a previsão da Administração Lula era de um crescimento do PIB de 5%. No final de Agosto de 2008, esse valor baixou para 4,5%, tendo o governo actualizado as previsões, no final de Novembro de 2008, para cerca de 3,7% e 3,8%, pela voz do ministro Paulo Bento, do Planejamento.
[11] A 26 de Janeiro de 2009, o Banco Central do Brasil informou que, em 2008, os investimentos directos estrangeiros (IDE) atingiram o patamar recorde de $ 45 mil milhões, o máximo alcançado desde 1947
[12] Segundo dados do Banco Central do Brasil de Janeiro de 2009.
[13] O boom das commodities, designadamente de soja, é particularmente relevante no estado do Mato Grosso, que se transformou na vanguarda da marcha brasileira em direcção a um novo lugar na sociedade internacional global.
[14] Cfr. BRIDGES, Tyler; Brazil no Longer Long on Potential and Short on Performance, in Miami Herald, 12 de Novembro de 2008.
[15] Cfr. The Country of the Future Finally Arrives, in secção financeira do The Guardian, 10 de Maio de 2008, pp. 41.
[16] Afirmação de Lula, in idem, ibidem.
[17] Cfr. Idem, ibidem.
[18] Segundo dados do Centro de Comunicação do Exército brasileiro em Março de 2009.
[19] Cfr. Idem.
[20] Cfr. Idem.
[21] Segundo dados da Military Power Review.
[22] A Military Power Review atribui pontos em função da quantidade e qualidade dos equipamentos e em função do tamanho do contingente militar de cada país.
[23] Segundo dados da Military Power Review.
[24] Em termos absolutos são contados os efectivos existentes em termos numéricos apenas. Em termos relativos essa contagem é feita com relação à população do país. Assim, em termos relativos conta-se o número de militares existentes por cada milhão de habitantes do país.
[25] Segundo dados do Centro de Comunicação do Exército brasileiro em Março de 2009.
Resposta: A política económica de Lula tem conduzido o Brasil a um ritmo de crescimento notável, o que motivou Jim O`Neill, economista do grupo norte-americano Goldman Sachs, a classificá-lo como BRIC. Não há, por conseguinte, razões para discordar da política económica de Lula, que aliás é mais ou menos consensual dentro do país, até porque, não obstante o discurso esquerdista da campanha de 2002, o presidente Lula, ao assumir a Presidência, não só não rompeu com a orientação liberal do segundo mandato de Cardoso, como inclusive, a aprofundou. O primeiro governo Lula (2003-2006) exerceu um ajuste fiscal ainda mais forte que o realizado sob a era Cardoso, aplicando uma política monetária ainda mais rígida e retomou o programa de reformas (tributária, da Segurança Social, de autonomia do Banco Central, laboral, entre outras) de carácter amplamente liberal, que a Administração Fernando Henrique tinha suspenso por falta de condições políticas para levar a efeito. É certo que o presidente Lula começou, em 2007, o seu segundo mandato com um cenário de tranquilidade na economia, designadamente em comparação com o encontrado pelo antecessor Fernando Henrique Cardoso quando, em 1999, este iniciava a segunda gestão. Pressionado por forte crise económica internacional, FHC vira-se, desde logo, ante a necessidade de desvalorizar o câmbio, trocar dois presidentes do Banco Central e, ainda, controlar a fuga de reservas financeiras em torno de US$ 40 biliões, o que o fez perder força e enfrentar diversos dissabores políticos. Com um cenário externo tranquilo, Lula não teve de enfrentar problemas desta natureza. Ademais, a própria economia brasileira se encontra hoje substancialmente alterada na sua essência. Nos últimos vinte anos, os Planos Cruzado, Verão, Bresser, Collor e Real haviam-se fixado na estabilidade dos preços, no controlo da política monetária e na necessidade de contornar os problemas causados pela elevadíssima dívida externa. Hoje, esta está controlada, possuindo o Brasil reservas cambiais suficientes para cobrir, com folga, o saldo da dívida externa do sector público não financeiro; a taxa de juro caiu e deve manter-se em rota descendente, fazendo diminuir os gastos do governo com a colocação de títulos públicos; as contas públicas estão em ordem, somando um superávite primário de 4,41% do PIB; a inflação está controlada; o crescimento económico tem vindo a situar-se nos 5% ao ano; e o risco Brasil tem vindo a decair[1]. Neste sentido, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foi apresentado no dia 22 de Janeiro de 2007, sendo certo que os estímulos nele contidos não foram acompanhados de medidas que flexibilizassem a lei ambiental, pois a área ambiental mereceria, segundo prometido, grande atenção. Grande atenção recebeu, no âmbito do PAC, a criação de infra-estruturas para o país. Na verdade, as medidas do PAC, que contém orientações da política económica seguida no segundo mandato de Lula, incluem um pacote de aceleração de obras e infra-estrutura, com a discussão de uma nova matriz energética, de álcool e biodiesel. Assim, tiveram prioridade as obras que melhorassem as infra-estruturas do Brasil, como a conclusão e ampliação dos eixos estruturais de escoamento de carga e passageiros, como é o caso das estradas Belém - Brasília e Bahia - Minas Gerais - Rio Grande do Sul; bem como a conclusão de obras inacabadas e a concretização dos projectos que apresentassem um forte potencial de retorno económico e social, como as obras nos portos de Santos, Rio de Janeiro e Paranaguá[2]. É verdade que o PAC removeu alguns impedimentos ao crescimento económico do Brasil, porém criou outros, salientando-se, designadamente, o aumento do salário mínimo e a redução dos impostos. A primeira medida colocou o salário mínimo em R$ 380 (num aumento de 5,3%), mas provocou o aumento do já intolerável custo das reformas financiadas pelo Estado, enquanto a segunda surgiu incompleta, por não explicar como seria o gasto público reduzido para financiar a alteração tributária, ainda que esta tivesse como objectivo fomentar os investimentos em infra-estrutura[3]. Por outro lado, o governo não revelou a disposição de cortar nas despesas públicas de modo a aumentar a sua capacidade de investimento, para além de não patrocinar os planos de desenvolvimento económico levados a efeito pelos governos militares e associados ao milagre económico do final dos anos 1960 – início da década seguinte. Isto não desmerece, todavia, o plano de acção económica que o governo formulou, pois que o importante era que a Administração Lula elaborasse um plano de desenvolvimento detalhado que permitisse, conforme prometera Lula no discurso de posse, “realinhar as prioridades; optimizar recursos; aumentar fontes de financiamento; expandir projectos de infra-estrutura; aperfeiçoar o marco jurídico; e ampliar o diálogo com as instituições de controlo da fiscalização para garantir a transparência dos projectos e agilizar a sua execução”[4]. Pois que, para resolver os problemas da infra-estrutura, com investimentos mais significativos nas áreas dos transportes e da energia, foco central do PAC, era necessário que fossem vencidas as divergências internas sobre a condução das políticas fiscal e monetária, de modo a adequá-las ao esforço do crescimento sustentado. Para um governo que prometia mudanças fundamentais, o PAC apresentou-se amplamente convencional, ao aproveitar a calma global da economia e a diminuição dos juros para levar o Estado a investir e a diminuir os gastos correntes, num efeito sobre o PIB que se prefigura incerto, criticam os economistas. Não alterando em nada a essência da política económica já em vigor, o PAC foi tímido nas medidas que enunciou, já que muitas delas haviam já implementadas, outras estão em execução e algumas permanecem em tramitação no Congresso. Por outro lado, a desoneração fiscal do sector privado foi restrita, assim como as iniciativas para conter os gastos correntes. Mesmo em relação ao anúncio de R$ 504 biliões de investimentos para os quatro anos seguintes, o ponto central do pacote, apenas R$ 67,8 biliões vieram do Orçamento da Federação, vindo o restante de empresas estatais (designadamente a Petrobrás) e do sector privado. Mas é necessário atentar sobre algo que parece fundamental. Em toda a manutenção que traduz da política económica, em termos práticos, o PAC reflecte uma mudança da essência dessa mesma política, ao ressuscitar o papel mais activo do Estado na promoção do desenvolvimento, que há muito vinha sendo afastado da lógica económica do Brasil, em outros tempos desenvolvimentista. Vale ressaltar, todavia, que o actual sucesso económico do Brasil assenta, em muito, nas políticas económicas que Fernando Henrique Cardoso vinha desenvolvendo desde que era ministro das Finanças de Itamar Franco. FHC foi o autor do Plano Real, que veio controlar a inflação, lançando-o à Presidência do Brasil. Desde então FHC percebera que o Brasil, para além de estabilizar a sua moeda precisava de abrir e desregulamentar a sua economia, habituada a décadas de proteccionismo. Assim, FHC privatizou empresas, abriu a economia brasileira aos investimentos estrangeiros e aumentou as exportações do país. Assente nestas medidas, o comércio externo brasileiro passou de 11% do PNB, em 1990, a 24% na actualidade. O IDE passou de 1 bilhão por ano a 40 bilhões, em igual período, sendo o Brasil, hoje, o 2º país que, depois da China, mais recebe investimentos estrangeiros. Assim, FHC estabilizou a economia e a política do Brasil (que, de 1985 a 1994 teve 4 presidentes), preparando o caminho para Lula. É verdade que Lula tem feito um trabalho notável, especialmente porque, às políticas ortodoxas, acrescentou uma política social imaginativa, designadamente diminuindo as diferenças de renda e com o Bolsa Família, que transfere verbas para 11 milhões de família desde que estas enviem as crianças para a escola e visitem as agências governamentais de mês a mês. O trabalho do seu predecessor não deve, todavia, ser menosprezado, tendo servido de excelente rampa de lançamento para o sucesso económico que o Brasil tem vindo a apresentar desde 2003 – um sucesso de Lula que, em grande medida, assenta nos ombros de FHC. Esta evolução positiva, assente no programa de desenvolvimento infraestrutural do PAC e num novo modelo energético (através da diversificação da matriz energética), tem sido seguida do aumento das verbas para os programas sociais, que não são apenas programas de distribuição da renda, antes estão vocacionados para a educação, tanto a nível infantil, médio/juvenil, quanto superior, com base na ideia de colocar os jovens, sobretudo os de muito baixa renda, no sistema educacional. É evidente que estas políticas sociais por si só são insuficientes, até porque o espectro da inflação tem toldado a política, quer dos governantes, quer do sector privado empresarial. Pela primeira vez, no início de 2008, o governo manifestou preocupação com a forte expansão da procura nos últimos meses, sendo certo que o pacote de medidas económicas destinadas a compensar a perda de receitas resultantes do fim da Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira (CPMF) veio a ser benéfico para travar a inflação. Isto porque, para compensar o fim da CPMF, o pacote previu o aumento do Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF) e da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), que levou ao esfriamento do ritmo de crescimento do consumo, já que o governo deseja que a expansão do crédito continue. Por outro lado, é necessário fazer face às vulnerabilidades comuns a todos os BRIC. No caso específico do Brasil, a excessiva burocracia é ainda um empecilho ao desenvolvimento, assim como a deficiente infra-estrutura. É evidente que o crescimento do PIB tem sido utilizado para suprir estas necessidades, com pesados investimentos no sector das infra-estruturas, mas muito há ainda por fazer, ainda que, depois, praticamente nada sobre para investir nas forças militares – o que também deveria ser feito por um Estado que tem ambições de potência de nível mundial. Por outro lado, o êxito da economia do Brasil, assim como de todos os BRIC, está demasiado dependente do sistema internacional, sendo ainda certa a falta de vontade em promover a alteração da ordem que lhe(s) serve(m) os interesses nacionais. Os próprios problemas relativos à energia, ao ambiente e à tecnologia demonstram que o Brasil não tem, ainda, desenvolvido todos os esforços necessários nessas matérias. Embora muito venha sendo feito, de há uns anos a esta parte, a verdade é que muito tem, ainda, de ser feito, para que se evitem as constantes crises energéticas, para que se alcance o desenvolvimento ambientalmente sustentável e para que o Brasil consiga, efectivamente, alcançar o patamar tecnológico que lhes confira a independência relativamente aos países ricos. Dependência que ainda possui, tanto em matéria tecnológica, quanto ambiental, quanto, mesmo, energética (porque não chega ter as fontes de energia; é necessário ter, também, a tecnologia que permita trabalhar essas fontes).
2. Pensa que a política do Brasil levará a um crescimento a longo prazo ou será apenas conjuntural?
Resposta: A política brasileira, tal como formulada e executada pelo governo Lula, desde 2003, suportada na herança da administração anterior, tem tudo para conduzir o Brasil a um crescimento de longo prazo, sendo certo que a necessidade principal será, depois, a de transformar esse crescimento económico em verdadeiro desenvolvimento económico. Uma das propostas, a de dobrar a renda per capita do país em 15 anos, é perfeitamente factível", embora os desafios sejam imensos. Há, todavia, um mercado interno muito expressivo, uma excepcional dotação de recursos naturais e um capital humano que pode responder de forma adequada às necessidades de educação e treinamento. Por outro lado, a indústria brasileira tem produtividade em algumas áreas que se alinha aos níveis de muitos países mais avançados e o sistema político do país, assente numa sociedade democrática, em que as instituições funcionam bem de forma geral, permite também uma ambição maior de desenvolvimento. No entanto, há ainda um excesso de burocracia, bem como ausência de um padrão de financiamento adequado. O sistema tributário actual também não é funcional para a economia e é preciso evitar retrocessos em algumas áreas. Além disso, a política macroeconómica deverá estabelecer um diálogo maior com a política fiscal, de modo a permitir o aumento dos investimentos e o desenvolvimento do país, possibilitando a elevação da distribuição de renda. Não é possível imaginar o sector público investindo entre 1,5% e 2% do Produto Interno Bruto ante as necessidades na área de infra-estrutura, em função da necessidade de contenção dos gastos correntes. É possível que muitos projectos que estão na pauta do governo na área de investimentos não sejam realizados, mas há possibilidade de executar os de exploração do pré-sal e aqueles ligados à Copa do Mundo e às Olimpíadas. É preciso atentar, também, para o facto de a política fiscal expansionista praticada pelo governo elevar a taxa de juros para conter o excesso de demanda, o que se reflecte na política cambial. Assim, a taxa de juros precisa estar alinhada com os padrões internacionais – de salientar que o valor da taxa de juros real do País é inquietante, levando em conta que entre 40 países emergentes e desenvolvidos a taxa média real anual é de 0,7% enquanto no Brasil a taxa real se situa em 5% ao ano. É positivo que o governo, através do Ministério do Planeamento, tenha, a 20 de Maio de 2010, confirmado o corte adicional de R$ 10 biliões no orçamento, aumentando a previsão de crescimento da economia de 5,2% para 5,5% para 2010. Os dados fazem parte do Relatório Bimestral de Avaliação Orçamentária, documento no qual o Ministério do Planeamento revê os gastos e despesas do governo de acordo com o desempenho da economia no período. A informação sobre o corte já havia sido antecipada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, na semana passada. É a segunda redução de despesas anunciada este ano. Em Março, o governo bloqueou R$ 21,8 biliões - o maior contingenciamento promovido na gestão Lula. O objectivo do corte é ajudar a reduzir o ritmo de actividade da economia brasileira, já que uma expansão próxima de 7%, conforme previsões dos bancos, está acima da capacidade do sector produtivo nacional em fornecer mercadorias e serviços, o que levaria a um aumento da inflação. Dados do Banco Central divulgados esta semana mostram que a economia cresceu quase 10% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado. Há ainda que ter em conta a dívida federal. O segundo empréstimo de R$ 80 biliões do Tesouro Nacional ao Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (Bndes) fez um estrago na dívida pública federal (DPF). O stock da dívida chegou, em Abril, a R$ 1,5 trilião com a emissão de R$ 74,33 biliões em títulos para a liberação da primeira parcela do segundo empréstimo ao banco estatal. Em apenas um mês, o stock da DPF, que inclui a dívida pública interna em títulos e a externa, subiu de uma vez R$ 89,94 biliões e atingiu R$ 1,58 trilião. O aumento do endividamento só não foi maior porque a dívida pública externa caiu R$ 2,58 biliões ao longo do mês. O impacto do empréstimo ao Bndes influenciou directamente o stock da dívida interna em títulos, que saltou R$ 92,53 biliões de Março para Abril. Foi a maior elevação da dívida interna num único mês, desde o início da série histórica do Tesouro, em Dezembro de 1999: 6,61%. Em Maio, a dívida sofre novamente os efeitos do empréstimo ao Bndes com a emissão de mais R$ 5,6 biliões de títulos para a segunda e última parcela. Desde o início da crise financeira internacional, o stock da dívida interna já teve uma alta de R$ 269 biliões até Abril deste ano. Boa parte do aumento foi decorrente dos dois empréstimos feitos pelo Tesouro ao Bndes, que juntos somam R$ 180 biliões. A decisão de capitalizar o banco via empréstimos de longo prazo tem com objectivo aumentar a capacidade de financiamento de projectos de investimento. Mas a decisão de política económica que trouxe impacto na dívida bruta do sector público tem aumentado a desconfiança dos analistas em relação à política fiscal do governo depois da crise. As agências internacionais de risco vêm fazendo alertas recentes para o problema e já avisaram que estão atentas à relação entre governo federal e Bndes.
Ao anunciar na quinta-feira os dados, o coordenador de Planeamento Estratégico da Dívida Pública, Octávio Ladeira de Medeiros, avaliou que o empréstimo ao Bndes não compromete a imagem do Brasil perante as agências. Segundo Medeiros, não há risco de rebaixamento da nota do país, que já recebeu o grau de investimento das três principais agências.
Na avaliação do coordenador, o elemento central que faz com que as agências fiquem tranquilas e se sintam confortáveis é a trajectória projectada de queda da dívida líquida e bruta do sector público prevista na Lei de Directrizes Orçamentária (LDO) e as metas de superávite das contas do sector público previstas para até 2013. Medeiros destacou que a LDO já prevê uma meta de 3,3% do PIB de superávite primário de 2011 a 2013.
3. No mundo actual será o Brasil uma potência? Porquê?
Resposta: Na actual sociedade internacional e em função do seu peso económico e da sua política externa activa e assertiva, o Brasil pode ser considerado uma potência: regional sem dúvida e possivelmente global. os fundamentos da economia brasileira têm-se apresentado sólidos para enfrentar esses distúrbios[5], até pelo aparecimento de um fenómeno social novo: o nascimento de uma classe média oriunda das massas de baixa renda, responsável pelo consumo interno do país, assim contribuindo para o aquecimento global da economia brasileira[6]. Na sexta mensagem anual encaminhada, a 6 de Fevereiro de 2008, ao Congresso Nacional, por ocasião do início do ano legislativo, quando a Câmara e o Senado retomam oficialmente as actividades, após as férias de Verão, o presidente Lula, reconhecendo todavia a existência, no cenário internacional, de riscos para o crescimento da economia brasileira, avaliou que o impacto desse cenário sobre o país seria limitado, em virtude da “demanda doméstica robusta”[7] e da “solidez das contas externas”[8], tendo as Nações Unidas, em 2007, incluído o Brasil, pela primeira vez, no grupo de países com alto índice de desenvolvimento humano. O mesmo Brasil que, segundo informações oficiais de Fevereiro de 2008, torna-se hoje, pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial[9], credor internacional, em virtude do valor das suas reservas ser superior ao volume da dívida externa. O crescimento do PIB do país, em 2009, rondou os 3%[10] - um nível inferior ao dos restantes BRIC, mais ainda assim bastante significativo para um país em desenvolvimento. A formação bruta de capital, no Brasil, aumentou expressivamente, os investimentos directos estrangeiros entraram em grande volume[11] e as reservas internacionais do Brasil situaram-se, em Dezembro de 2008, em $ 206,8 mil milhões[12], nível nunca antes alcançado pelo país. Ademais, o Brasil melhorou a sua capacidade de suportar os choques externos e o governo brasileiro prevê, mesmo, que o país, em até dez anos, assuma a liderança mundial na exportação de etanol e soja, superando inclusive os EUA no ranking do comércio internacional destes produtos, reforce a sua liderança na venda de açúcar e registe um salto nas exportações de milho[13]. O Brasil ultrapassou já os EUA em matéria de produção de ferro e café, tornando-se o maior produtor mundial destes bens, sendo ainda o maior produtor do mundo em biocombustíveis, sumo de laranja concentrado, carne de vaca e carne de aves[14]. O Brasil, pela primeira vez, produziu mais carros de passeio do que os EUA, que foram castigados pela crise financeira internacional. No ano passado, enquanto os EUA produziram 2,249 milhões de automóveis, o Brasil tirou de suas fábricas 2,576 milhões de unidades, ficando em quinto lugar no ranking mundial, um à frente dos EUA. Note-se que, em 2008, os EUA produziram 3,924 milhões de carros de passeio e o Brasil, 2,545 milhões. Há dez anos, a proporção era de 5,637 milhões de unidades para os americanos e de apenas 1,1 milhão para os brasileiros. O Brasil, uma das maiores democracias do mundo, largamente conhecido como o país do futuro, nunca alcançava esse futuro, em virtude das crises económicas e políticas. Agora, esta situação tem-se alterado. Galardoado como investment grade status pela Agência Financeira Standard & Poor[15], em Maio de 2008, o Brasil assume-se como um país sério, que tem adoptado políticas sérias, que cuida das finanças com seriedade, merecendo, por conseguinte, a confiança internacional, como Lula afirmaria após o anúncio da Standard & Poor[16]. As descobertas de petróleo que têm sido feitas pela Petrobrás contribuem para esta situação, podendo elevar o Brasil ao estatuto de grande produtor de petróleo. De acordo com o prestigiado jornal britânico The Guardian, «South America`s sleeping giant is finally waking up»[17]. Depois da Standard & Poor, foi a vez de outras consultoras avaliarem positivamente a economia brasileira. A 22 de Setembro, a agência de classificação de risco Moody`s anunciou que os papéis do Brasil são confiáveis para investir e que a crise internacional não provocou grande impacto sobre o mercado brasileiro de acções. Algo que os investidores já sabiam, pelo que nem sequer o índice Ibovespa registou qualquer reacção, numa aparente indiferença do mercado. Na realidade, a Moody`s apenas veio confirmar que o Brasil é bom pagador e a economia brasileira, cada vez mais forte, não foi afectada de maneira significativa pela crise económica mundial. Deve dizer-se que a própria Fitch Rating, em Maio de 2008, já havia explicado que a elevação do rating reflectia a melhoria das contas externas e do sector público do Brasil, o que terá reduzido a vulnerabilidade do país a choques externos e de câmbio, fortalecendo a estabilidade macroeconómica e melhorando as perspectivas de crescimento para o médio prazo. No mesmo período, a agência canadiana DBRS tomou idêntica decisão. As agências mundiais têm, assim, seguido a análise pioneira da Standard & Poor, que em Abril de 2008 colocara o Brasil na lista dos países seguros, elevando a nota do país de BB+ para BBB- (no item «moeda estrangeira a longo prazo»). No quesito «moeda local a longo prazo», a Standard & Poor havia elevado o Brasil de BBB para BBB+ e o rating para «moeda local de curto prazo» foi ajustado de B para A-3. Apenas se mantêm as ressalvas de todas as agências relativamente à dívida pública, que é maior no Brasil do que em outros países BBB, bem como do desequilíbrio da balança fiscal, tratado com cuidado pela mais recente avaliação, da Moody`s. Não obstante este senão, todas as avaliações têm significado o reconhecimento da maturidade das instituições do Brasil e da política monetária, bem como da melhoria das tendências de crescimento do país. A verdade, porém, é que, se o Brasil pretende assumir-se como uma potência que ultrapassa os limites regionais, deverá apostar em todos os vértices do poder. Não chega ter peso geo-económico, uma economia pujante, assente numa população numerosa e cada vez mais bem formada, um soft power bem manejado, uma influência política cada vez mais evidente. É necessário ter umas Forças Armadas que estejam à altura dos desafios que se colocam às novas potências. Não obstante ter deixado de ser o quesito central na atribuição do qualificativo de potência, o poder militar é um dos tabuleiros da tridimensionalidade das actuais relações internacionais. E, neste, os EUA jogam sozinhos e lideram sozinhos. Facto é que o orçamento brasileiro destinado às Forças Armadas em 2007 (2,6% do PIB) foi de cerca de metade do que lhe havia sido destinado em 1995 (4,9% do PIB)[18]. Na Força Aérea, 88% dos aviões têm mais de quinze anos e apenas 37% estão aptos a combater, enquanto na Marinha, dos vinte e um navios de guerra existentes, somente dez estão operacionais, o mesmo sucedendo a dois dos cinco submarinos[19]. No Exército, a situação é ainda mais dramática: as nove baterias antiaéreas que o país dispõe estão fora de combate, enquanto os tanques M 11 são do tempo da guerra da Coreia (1951-53), inúteis, pois, numa guerra moderna[20]. Ademais, o Brasil tem, nos últimos anos, perdido a liderança, entre os Sul-Americanos, em matéria de investimento nas Forças Armadas. Em 2005/2006, o país que mais investia nas Forças Armadas era o Equador (com 3,7% do PIB), seguido pelo Chile (3,5% do PIB), pela Colômbia (3,3% do PIB) e pela Bolívia (2,2% do PIB). O Brasil só aparecia em quinto lugar, com 1,8% do PIB a ser investido em equipamento militar, à frente apenas da Venezuela (1,7% do PIB) e da Argentina (1,1% do PIB)[21]. Ainda assim, o Brasil consegue manter a liderança militar na América do Sul, com 630 pontos[22] em 2006/2007. Bastante à frente do segundo colocado, o Peru (com 449 pontos), o Brasil tem vindo, todavia, a perder pontos, já que em 2004/2005 somava 653 pontos (23 pontos a mais que em 2006/2007). Tal como o Brasil, também a Argentina desceu de 419 para 402 pontos, a Colômbia de 314 para 303 pontos e o Equador de 254 para 244 pontos. Peru, Chile e Venezuela aumentaram os pontos de 2004/2005 para 2006/2007, sendo particularmente relevante o aumento de 34 pontos alcançado pela Venezuela, que passou de 282 para 316 pontos[23]. Com 290 000 homens, o Brasil é hoje o décimo quinto maior efectivo militar do mundo em termos absolutos, perdendo apenas para os EUA, com 1,4 milhão de homens. Em termos relativos[24], porém, o Brasil, com 1 650 homens por cada milhão de habitantes, surge atrás do Chile (o primeiro colocado, com 5 500 homens por cada milhão de habitantes), dos EUA, de Cuba, da Colômbia, da Venezuela, do México e da Argentina[25]. Por muito que custe aos dirigentes brasileiros actuais, ainda muito próximos da vivência ao tempo da ditadura militar (1964-1985) – cujo fim trouxe o total desinteresse pelas questões militares, então secundarizadas na vida pública do país, ainda hoje consideradas politicamente incorrectas – a verdade é que as elites governantes brasileiras e a sociedade civil brasileira terão de resolver consigo próprias o tabu em que se tornaram as questões militares. Pois se é certo que o poder militar é hoje apenas um dos tabuleiros das relações internacionais, não é menos certo que ele continua a ser um dos aspectos essenciais que ditam a atribuição do qualificativo de potência mundial. Se o Brasil ambiciona esse qualificativo, não poderá limitar-se a jogar nos dois outros tabuleiros e deixar isolados os EUA no primeiro de todos. Terá de apostar numa actuação tripla, porque tridimensional é hoje a sociedade internacional.
4. Quais os possíveis componentes de uma visão estratégica brasileira?
Resposta: Existe uma visão estratégica brasileira, centrada, sobretudo, na defesa da Amazónia, nas relações em eixo com a Argentina em torno do fortalecimento do Mercosul e da integração sul-americana sob desenho brasileiro, e no relacionamento diversificado do país em termos multilaterais, com o Brasil a apostar, particularmente, na relação com os países emergentes. Por outro lado, o Brasil tem apostado também na discussão de temas políticos, procurando alargar a sua inserção internacional, tradicionalmente assente no vector económico, ao defender a sua inclusão como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, uma voz mais audível no FMI e, até, uma eventual inclusão na OPEP, em função das descobertas recentes de petróleo. Há, todavia, um fosso enorme entre o Brasil económico e o Brasil militar, o que dificulta a efectivação dessa visão estratégica. Se o país é hoje uma economia emergente, que actua na sociedade internacional em conformidade com esse poder económico; em termos militares a capacidade de actuação do Brasil é reduzida, ou mesmo nula. Desde o fim do regime militar brasileiro, em 1985, que os governantes brasileiros têm vindo a argumentar que o Brasil é um país pacifista, inserido num sub-continente pacífico, uma América do Sul que não assiste a guerras desde o fim da Guerra do Paraguai em 1871. Razão pela qual o país não necessita de desenvolver uma efectiva capacidade militar. Esta tem sido a postura oficial do Brasil, embora a actual política de aquisição de material bélico comece a sinalizar noutro sentido. Destaque-se, por exemplo, a cooperação aeronáutica da França com o Brasil. Em Setembro de 2009, Lula assinou, com Nicholas Sarkozy, um acordo para a aquisição, pelo Brasil, de 36 caças Rafaele franceses, podendo a França vir a participar no Programa KC-390, da Embraer, com o apoio no desenvolvimento e na compra de pelo menos 10 aviões. Facto é que, como referido já, se o Brasil se pretende assumir como potência global, terá de investir e apostar, também, em poder militar.
5. Será que o Brasil, seguindo a política actual, conseguirá ultrapassar os grandes problemas internos, no que respeita à pobreza existente incluindo os sem terra?
Resposta: De acordo com o enunciado nas 1ª e 2ª respostas, se o Brasil seguir mantendo a actual política e, ao mesmo tempo, realizar as reformas necessárias, estará em posição de ultrapassar os actuais problemas internos relativos à pobreza. Mas é necessário que o Brasil realize as referidas reformas, pois necessita de alguns ajustes: reduzir as despesas, aumentar o investimento em infra-estruturas, facilitar o acesso ao crédito por parte dos produtores rurais e dos empreendedores em geral e estimular as empresas a cumprir com a legislação. Facto é que, não obstante a necessidade desses ajustes, o Brasil tem percorrido um excelente caminho e as perspectivas são muito positivas. Espera-se, mesmo, que a Standard & Poor e a Fitch melhorem ainda mais as notas atribuídas ao país, até porque a política económica que o Brasil tem seguido tem-se mostrado acertada, capaz de responder às actuais pressões através de um uso adequado das suas reservas internacionais, da venda de Dólares nos mercados e da liberação de créditos compulsórios. Segundo Eduardo Pocetti, da BDO Trevisan, “se os acertos forem mantidos e os ajustes necessários se efectivarem [o Brasil] ingressará de vez no selecto grupo das nações desenvolvidas”. Pocetti vai mais além, numa nota de esperança que partilhamos: “potencial nós temos e estamos provando que o país do futuro finalmente se dispôs a desempenhar o papel de «país do presente»”.
[1] Dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Pesquisa. Colectados no IBGE – Brasília, durante o mês de Abril de 2007.
[2] Cfr. Programa de Aceleração do Crescimento, segundo governo Lula, Janeiro de 2007.
[3] Cfr. Idem.
[4] Cfr. SILVA, Luiz Inácio Lula; Discurso de Posse, 1 de Janeiro de 2007.
[5] A 11 de Março de 2009, o director executivo do FMI, Paulo Nogueira Batista, que representa o Brasil e outros países sul-americanos no FMI, afirmou perante o presidente Lula que «o Brasil está bem, apesar dos efeitos da crise». Cfr. Mário Miranda, Agência Lusa, de Lisboa, 11 de Março de 2009.
[6] Segundo o presidente Lula, esta classe média é já maioria, representando 52% de toda a sociedade brasileira. Cfr. LULA DA SILVA; Colocar B em BRIC, O Mundo em 2009, The Economist, pp. 58.
[7] Cfr. LULA DA SILVA, Mensagem encaminhada ao Congresso Nacional, 6 de Fevereiro de 2008.
[8] Cfr. Idem.
[9] No final da Segunda Guerra Mundial, houve um curto período em que o Brasil também viveu o papel de credor internacional. Durante o conflito, o país havia acumulado um grande saldo externo, que o governo Vargas pretendia utilizar como recurso para a recuperação tecnológica da indústria. Entretanto, porém, em apenas dois anos (1946 e 1947), a política económica liberal do presidente Eurico Gaspar Dutra, de liberdade cambial e abertura do mercado nacional, gastou aquelas reservas com a importação livre de supérfluos, fazendo regredir a situação creditícia que o Brasil teve por um curto espaço de tempo. Hoje, a dívida externa volta a ser inferior às reservas nacionais, como não sucedia no país desde o fim do Segundo Grande Conflito Mundial. Mas a situação actual tem também uma forte fragilidade, em razão do crescimento da dívida interna, remunerada a juros extremamente elevados, e do papel do investimento estrangeiro, que se beneficia daqueles juros, na formação das reservas. Esta situação origina uma grande emissão de títulos federais para ''esterilizar'' o meio circulante dos Reais constantemente emitidos para fazer o câmbio. Os títulos assim emitidos a juros altos são comprados pelos aplicadores, sendo a diferença custeada pela emissão de mais títulos e pela maior necessidade de superávite primário no orçamento público. Assim, enquanto é criado património financeiro privado, a dívida pública interna vai crescendo, decorrente de uma política monetária muito restritiva, que não permite que os Reais assim gerados circulem na economia financiando a produção e aumentando o consumo. Em resumo, se as taxas de juros não fossem tão altas e a política monetária mais expansiva, a atracção do ganho fácil não traria tantos Dólares ao Brasil, mas haveria mais Reais em circulação e menos dívida pública a sufocar o Estado brasileiro. A política económica, que ajudou a gerar a grande reserva externa, é, assim, também, a responsável pela própria fragilidade. Na verdade, no passado, a confortável situação de credor internacional durou, para o Brasil, apenas dois anos. Quantos irá durar a situação actual?
[10] Em 2007, a previsão da Administração Lula era de um crescimento do PIB de 5%. No final de Agosto de 2008, esse valor baixou para 4,5%, tendo o governo actualizado as previsões, no final de Novembro de 2008, para cerca de 3,7% e 3,8%, pela voz do ministro Paulo Bento, do Planejamento.
[11] A 26 de Janeiro de 2009, o Banco Central do Brasil informou que, em 2008, os investimentos directos estrangeiros (IDE) atingiram o patamar recorde de $ 45 mil milhões, o máximo alcançado desde 1947
[12] Segundo dados do Banco Central do Brasil de Janeiro de 2009.
[13] O boom das commodities, designadamente de soja, é particularmente relevante no estado do Mato Grosso, que se transformou na vanguarda da marcha brasileira em direcção a um novo lugar na sociedade internacional global.
[14] Cfr. BRIDGES, Tyler; Brazil no Longer Long on Potential and Short on Performance, in Miami Herald, 12 de Novembro de 2008.
[15] Cfr. The Country of the Future Finally Arrives, in secção financeira do The Guardian, 10 de Maio de 2008, pp. 41.
[16] Afirmação de Lula, in idem, ibidem.
[17] Cfr. Idem, ibidem.
[18] Segundo dados do Centro de Comunicação do Exército brasileiro em Março de 2009.
[19] Cfr. Idem.
[20] Cfr. Idem.
[21] Segundo dados da Military Power Review.
[22] A Military Power Review atribui pontos em função da quantidade e qualidade dos equipamentos e em função do tamanho do contingente militar de cada país.
[23] Segundo dados da Military Power Review.
[24] Em termos absolutos são contados os efectivos existentes em termos numéricos apenas. Em termos relativos essa contagem é feita com relação à população do país. Assim, em termos relativos conta-se o número de militares existentes por cada milhão de habitantes do país.
[25] Segundo dados do Centro de Comunicação do Exército brasileiro em Março de 2009.
Subscribe to:
Posts (Atom)