Saturday, September 29, 2007

O Antiamericanismo dos Latinos-Americanos

O ANTI-AMERICANISMO DOS LATINO-AMERICANOS


Nos últimos meses, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou dois pacotes de sanções exigindo que o Irão suspendesse o seu programa nuclear, ao que Teerão respondeu não cumprir as exigências, alegando pretender, apenas, enriquecer urânio para fins pacíficos; facto que tem suscitado, em alguns Estados no seio da ONU, a ideia de impor um terceiro pacote de sanções contra o Irão.
Foi neste ambiente, acirrado pelas críticas dos Estados Unidos e da França – que chegaram a afirmar dever o Irão de Mahmoud Ahmadinejad preparar-se para o pior (e o pior é a guerra) caso obtenha, de facto, armas nucleares –, que o presidente iraniano, após controvertida participação na 62ª Assembleia Geral da ONU, rumou para a Bolívia de Evo Morales e, de seguida, para a Venezuela de Hugo Chávez, o Equador de Rafael Correa e a Nicarágua e Daniel Ortega, com os quais viria a reforçar a aliança anti-EUA, obtendo respaldo ao seu programa nuclear.
Na realidade, confrontado com as potências ocidentais em virtude desse programa nuclear, o Irão vem conquistando influência junto à esquerda anti-americana que avança na América Latina. É evidente que a aproximação entre a Bolívia e o Irão é recente. Esta foi a primeira vez que um mandatário iraniano visitou a Bolívia, tendo os dois países estabelecido relações diplomáticas apenas no início deste mês de Setembro, após uma visita do chanceler David Choquehuanca a Teerão. Da estadia de três horas de Ahmadinejad em La Paz resultaram, todavia, acordos de cooperação nas áreas energética, comercial e agrícola, o mais importante dos quais prevendo a criação de um fundo de US$ 1 bilião para, ao longo dos próximos cinco anos, ser desenvolvido um plano de cooperação industrial entre os dois países. Do mesmo modo, o Irão anunciou a criação de uma linha de financiamento de US$ 100 milhões para auxiliar a Bolívia nas áreas relativas à transferência de tecnologia, indústria, comércio e gestão empresarial, ainda que seja possível que o principal interesse iraniano na Bolívia resida nas jazidas de materiais radioactivos e na exploração de lítio e urânio na região andina do país.
Em declaração conjunta, Morales e Ahmadinejad disseram-se a favor do «desenvolvimento de energia nuclear para fins pacíficos no marco do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, como um meio que pode contribuir significativamente ao desenvolvimento económico e tecnológico dos seus povos», promovendo a «construção de um mundo multipolar para assegurar um maior equilíbrio e democratização das relações internacionais».
A relação com a Venezuela é um pouco mais antiga, mas não muito. Desde as presidenciais iranianas de 2005 que o Irão e a Venezuela têm desenvolvido relações privilegiadas, tendo assinado acordos económicos bilaterais no valor de US$ 10 000 milhões, a maior parte dos quais para projectos petrolíferos na Venezuela. A verdade, todavia, é que desde 2001 que os dois países assinaram 180 acordos comerciais, na perspectiva de investimentos futuros de mais de US$ 20 biliões, numa relação que se afirma cada vez mais estreita e pretende, agora, estender-se à área nuclear.
Certo é que, a este propósito, o Centro de Estudos Políticos de Washington já acusou Chávez, no final da primeira quinzena deste mês, de procurar alianças hostis aos Estados Unidos, como com o Irão e a Coreia do Norte, e com nações que, como a China e a Rússia, cada vez mais se opõem aos interesses norte-americanos.
Corroborando esta ideia, o presidente colombiano, Álvaro Uribe, em discurso a empresários norte-americanos em Nova Iorque, no dia 27 de Setembro, contrapôs o seu governo ao que o próprio chamou de ditaduras da América Latina, referindo-se a Chávez e Morales, ainda que sem citar nomes, em clara alusão à recusa de Chávez em renovar a licença do popular canal televisivo da oposição, o RCTV, em Maio último.
Não obstante, o certo é que Uribe e Chávez iniciam uma aproximação, tendo-se o presidente venezuelano, em Agosto, oferecido para mediar as negociações entre Bogotá e as Farc para a troca de 45 reféns do grupo guerrilheiro colombiano por cerca de 500 guerrilheiros detidos, o que foi aceite por Uribe.
Em todo o caso, a aliança entre Chávez e Ahmadinejad, contra os EUA, está composta. Depois de caloroso abraço em frente ao Palácio Presidencial de Caracas, numa recepção transmitida em directo pela TV local, os dois líderes declararam que, juntos, não serão derrotados por ninguém, já que “o imperialismo não tem outra escolha: ou respeita os povos do mundo ou aceita a derrota”, acrescentando, depois, que os dois países “continuarão a resistir até ao fim do imperialismo, cuja era acaba agora”.
É evidente que, considerados os principais inimigos dos EUA na esfera diplomática, a Venezuela e o Irão, assim como a Bolívia, abrem sérios problemas na agenda internacional norte-americana, até porque também outros países da região governados pela esquerda, como Cuba, Nicarágua e Equador, estão unidos com o Irão num movimento revolucionário global, enquanto os EUA procuram isolar internacionalmente o Irão.
A verdade é que a busca iraniana de apoios entre os populistas latino-americanos tem tido os seus frutos. Também o presidente equatoriano, Rafael Correa, pretende estreitar laços com Teerão, tendo sido já anunciada, para breve, a abertura da primeira embaixada iraniana em Quito. Do mesmo modo, Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, já aceitou investimentos iranianos em infra-estrutura, exportando carne, café e bananas para o Médio Oriente, como contrapartida.
As dificuldades dos EUA na região latino-americana adensam-se, deste modo, de forma seguramente relevante. A visita do ministro brasileiro dos Negócios Estrangeiros, Celso Amorim, à Venezuela, a 29 de Setembro, não ajuda muito, neste contexto. De regresso a uma visita a El Salvador, onde foi procurar estreitar as relações do Brasil com a América Central, Amorim deslocou-se a Caracas para discutir, com o seu homólogo Nicolás Maduro, na sequência do encontro Lula-Chávez realizado em Manaus, a 20 de Setembro último, os temas mais directamente ligados à integração regional, como a cooperação energética e técnica, o comércio bilateral e a institucionalização da Comunidade Sul-Americana de Nações e do Banco do Sul. O objectivo central da visita foi, no entanto, certamente, a aprovação do Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul, que apenas a Argentina e o Uruguai aceitaram já. O Congresso brasileiro não ratificou ainda este protocolo – atraso que tem sido criticado por Chávez, que o atribui aos interesses do império norte-americano – por considerar o presidente venezuelano um ditador, manifestando-se a oposição brasileira contrária à aproximação entre Lula e Chávez, apesar de essa ser a vontade da Administração Lula.
Assinado desde Julho de 2006, o Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul só ainda não entrou em vigor em virtude da sua não ratificação pelo Congresso brasileiro e, por arrastamento, também do Paraguai, sendo certo ter a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados pedido mais tempo para estudar o caso, adiando para Outubro a votação do tratado de adesão da Venezuela. Outubro já lá vai e a votação não teve lugar. Seja como for, a realidade é que a aproximação entre o Brasil e a Venezuela tem sido evidente, não apenas em termos económicos – com as exportações brasileiras para a Venezuela a saltarem de US$ 608 milhões em 2003 para US$ 3 500 em 2006, e as venezuelanas com destino ao Brasil de US$ 275 milhões para US$ 591 milhões, nesses mesmos três anos – como também, e sobretudo, em termos políticos, criando grandes dificuldades aos EUA de George W. Bush. Prova disso foi o périplo do presidente norte-americano pela região, com grande atenção dada ao Brasil, em função da evidente tentativa de angariar aliados, no sub-continente, para neutralizar Hugo Chávez. Sem êxito, para já.

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