Tuesday, December 5, 2006

Reeleição de Hugo Chávez na Venezuela e sua Influência nas Américas do Sul e Central

A ESPECIFICIDADE VENEZUELANA – VIRAGEM À ESQUERDA NA AMÉRICA DO SUL?


Reeleito com 61,35% dos votos válidos, Hugo Chávez venceu as presidenciais de 3 de Dezembro na Venezuela, frente ao principal adversário, Manuel Rosales, que se ficou pelos 38,39% dos votos.
É a nona vitória, nas urnas, do ex-coronel de pára-quedistas que liderou uma tentativa frustrada de golpe de Estado em 1992, e que já fala em reeleger-se indefinidamente, ao propor a alteração da Constituição nesse sentido. Manuel Rosales, por sua vez, ex-governador do estado de Zúlia, o mais rico da Venezuela, também apoiou um golpe fracassado contra Chávez, em Abril de 2002. De modo que, em última análise, são ambos golpistas que nada trazem de novo às eleições venezuelanas. Porventura, a maior novidade destas foi o ressurgimento de uma oposição forte, com o consequente retorno da política, após as eleições legislativas do ano passado, boicotadas pela oposição e nas quais a abstenção superou a marca dos 75%, tendo sido eleita uma Assembleia Nacional cem por cento chavista.
Seja como for, reeleito para um terceiro mandato, com expressiva diferença face a Rosales, Chávez possui, agora, todo o capital político de que necessita para conduzir a Venezuela rumo à Revolução Bolivariana, conforme prometera ao povo, a quem garantira também a realização de programas sociais multibilionários, como a comida subsidiada, a educação universitária gratuita e os benefícios, em dinheiro, para as mães solteiras; programas sociais que lhe permitiram arregimentar fiéis seguidores entre a classe pobre.
Centrada sobre a redistribuição das riquezas do país, principalmente o petróleo, entre os pobres, Chávez promete expandir a Revolução, rumo ao que o próprio denomina de “Reino do Socialismo Venezuelano”, tendo, mesmo, dedicado a vitória ao histórico líder cubano, Fidel Castro, ao mesmo tempo que fustigou a Administração Norte-Americana, afirmando ter a Venezuela dado uma “lição ao imperialismo americano”.
Evidentemente,o petróleo compõe uma importante base de sustentação do governo Chávez. Após a longa greve do sector petrolífero em 2002 e 2003, Chávez assumiu o controlo da companhia estatal Petróleos de Venezuela (PdVSA), colocando-a a serviço dos seus programas sociais, o que, se acirrou críticas, permitiu que o presidente erradicasse o analfabetismo e oferecesse educação e assistência médica com o apoio de trinta mil médicos cubanos (em troca dos quais Chávez oferecia petróleo barato a Cuba). Trata-se, na realidade, de um puro petropopulismo, como tem vindo a ser designada a actuação interna de Chávez, colocando o petróleo totalmente a serviço dos programas sociais populistas que o presidente vai criando. Na verdade, a Venezuela tem a segunda maior reserva de petróleo fora do Médio Oriente, apenas atrás do Canadá. A elevação dos preços do petróleo, em virtude do aumento do consumo na Ásia, das crises nas regiões produtoras mais importantes, como o Médio Oriente, e dos furacões no Golfo do México, têm reforçado consideravelmente a liquidez da Venezuela. E isto, por sua vez, tem permitido a Chávez realizar a sua Revolução Bolivarista. Porém, não lhe rendeu o tão desejado assento rotativo no Conselho de Segurança das Nações Unidas, já que os Estados Unidos trabalharam contra a Venezuela, apoiando a Guatemala.
Contudo, não é apenas o petróleo que compõe importante base de sustentação do governo Chávez. Segundo o Programa de Governo, as Forças Armadas assumem-se, também, como base dessa sustentação, embora não se saiba, ainda, com clareza, que papel irão ter na Revolução Bolivariana, até porque os militares demonstram ter uma visão mais conservadora que a de Chávez, embora venham sendo bastante favorecidos pelo presidente. Saber, pois, como reagirá esta classe permanece, naturalmente, ainda, uma incógnita a desvendar.
O certo é que Chávez propõe, no seu Programa de Governo, incentivar a criação de mais cooperativas para atender ao sector dos serviços, reduzir a fiscalidade para as microempresas, investir na construção civil, com obras públicas e casas populares, tudo com o intuito de criar empregos.
Em matéria agrícola, Chávez propõe-se estimular a produção de pequenas propriedades, através da formação de novas cooperativas, ao mesmo tempo que busca preservar a propriedade privada, mas com a regulamentação dos lucros de forma a reajustar a distribuição da riqueza. Especificamente em relação ao petróleo, propõe Chávez o investimento na exploração das reservas do Nordeste do país, bem como acelerar a construção de três novas refinarias, que elevariam a produção de 3 para 3,5 milhões de barris/dia.
Propondo reformas políticas, Chávez pretende, antes de mais, emendar a Constituição no que concerne ao limite de uma única reeleição, o que lhe permitiria, eventualmente, prolongar, para lá de 2011, a sua estada no poder. Propõe, ainda, no âmbito da reforma política, a possibilidade de serem aplicadas sanções aos partidos que se retirarem das eleições, assim como regras mais rígidas relativamente à comunicação social.
No sector externo, e depois de, em Abril deste ano, ter anunciado a saída da Venezuela da Comunidade Andina de Nações, como protesto aos acordos de livre comércio que o Peru e a Colômbia (também eles membros da Comunidade) assinaram com os Estados Unidos, Chávez pretende ampliar e fortalecer a ALBA (com Cuba, Bolívia e a eventual adesão da Nicarágua), consolidar a integração no MERCOSUL, para onde entrou em Julho, investir nos laços com a China e diversos Estados do Médio Oriente, bem como continuar a desafiar a influência norte-americana sobre as Américas do Sul e Central, fortalecendo a unidade sub-continental. Assim, na primeira viagem que fará ao estrangeiro, depois de reeleito, Chávez encontrar-se-á, amanhã, com o presidente Lula, no Brasil, procurando acelerar os diversos projectos bilaterais ou de parceria, não só com o Brasil, mas também com outros países da região, dentre os quais a criação de uma entidade financeira internacional (o Banco do Sul). Pretende Chávez, depois, dirigir-se, com Rafael Correa, que entretanto irá ao Brasil nesta Quinta-feira, e Lula, partir para Cochabamba, na Bolívia, onde decorrerá, Sexta-Feira e Sábado, a Cimeira da Comunidade Sul-Americana (a “Casa”).
Tudo parece correr favoravelmente para a política externa brasileira, empenhada em estender a integração do Cone Sul a toda a América do Sul e a toda a América Central. Porém, resta ver em que termos esta integração será proposta pelo recém-membro venezuelano e seus aliados, já que ao Brasil não interessa uma integração em modelo anti-americanista e, de facto, a entrada da Venezuela para o MERCOSUL coloca novos desafios ao processo regional de integração, que carece de institucionalização rápida e aprofundada, para não se deixar enredar no personalismo político dos líderes nacionalistas, para os quais, quanto menos regras houver, tanto maior a margem de manobra de que desfrutam. Por outro lado, é necessário ter em atenção que a brasileira Petrobrás já foi obrigada a renegociar o seu contrato com a Venezuela, foi expropriada na Bolívia e deve enfrentar uma renegociação no Equador. Na verdade, o regresso de um nacionalismo agressivo inspirado no chavismo venezuelano não é propício à integração regional que o Brasil pretende levar a efeito, ainda que a recente vitória dos democratas no Congresso Norte-Americano seja positivo para o projecto brasileiro, uma vez que o sub-continente passa a ficar ainda mais distante das prioridades externas de Washington.
Apesar disto, e não obstante o discurso anti-americanista que tem guiado a política externa da Venezuela, e que Chávez promete, para consumo interno, vir a reforçar (contando, para tal, com o apoio de Rafael Correa, que promete vir a acabar com a base militar norte-americana de Manta, renegociar os contratos de petróleo, inclusive da Petrobrás, romper as negociações de livre comércio com os Estados Unidos e aderir ao MERCOSUL), o presidente venezuelano vem, na verdade, dando sinais de que estaria disposto a uma reaproximação política com os Estados Unidos, até porque a Administração Bush amenizou o discurso oficial para a região.
Efectivamente, o facto é que, embora Chávez venha tentando diversificar o leque de importadores do petróleo venezuelano, de modo a tornar-se menos dependente dos dólares dos Norte-Americanos, a verdade é que estes continuam a ser os seus maiores compradores, tendo-se as relações económicas entre a Venezuela e os Estados Unidos, por causa do petróleo, intensificado nos últimos anos. É verdade que a China aparece como uma via possível, assim como o Brasil e a Argentina. Porém, de todo o petróleo importado pela China, apenas 1% provém da Venezuela.
Será difícil, neste contexto, que um país internacionalizado como a Venezuela consiga conciliar a veia liberal com a implantação do socialismo. Será, no mínimo, uma tarefa ambígua, em pleno século XXI.
Por outro lado, a sociedade venezuelana não parece preparada para as transformações socializantes que o seu líder propõe. Afinal, o povo venezuelano tem, sem dúvida, uma tradição liberal que é difícil de alterar com comportamentos radicais. Muito certamente, estes comportamentos e, por conseguinte, a reeleição de Chávez, ficaram a dever-se, não à promessa de uma política socialista para a Venezuela, mas antes ao chamamento das políticas sociais prometidas, bem como à capacidade de liderança da figura de Hugo Chávez.
É, com efeito, facto consumado, que Chávez consolida a liderança que exerce sobre o bloco dos esquerdistas sul e centro-americanos, influenciando eleições em toda a sub-região, o que impõe desafios crescentes aos Estados Unidos, até mesmo porque tradicionais inimigos dos Norte-Americanos são aliados do líder venezuelano, como o Irão e a Síria.
Na verdade, a reeleição de Chávez significa a expressão de um processo mais amplo de transformações sociais e políticas em curso nas Américas do Sul e Central, como se torna fácil observar a partir da análise das recentes eleições ocorridas nestes Estados. Com efeito, a reeleição de Chávez encerra um ciclo de treze meses em que houve doze eleições presidenciais e eleições legislativas em treze países das Américas Central e do Sul. O que, porventura, permite-nos alcançar duas constatações importantes. Em primeiro lugar, a democracia consolida-se no sub-continente, já que, de um modo geral, mesmo onde presidentes foram derrubados, como na Bolívia e no Equador, a eleição é vista como a única forma legítima de aceder ao poder, o que é bastante positivo para a região, sempre atormentada pelos fantasmas do autoritarismo e do caudilhismo, sendo certo que, nesta vaga eleitoral, apenas no México López Obrador recusou-se a aceitar o resultado do escrutínio, que apelidou de fraudulento, declarando-se, mesmo, o presidente legítimo. Em segundo lugar, a leva eleitoral da região permite-nos atestar que a voz dos pobres, excluídos e marginalizados torna-se audível na solicitação de políticas sociais mais activas, o que também é positivo para a região.
De facto, a tendência, hoje, pende para as forças oriundas das lutas sociais comprometidas com a soberania e a integração regional. Após um longo período de hegemonia neoliberal, com a eleição de direitistas adeptos dos Estados Unidos – Fernando Henrique Cardoso, Menem, Fujimori –, tornam-se evidentes os efeitos destrutivos e regressivos do neoliberalismo na região. Sob hegemonia do capital financeiro, o Institucionalismo Neoliberal devastou os Estados nacionais, reduziu os investimentos nas áreas sociais, desnacionalizou as economias, atacou os direitos dos trabalhadores, aumentou o desemprego, a violência e a miséria. Prometendo retirar a região do marasmo em que se encontrava, o Consenso de Washington, com os seus rígidos princípios de estabilização económica, abertura, redução do papel do Estado na economia e ajuste estrutural, criou situações insustentáveis em vários países. Na Venezuela, a riqueza do petróleo serviu à oligarquia, agravou os índices de pobreza e projectou a liderança de Chávez. Na Colômbia, foi o peso do narcotráfico, da explosão da violência e das guerrilhas que desestabilizou o Estado. No Uruguai, assistiu-se a uma inesperada regressão civilizacional. No Chile, a inserção capitalista neoliberal foi finalmente desmistificada. Na Argentina, a ditadura financeira causou destruição e, no Brasil, aumentou a vulnerabilidade e a dependência da economia.
Estas ocorrências ajudam a entender as recentes turbulências políticas e sociais da região (como as guerrilhas na Colômbia e Chiapas, os levantes insurreicionais que depuseram onze presidentes em cinco anos e os crescentes protestos de rua) e, em especial, ajudam a entender o fortalecimento, em curso, da esquerda. O desejo de mudança, de superação do neoliberalismo e a insatisfação social têm levado os excluídos a votar em militares rebeldes, em operários sindicalistas e em líderes indígenas e camponeses.
Assim, logo para começar, o ano de 2005 terminou, na região, com a eleição surpreendente do líder cocalero Evo Morales para a Presidência da Bolívia, numa antevisão daquilo que viria a passar-se em 2006, ano durante o qual a região assistiria a doze eleições presidenciais que alterariam o mapa político das América do Sul e Central.
Com efeito, cerca de 300 milhões, dos 365 milhões de habitantes da região viveram, durante algum tempo, sob governos de esquerda reformadora em alguns países, populista e radical noutros. A eleição de Morales – o primeiro indígena a alcançar a Presidência da Bolívia, confesso adepto de Hugo Chávez da Venezuela e de Fidel Castro de Cuba –, com uma maioria absoluta alcançada logo na primeira volta das eleições, influenciou, sem dúvida, as eleições nos países vizinhos. No Chile, a segunda volta das presidenciais, em Janeiro, deu a vitória renhida à favorita Michelle Bachelet, da coligação de centro-esquerda, a primeira mulher a ser eleita no país onde a política económica liberal era praticada desde Pinochet e onde, pela primeira vez, o Partido Socialista é maioria no seio da Concertación, a ampla aliança que derrubara a ditadura; em Março, no Haiti, René Préval foi o negro que subiu à Presidência; na Nicarágua, o líder da Revolução Sandinista nos anos 80, Daniel Ortega, voltou ao poder em Novembro; na Costa Rica, o prémio Nobel da Paz de 1978 e ex-presidente Óscar Árias foi reeleito para o cargo que deixara em 1990. No Brasil, foi a reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva, com 61% dos votos válidos, a marcar a viragem à esquerda, enquanto a Argentina de Kirchner permanece na mesma rota, entre a esquerda revolucionária e os neoliberais, fazendo superávite primário para controlar a dívida pública, mas impondo o controlo dos preços e outras medidas não ortodoxas, numa tentativa de governar, politicamente, a economia de mercado. No Uruguai, seria eleito Tabaré Vasquez e, no Equador, Rafael Correa, depois de uma campanha eleitoral agressiva entre dois candidatos que polarizaram, como poucas vezes, o eleitorado entre uma esquerda contrária aos Estados Unidos e uma direita oposta à Venezuela.
A compensação desta total viragem à esquerda na região foi a vitória, no Peru, de Alan Garcia Pérez sobre o ex-coronel Ollanta Humala, nas eleições de Abril; a sucessão, no México, de Vicente Fox por Felipe Calderón, em Julho; e reeleição de Álvaro Uribe, na Colômbia, para descanso da Administração Bush, que desde os ataques de 11 de Setembro de 2001 tem descurado a região, contando apenas com os apoios expressos do Paraguai e da Colômbia.
Esta viragem à esquerda nas Américas Central e do Sul pode significar, perfeitamente, uma politização da sociedade civil. Mas, mais do que isso e acima de tudo, a tão falada viragem à esquerda indica uma mudança significativa no panorama político e social da região, num cenário que demonstra um clamor da sociedade centro e sul-americana no sentido de colocar o tema da inclusão social na agenda das políticas públicas nacionais.
Evidentemente, vale lembrar que nem todas as esquerdas são iguais. Há, assim, uma esquerda que fez a transição do socialismo revolucionário e da luta armada para uma postura mais pragmática e moderada, digamos social-democrata, que aceita a economia de mercado ao mesmo tempo que enfatiza as políticas sociais. Estão neste grupo os presidentes Lula, Tabaré Vasquez, Michelle Bachelet e, tudo leva a crer, em virtude dos acordos feitos com os partidos de direita e com a Igreja, também Daniel Ortega. Há, por outro lado, a esquerda dos líderes que estavam de fora do sistema, os outsiders, que chegam para revolucionar, convocando Assembleias Constituintes para refundar o Estado, como Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa e mesmo os candidatos derrotados do Peru, Ollanta Humala, e do México, Andrés López Obrador. Entre os dois grupos, Néstor Kirchner, apontado anteriormente.
No entanto, afirma-se cada vez mais claro, perante a análise do actual cenário político-partidário das Américas Central e do Sul, que a efectiva transformação desta na rota do desenvolvimento só poderá ocorrer mediante a inserção social. Não deve nunca perder-se de vista que só haverá mudanças se houver estabilidade política e social e, para isso, são necessários canais efectivos de participação dos cidadãos. Só assim a trajectória esquerdista da América Central e da América do Sul poderá ser, efectiva e concretamente, positiva. Sendo certo que a frustração das esperanças que a população tem depositado nos novos líderes pode reverter esta guinada à esquerda que hoje luta pela soberania, pela integração, pela democracia e pela justiça social, em apoios extremados a políticos com características totalmente distintas ou, o que ainda é pior, num descrédito melancólico e numa decepção irreversível com a política entendida em sentido amplo e com os próprios políticos então entendidos como corruptos e mentirosos.

No comments: