Monday, November 21, 2011

aA PRESENÇA CRESCENTE DA CHINA NA AMÉRICA LATINA

É cada vez mais necessário, para os Latino-Americanos, debater a presença crescente da China na América Latina – uma presença que, de muitas formas, influencia o relacionamento dos países latino-americanos com a EU. Fundamentalmente, porque essa presença tem vindo a apresentar resultados mais tangíveis do que a retórica em que acaba por estar envolta a relação EU-América Latina. Especialmente desde os anos 1990, quando a China começou a erguer-se como motor da economia global. E é de facto a partir de então que as relações entre a República Popular da China e a América Latina começam a ganhar relevância. Daí que se pretenda fazer uma análise dessas relações, dos anos 1990 aos dias de hoje, sendo certo que, neste contexto, sobressai a presença crescente da China na América Latina, e não o inverso. De longe!
Neste sentido, deve partir-se da hipótese de que as relações sino-latino-americanas se tornaram possíveis graças à existência de coincidências e convergências entre os respectivos projectos nacionais, ao forte ritmo do crescimento chinês e às demandas chinesas por minérios, matérias-primas e energia, para fazer face a esse crescimento. Todavia, deve-se também considerar a hipótese de que tais relações têm tido efeitos perversos para os países latino-americanos, em função da sua assimetria. Uma assimetria visível a dois níveis: 1) a China exporta mais para a América Latina do que importa, o que dá origem a défices comerciais para esta região; 2) a China exporta produtos manufacturados e importa bens primários, o que provoca um desequilíbrio das contas latino-americanas, graças à deterioração dos termos de troca.
Detentora de uma excepcional massa crítica , a China tem vindo a apresentar, nos últimos trinta anos, um robusto crescimento económico, afirmando-se, hoje, como a segunda maior economia mundial . A política de reformas e abertura ao exterior aprovada e colocada em prática a partir de 1978, pelas mãos de Deng Xiaoping, foi a responsável por este crescimento económico, o qual, adicionado da estabilidade política interna, do grande potencial de crescimento do mercado interno e da posse de grandes reservas em moeda estrangeira, transformou a China na potência económica que hoje é, em 2001 admitida na Organização Mundial do Comércio (OMC) e considerada um BRIC por Jim O`Neill, economista do grupo norte-americano Goldman Sachs.
Suportadas nesta performance económica, as relações do gigante asiático com a América Latina têm-se reforçado, quer ao nível comercial, quer ao nível do aumento do investimento directo estrangeiro da China na região. De facto, se entre 1970 e 1980, todos os países da região, com excepção do Paraguai, já haviam reconhecido a RPC – o que representou uma mudança de perspectiva dos Latino-Americanos sobre a questão de Taiwan – em função do interesse mútuo de diversos grupos sócio-empresariais latino-americanos e chineses, foi a partir de 1978 que esse relacionamento se reforçou, intensificando-se, com Hu Jintao, em torno dos temas da energia, dos minérios e da infra-estrutura, ao mesmo tempo que a China reforçou o seu envolvimento multilateral na região ao aderir ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em 2008, e ao assinar, na última década, tratados de livre comércio com o Chile, o Peru e a Costa Rica .
Efectivamente, o contínuo crescimento económico da China tem sido acompanhado pelo aumento do investimento directo chinês na América Latina, com a estratégia go global, lançada em 2000, através da qual o governo tem dado significativo apoio político e financeiro para que as empresas nacionais internacionalizem as suas actividades, o que representa uma alteração do posicionamento do executivo chinês, outrora restritivo quanto à saída de capitais do país.
Esse investimento ainda é considerado reduzido quando comparado à capacidade e aos interesses da China na região e quando comparado ao investimento directo estrangeiro norte-americano. Ainda assim, em 2010, a China investiu, na América Latina, USD 30 biliões, particularmente na Argentina, Brasil, Venezuela e Peru, especialmente nos sectores direccionados à melhoria do acesso às commodities.
Do mesmo modo, o comércio entre a China e a América Latina passou de apenas USD 10 biliões por ano em 2000, para USD 100 biliões hoje, sendo certo que a China se tornou, em 2009, o maior parceiro comercial do Brasil, pela primeira vez superando os EUA, e, em 2010, o maior parceiro comercial do Chile, do Peru e da Argentina e o segundo maior destino das exportações da Argentina, Costa Rica, Cuba e Peru, e o terceiro da Venezuela.
Se a América Latina tem interesses comerciais nesta parceria com o país que mais cresce economicamente no mundo e é o maior mercado mundial, buscando, igualmente, investimentos, esses países almejam, também, a composição de alianças que lhes permitam enfrentar as pressões da globalização exercidas sobretudo pelos países desenvolvidos. Por outro lado, deve notar-se que a China é um actor com forte influência política na sociedade internacional, designadamente por ser membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o que pode vir a oferecer uma visão alternativa à América Latina relativamente à influência hegemónica dos EUA, que a ajude a sair do círculo vicioso da economia ineficiente e do défice de poder (REISS, 2000), através do estabelecimento de uma parceria político-económica com a RPC, no âmbito de uma nova cooperação Sul-Sul.
A aproximação entre a América Latina e a China apresenta, assim, vantagens consideráveis para a região. Mas também para a China, cuja política externa tem como objectivos centrais o benefício dos seus interesses comerciais e o próprio desenvolvimento, bem como a diversificação de parceiros comerciais, por forma a não ficar exclusivamente dependente dos mercados norte-americano e europeu.
Ademais, a China considera a América Latina como uma região estratégica, encarando o Brasil como líder regional, o México e os países caribenhos dispondo de uma posição geográfica que pode vir a abrir-lhe caminho ao mercado norte-americano, enquanto o Chile, o Peru e o México fazem, como ela, parte da APEC.
Por outro lado, tal como na África, a China tem, na América Latina, como interesse primordial, importar recursos naturais e energia, tendo-se tornado já o maior importador de cobre, minério de ferro, ouro e petróleo latino-americanos, sendo o país líder no consumo mundial de muitos minérios e produtos agrícolas e o responsável por 1/3 do consumo mundial de estanho, carvão, minério de ferro, aço e algodão e por quase 1/4 do consumo mundial de óleo de soja, borracha, alumínio e cobre.
A China também pretende, da sua ligação à região, alcançar interesses políticos, designadamente o reconhecimento da sua primazia sobre Taiwan. O gigante asiático procura também, entre os Latino-Americanos, aliados para promover o seu princípio de não interferência nos assuntos internos, incluindo os direitos humanos. A questão não é apenas a América Latina, mas a busca pela crescente influência na governança global.
O fortalecimento das relações sino-latino americanas deve-se, ainda, à coincidência e semelhança dos respectivos projectos nacionais, já que se trata, de ambos os lados, de países que tradicionalmente vêm apresentando uma linha de actuação desenvolvimentista, autonomista, pacifista e universalista, estando incluídos no mundo em desenvolvimento, tendo vivido experiências de exploração e opressão pelo colonialismo e imperialismo e que estão, hoje, perante o desafio de desenvolver uma voz mais audível nas questões da agenda internacional.
Não obstante os interesses convergentes em funcionalidade, a verdade é que nem todos os aspectos do chamado efeito China são benéficos, pois o aumento das importações dos países latino-americanos oriundas da China tem tido repercussões negativas sobre as manufacturas locais, em virtude dos baixos preços dos produtos chineses, resultado da competitividade das indústrias chinesas e do Yuan desvalorizado.
Por outro lado, as exportações da região têm crescido graças à procura chinesa de produtos primários, o que tem contribuído para a expansão dos sectores associados aos recursos naturais, porém não tem contribuído para a criação de novas capacidades tecnológicas para a região. Situação que poderá conduzi-la a um esquema de dependência, face ao gigante asiático, do tipo «centro-periferia», através da «reprimarização» da economia latino-americana.
Com efeito, embora essa relação tenha impulsionado a expansão dos países latino-americanos e permitido que sofressem menos com a crise, a estrutura do comércio que a caracteriza está a reduzir o potencial da região, que passa, apenas, a fazer parte da cadeia de valor da China. Ademais, as exportações chinesas de bens manufacturados para a América Latina cresceram muito mais do que as exportações regionais de matérias-primas para a China, o que tem levado a um défice comercial da região face à China, especialmente nos casos do México e da Costa Rica. Simultaneamente, e em razão da compra de territórios latino-americanos por Chineses, o governo brasileiro limitou, no final de 2010, a venda de grandes propriedades a estrangeiros, enquanto o governo uruguaio pensa em proibir a compra de terras por parte de países terceiros e o Congresso argentino começa a analisar um projecto de lei que restrinja o acesso dos estrangeiros à propriedade dos campos.
Para fazer face a estes riscos, os industriais latino-americanos devem apostar na melhoria do design e da qualidade dos seus produtos, fomentar a competitividade das pequenas e médias empresas, capacitar a mão-de-obra, desenvolver encadeamentos que vinculem os sectores exportadores ao resto da economia e aproveitar os avanços da região em matéria de biotecnologia, fomentando, ainda, a exploração do potencial do mercado chinês, através de investimentos em activos, de aquisições, ou mesmo destinando recursos para a instalação de fábricas próprias em território chinês. O grande desafio é transformar as economias latino-americanas agregando valor às suas exportações, no sentido destas passarem a ser exportadas como produtos de valor agregado, como bem lembrou o Presidente do BID, o colombiano Alberto Moreno, aquando da Cimeira China-América Latina de 2010.

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