VENEZUELA, COLÔMBIA E EQUADOR – DEPOIS DE UMA SEMANA, CHEGA AO FIM A CRISE DIPLOMÁTICA
Chegou ao fim a crise diplomática que, durante uma semana, opôs a Venezuela, a Colômbia e o Equador. Foi no Domingo, 9 de Março d
e 2008, depois de, no dia 7, os presidentes venezuelano, Hugo Chávez, colombiano, Álvaro Uribe, e equatoriano, Rafael Correa, terem selado uma trégua simbólica com um aperto de mãos na reunião do Grupo do Rio, realizado na República Dominic
ana. Em nota emitida pelo ministério dos Negócios Estrangeiros, a Venezuela decidiu restabelecer o normal funcionamento das relações diplomáticas com o governo da República da Colômbia, animada “pela vitória da paz e soberania obtida no Grupo do Rio (…) onde se demonstrou a importância da união latino-americana para a superação dos conflitos”[i]. O Ministério venezuelano
dos Negócios Estrangeiros decidiu também reabrir imediatamente a sua embaixada em Bogotá e receber o corpo diplomático colombiano em Caracas “no mais breve prazo”, depois de, a 4 de Março, ter expulsado do país o embaixador colombiano em defesa da soberania, da pátria e da dignidade do povo venezuelano.
Assumindo o papel de conciliador, clamando pela paz na América Latina e amenizando a tensão que marcou uma crise sem precedentes na região andina, Hugo Chávez foi mesmo elogiado pelo secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, que afirmou ter sido a intervenção do presidente venezuelano decisiva para solucionar a crise. “A intervenção do presidente Chávez foi muito importante, porque o tom que ele aplicou foi muito distinto. Foi um tomo reflexivo, conciliador, o que era necessário e fundamental neste momento”, afirmaria Insulza ao jornal chileno El Mercúrio.
A tensã
o teve início no Sábado, 1 de Março, quando o Exército da Colômbia invadiu o território equatoriano, a 1,8 Km da fronteira com a Colômbia, para bombardear um acampamento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc)[ii] ali estacionado, matando, entre pelo menos dezassete guerrilheiros, o porta-voz da guerrilha e seu número dois, braço direito de Manuel Marulanda, o líder das Farc, Raúl Reyes.
Perante a admiração da sociedade internacional, o Equador enviou 3 200 soldados para a fronteira entre os dois países e, em comunicado oficial divulgado pelo Ministério dos
Negócios Estrangeiros, rompeu relações diplomáticas com a Colômbia, logo na Segunda-Feira seguinte (3 de Março), exortando a OEA a condenar o país de Álvaro Uribe por violação da sua soberania territorial. A decisão foi tomada após Bogotá ter informado que, no acampamento atacado, encontrou documentos e fotografias comprovando a existência de acordos entre as Farc e os governos do Equador e da Venezuela, mencionando, designadamente, contactos entre Reyes e o ministro equatoriano Gustavo Larrea e a entrega, por Chávez, de US$ 300 milhões às Farc. Na verdade, a Colômbia tem vindo a insinuar a existência de acordos entre os governos equatoriano, venezuelano e brasileiro com a guerrilha colombiana, o que é negado por Correa, Chávez e Lula, mas contribuiu decisivamente para o avolumar de tensões na região, com o vice-presidente colombiano, Francisco Santos, a pedir, durante uma sessão do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), que os vizinhos da América do Sul cumprissem a Resolução 1373 do Conselho de Segurança, que proíbe os países de dar refúgio àqueles que financiam, planeiam ou cometem acções terroristas. Chávez e Correa ordenaram, neste contexto, o envio de tropas para a fronteira com a Colômbia, denunciando a invasão do território equatoriano pelas Forças Armadas colombianas, indo Fidel Castro mais longe, ao responsabilizar os governos colombiano e norte-americano pelo aumento da tensão na região. Também o vice-presidente do Parlamento do Mercosul, o deputado brasileiro Rosinha (do PT do Paraná), desaprovou a atitude de Uribe, afirmando que a mesma compromete a integração na América do Sul. Sem condenar explicitamente a atitude da Administração colombiana, a Argentina, pela voz do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Jorge Taiana, afirmou sentenciar qualquer forma de violação da soberania territorial, um princípio inviolável do Direito Internacional, enquanto a chilena Michelle Bachelet e o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, apelaram ao diálogo para evitar uma escalada do conflito, mais importante do que procurar uma explicação para a incursão colombiana, e o México defendeu a abertura de negociações, reunindo-se a OEA extraordinariamente logo no dia 4. Diferente foi a reacção norte-americana, que tem na Colômbia a tradicional aliada na América do Sul. O porta-voz do Departamento de Estado, Tom Casey, afirmaria, mesmo, que os Estados Unidos apoiam o direito da Colômbia defender-se das Farc, apelando todavia ao diálogo entre as duas únicas partes envolvidas na contenda, a Colômbia e o Equador, estando a Venezuela de fora da questão. O Brasil, por seu lado, ao mesmo tempo que condenou a atitude da Colômbia, sem deixar de demarcar-se das partes, ao afirmar desejar a paz, não nutrindo qualquer posição
doutrinária (Celso Amorim, ministro brasileiros dos Negócios Estrangeiros) em relação a nenhum país da região, assumiu-se desde logo como conciliador da crise, com o presidente Lula a conversar por telefone com Álvaro Uribe e Rafael Correa em busca de uma convergência que minimizasse a tensão e com a proposta de criação de uma comissão de investigação liderada pela OEA.
Na realidade, se a operação militar colombiana foi um sucesso, resultando na morte de pelo menos dezassete guerrilheiros, entre os quais Raul Reyes, um importante troféu; em termos políticos foi um rotundo fracasso, por ter lançado Uribe num profundo isolamento na América Latina. Até os moderados Brasil, Chile, Argentina e Peru condenaram a actuação da Colômbia, apenas suportada por um único e solitário apoio, o dos Estados Unidos.
Vale lembrar que o ataque ocorreu num momento em que as Farc davam demonstrações concretas de diálogo e negociação para a libertação dos reféns da guerrilha, em especial Ingrid Betancourt, sendo Reyes o interlocutor das Farc com os governos venezuelano e francês, que vêm tentando mediar o
conflito entre os revolucionários colombianos e o governo de Álvaro Uribe.
É verdade que os três pontos de passagem na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela mantiveram a sua actividade normal, o mesmo ocorrendo na ponte de Rumichacha, que une o departamento colombiano de Nariño à província equatoriana de Cardri. Mas a tensão não deixou de crescer por isso. A escalada foi preocupante e chegou a trazer a ameaça de um conflito armado num sub-continente tradicionalmente pacífico. Com Bush defendendo Uribe e Chávez ameaçando deslocar dez unidades do Exército venezuelano para a fronteira com a Colômbia, em solidariedade a Correa, o clima ficou tenso e perigoso, beirando a transformação de uma crise bilateral num assunto internacional com a tensão colombiano-equatoriana a vazar para um diferendo entre os Estados Unidos (padrinhos da Colômbia) e a Venezuela (madrinha do Equador).
Sanada a crise, a tensão parece manter-se, com o Equador, cauteloso, a não restabelecer imediatamente as relações diplomáticas com a Colômbia, antes optando pela elaboração de um cronograma para um novo diálogo. O próprio secretário-geral da OEA reconheceu que falta ainda ultrapassar totalmente os motivos da discórdia entre os dois países andinos, para o que teve início o trabalho de uma comissão que investigará a incursão militar colombiana. Integrada pelos embaixadores, no Equador, do Brasil, Argentina, Peru, Panamá e Bahamas, a comissão deslocou-se no dia 10 ao local do ataque para produzir um relatório que será discutido na reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da OEA na próxima Segunda-Feira, dia 17. É importante, com efeito, que uma análise detalhada dos factos esclareça o que efectivamente se passou, de modo que o incidente seja reparado em nome de uma correcta interpretação das normas que regem o direito interamericano e a convivência entre os Estados da região, até porque, durante a crise, a OEA acolheu o pedido de Rafael Correa de ratificar a inviolabilidade de territórios e da soberania dos Estados.
Na verdade, esta não foi a primeira vez que Correa se indispôs com Uribe por violação do território equatoriano. No início do seu mandato, em 2007, Correa viveu o primeiro mal-estar diplomático com Álvaro Uribe em função das fumigações que o governo colombiano realizou, com agrotóxicos, na fronteira com o Equador, visando alegadamente erradicar as plantações de coca na região. A intervenção colombiana resultou na contaminação de dezenas de camponeses equatorianos e na perda de milhares de hectares de plantação e produção agropecuária, o que muito enfureceu o presidente do Equador. A crise foi diplomaticamente sanada, mas não deixou de causar moça.
A questão essencial que a recente crise trouxe à ribalta diz respeito, todavia, mais do que às ameaças à paz, à liderança brasileira sobre a região. O maior e mais importante Estado da América do Sul, o Brasil é, também, tradicionalmente, o factor moderador de crises no sub-continente. Seu objectivo, nesta crise, foi evitar que a mesma, de bilateral, passasse a regional ou mesmo a internacional, com o envolvimento dos aliados das partes directamente envolvidas. O esforço brasileiro desenvolveu-se, de facto, no sentido de arrancar um mea culpa da Colômbia, garantindo que o Equador aceitasse o pedido de desculpas, para, simultaneamente, neutralizar o belicoso Chávez e desautorizar a intromissão dos Estados Unidos na região. Ou seja, defendendo o sub-continente de um verdadeiro conflito, o Brasil procurou, igualmente, defender, uma vez mais, a liderança que impõe sobre a região. O secretário-geral da Conferência Ibero-Americana e antigo presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Enrique Iglesias, impulsionou a mediação brasileira, elogiando a iniciativa do ministro Celso Amorim de construir um roteiro para solucionar a crise, que foi um excelente teste à liderança brasileira sobre a América do Sul.
Na realidade, o Brasil, cuja última guerra regional em que esteve envolvido terminou em 1870 (a Guerra do Paraguai), é o único Estado da América do Sul que pode desempenhar funções de mediador em conflitos como este. Em primeiro lugar, vive em paz com os seus onze vizinhos, mostrando-se interessado na prevenção e na solução de confrontos entre os países da região. Em segundo lugar, tem capital político junto desses países para fazer a sua influência exercer-se nos mesmos no sentido de dirimir eventuais desavenças. Foi assim que, em Janeiro de 1995, poucos dias depois de ter estalado o conflito entre o Peru e o Equador, o recém-eleito governo de Fernando Henrique Cardoso procurou, e alcançou em poucos dias, uma solução diplomática para esse diferendo. O mesmo procuraria fazer na crise de Março de 2008. Sendo certo que o Brasil percebe a intenção de Chávez de encontrar um inimigo externo para fortalecer uma posição interna enfraquecida. Afinal de contas, o presidente venezuelano, depois da derrota no referendo constitucional que lhe daria a presidência vitalícia do país, das notícias económicas que apontam a má situação e do bloqueio dos bens da Petróleos da Venezuela SA (PDVSA), precisava de um aquecimento político. Por isso propôs-se como mediador entre as Farc e o governo de Uribe, provocando a libertação de reféns que estavam nas mãos dos guerrilheiros, assim surgindo como o salvador da América Latina. Por isso insuflou as Farc com capital e apoios, para que, revoltando-se contra Uribe, ele pudesse surgir novamente como pacificador e salvador da região.
Para muitos, Chávez estaria apenas escondendo – embora não muito bem – a intenção de tornar-se líder do grupo guerrilheiro para, como presidente da Venezuela e líder das Farc, liquidar o governo colombiano e arrepiar caminho para a Grande Pátria Bolivariana, o sonho de Bolívar que Chávez pretende consumar. Nada mais adequado, para tal, que retirar Reyes do seu caminho, provocar o reconhecimento internacional das Farc e assumir o seu comando.
Independentemente de aceitarmos, ou não, as teorias mais conspiratórias que vão surgindo, a realidade é que o desentendimento euqatoriano-colombiano, tornado depois equatoriano-colombiano-venezuelano, acabaria por resolver-se. Diplomaticamente sanado, uma semana após ter sido despoletado, Rafael Correa, de regresso a Quito após a Cimeira de Santo Domingo, chegaria a afirmar que “talvez este seja o início de uma nova forma de diplomacia, que não busca contentar a todos, que não obedece a razões de força deixando em segundo plano a justiça, os princípios e as convicções”, até porque “o presidente Uribe (…) reconheceu a sua responsabilidade, pediu desculpas sem atenuantes ao povo equatoriano e comprometeu-se a jamais repetir esse tipo de agressão, nem com o Equador, nem com nenhum outro povo”[iii]. Na esperança de que a Cimeira da União Sul-Americana de Nações (Unasul), prevista para este mês de Março na cidade colombiana de Cartagena das Índias, não seja inviabilizada por esta crise, como chegou a ser aventado.
Chegou ao fim a crise diplomática que, durante uma semana, opôs a Venezuela, a Colômbia e o Equador. Foi no Domingo, 9 de Março d
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Assumindo o papel de conciliador, clamando pela paz na América Latina e amenizando a tensão que marcou uma crise sem precedentes na região andina, Hugo Chávez foi mesmo elogiado pelo secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, que afirmou ter sido a intervenção do presidente venezuelano decisiva para solucionar a crise. “A intervenção do presidente Chávez foi muito importante, porque o tom que ele aplicou foi muito distinto. Foi um tomo reflexivo, conciliador, o que era necessário e fundamental neste momento”, afirmaria Insulza ao jornal chileno El Mercúrio.
A tensã
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Perante a admiração da sociedade internacional, o Equador enviou 3 200 soldados para a fronteira entre os dois países e, em comunicado oficial divulgado pelo Ministério dos
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Na realidade, se a operação militar colombiana foi um sucesso, resultando na morte de pelo menos dezassete guerrilheiros, entre os quais Raul Reyes, um importante troféu; em termos políticos foi um rotundo fracasso, por ter lançado Uribe num profundo isolamento na América Latina. Até os moderados Brasil, Chile, Argentina e Peru condenaram a actuação da Colômbia, apenas suportada por um único e solitário apoio, o dos Estados Unidos.
Vale lembrar que o ataque ocorreu num momento em que as Farc davam demonstrações concretas de diálogo e negociação para a libertação dos reféns da guerrilha, em especial Ingrid Betancourt, sendo Reyes o interlocutor das Farc com os governos venezuelano e francês, que vêm tentando mediar o
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Sanada a crise, a tensão parece manter-se, com o Equador, cauteloso, a não restabelecer imediatamente as relações diplomáticas com a Colômbia, antes optando pela elaboração de um cronograma para um novo diálogo. O próprio secretário-geral da OEA reconheceu que falta ainda ultrapassar totalmente os motivos da discórdia entre os dois países andinos, para o que teve início o trabalho de uma comissão que investigará a incursão militar colombiana. Integrada pelos embaixadores, no Equador, do Brasil, Argentina, Peru, Panamá e Bahamas, a comissão deslocou-se no dia 10 ao local do ataque para produzir um relatório que será discutido na reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da OEA na próxima Segunda-Feira, dia 17. É importante, com efeito, que uma análise detalhada dos factos esclareça o que efectivamente se passou, de modo que o incidente seja reparado em nome de uma correcta interpretação das normas que regem o direito interamericano e a convivência entre os Estados da região, até porque, durante a crise, a OEA acolheu o pedido de Rafael Correa de ratificar a inviolabilidade de territórios e da soberania dos Estados.
Na verdade, esta não foi a primeira vez que Correa se indispôs com Uribe por violação do território equatoriano. No início do seu mandato, em 2007, Correa viveu o primeiro mal-estar diplomático com Álvaro Uribe em função das fumigações que o governo colombiano realizou, com agrotóxicos, na fronteira com o Equador, visando alegadamente erradicar as plantações de coca na região. A intervenção colombiana resultou na contaminação de dezenas de camponeses equatorianos e na perda de milhares de hectares de plantação e produção agropecuária, o que muito enfureceu o presidente do Equador. A crise foi diplomaticamente sanada, mas não deixou de causar moça.
A questão essencial que a recente crise trouxe à ribalta diz respeito, todavia, mais do que às ameaças à paz, à liderança brasileira sobre a região. O maior e mais importante Estado da América do Sul, o Brasil é, também, tradicionalmente, o factor moderador de crises no sub-continente. Seu objectivo, nesta crise, foi evitar que a mesma, de bilateral, passasse a regional ou mesmo a internacional, com o envolvimento dos aliados das partes directamente envolvidas. O esforço brasileiro desenvolveu-se, de facto, no sentido de arrancar um mea culpa da Colômbia, garantindo que o Equador aceitasse o pedido de desculpas, para, simultaneamente, neutralizar o belicoso Chávez e desautorizar a intromissão dos Estados Unidos na região. Ou seja, defendendo o sub-continente de um verdadeiro conflito, o Brasil procurou, igualmente, defender, uma vez mais, a liderança que impõe sobre a região. O secretário-geral da Conferência Ibero-Americana e antigo presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Enrique Iglesias, impulsionou a mediação brasileira, elogiando a iniciativa do ministro Celso Amorim de construir um roteiro para solucionar a crise, que foi um excelente teste à liderança brasileira sobre a América do Sul.
Na realidade, o Brasil, cuja última guerra regional em que esteve envolvido terminou em 1870 (a Guerra do Paraguai), é o único Estado da América do Sul que pode desempenhar funções de mediador em conflitos como este. Em primeiro lugar, vive em paz com os seus onze vizinhos, mostrando-se interessado na prevenção e na solução de confrontos entre os países da região. Em segundo lugar, tem capital político junto desses países para fazer a sua influência exercer-se nos mesmos no sentido de dirimir eventuais desavenças. Foi assim que, em Janeiro de 1995, poucos dias depois de ter estalado o conflito entre o Peru e o Equador, o recém-eleito governo de Fernando Henrique Cardoso procurou, e alcançou em poucos dias, uma solução diplomática para esse diferendo. O mesmo procuraria fazer na crise de Março de 2008. Sendo certo que o Brasil percebe a intenção de Chávez de encontrar um inimigo externo para fortalecer uma posição interna enfraquecida. Afinal de contas, o presidente venezuelano, depois da derrota no referendo constitucional que lhe daria a presidência vitalícia do país, das notícias económicas que apontam a má situação e do bloqueio dos bens da Petróleos da Venezuela SA (PDVSA), precisava de um aquecimento político. Por isso propôs-se como mediador entre as Farc e o governo de Uribe, provocando a libertação de reféns que estavam nas mãos dos guerrilheiros, assim surgindo como o salvador da América Latina. Por isso insuflou as Farc com capital e apoios, para que, revoltando-se contra Uribe, ele pudesse surgir novamente como pacificador e salvador da região.
Para muitos, Chávez estaria apenas escondendo – embora não muito bem – a intenção de tornar-se líder do grupo guerrilheiro para, como presidente da Venezuela e líder das Farc, liquidar o governo colombiano e arrepiar caminho para a Grande Pátria Bolivariana, o sonho de Bolívar que Chávez pretende consumar. Nada mais adequado, para tal, que retirar Reyes do seu caminho, provocar o reconhecimento internacional das Farc e assumir o seu comando.
Independentemente de aceitarmos, ou não, as teorias mais conspiratórias que vão surgindo, a realidade é que o desentendimento euqatoriano-colombiano, tornado depois equatoriano-colombiano-venezuelano, acabaria por resolver-se. Diplomaticamente sanado, uma semana após ter sido despoletado, Rafael Correa, de regresso a Quito após a Cimeira de Santo Domingo, chegaria a afirmar que “talvez este seja o início de uma nova forma de diplomacia, que não busca contentar a todos, que não obedece a razões de força deixando em segundo plano a justiça, os princípios e as convicções”, até porque “o presidente Uribe (…) reconheceu a sua responsabilidade, pediu desculpas sem atenuantes ao povo equatoriano e comprometeu-se a jamais repetir esse tipo de agressão, nem com o Equador, nem com nenhum outro povo”[iii]. Na esperança de que a Cimeira da União Sul-Americana de Nações (Unasul), prevista para este mês de Março na cidade colombiana de Cartagena das Índias, não seja inviabilizada por esta crise, como chegou a ser aventado.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg02s_pVmSHtzOXpEpy7vdJRbquCnI-3CqPu23Vp4ySyo20vTH_F-xyLg55rWm5oO-K5-Zhh0WBoOeYUvrz3aHKCTt6kV8IDTTme3Uhf-hr4jaB1emSudwp4Zy3Z-jflUNuE03VemJ8SW3R/s320/Brasil,+bandeira.jpg)
[i] Cfr. Ministério dos Negócios Estrangeiros da Venezuela, em nota emitida a 9 de Março de 2008.
[ii] Criadas em 1964, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) constituem-se como uma organização político-militar marxista-leninista de inspiração bolivariana, que busca atingir o governo colombiano e respectiva acção. Contrárias à intervenção norte-americana na Colômbia, as Farc opõem-se à privatização e à expropriação de recursos naturais, procurando resgatar os direitos das classes menos favorecidas, lutar pelos trabalhadores e pelos excluídos da pátria, retirar do Estado os corruptos e expurgar os políticos dos vícios do poder e do desvio de dinheiros públicos. Comandadas por Manuel Marulanda Vélez, também conhecido por Tirofijo, as Farc são uma das mais capacitadas, equipadas e antigas forças insurgentes da América do Sul e ocupam, hoje, cerca de 40% do território colombiano, sendo, em muitos países, consideradas uma organização terrorista. Autoproclamando-se uma organização político-militar, as Farc simplesmente consideram que o alcance dos seus objectivos motivam e justificam os seus esforços para tomar o poder na Colômbia através de uma revolução armada. Segundo a Administração norte-americana, as Farc obtêm financiamento através de extorsões, sequestros e do tráfico de drogas. Apesar da radicalidade dos métodos habitualmente utilizados pelas Farc, o grupo guerrilheiro vem, nos últimos meses, apresentando uma significativa predisposição para o diálogo, o que tem permitido a negociação, por intermédio da mediação venezuelana e francesa, visando a libertação de reféns mantidos em cativeiro pelos guerrilheiros.
[iii] Cfr. Rafael Correa em declarações à Folhapress, a 8 de Março de 2008, reproduzidas pelo Jornal da Cidade de Bauru, de 9 de Março de 2008.