Thursday, November 22, 2007

A XVII Cimeira Ibero-Americana

A XVII CIMEIRA IBERO-AMERICANA E A COESÃO SOCIAL



Terminou no dia 10 de Novembro de 2007 a XVII Cimeira Ibero-Americana, que reuniu vinte e dois chefes de Estado e de Governo dos países latino-americanos e da Península Ibérica, durante dois dias, em Santiago do Chile, capital de uma das democracias mais perfeitas da América Latina, com instituições democráticas estáveis, uma economia aberta, consolidada e credível, apesar de altamente desigual, desde 2006 presidida por Michelle Bachelet.
As Cimeiras Ibero-Americanas foram instituídas em 1991, em reunião em Guadalajara (México). Na época, Portugal esteve representado pelo então primeiro-ministro Cavaco Silva, tendo também assinado o documento constitutivo destas cimeiras o rei de Espanha, Juan Carlos de Borbón e Fidel Castro, os únicos líderes que, presentes na sessão de institucionalização das cimeiras da Ibero-América, estiveram também presentes na décima sétima edição destas, com excepção de Fidel, por motivos de saúde.
A ideia de criar a Ibero-América nasceu de uma iniciativa da Espanha e do México, a que logo se associou Portugal[1], com vista a criar um fórum de consulta e de concertação política que reflectisse sobre os desafios da região e impulsionasse a cooperação, a coordenação e a solidariedade regionais. É evidente que, na actual sociedade internacional global, voltada prioritariamente para a luta contra o macroterrorismo, para as relações transatlânticas entre os EUA e a União Europeia, bem como para a ratificação do Tratado Reformador da União, a que os líderes europeus chegaram a entendimento em Outubro último, a América Latina acaba por assumir uma posição pouco relevante, apenas mediatizada por altura destas reuniões anuais, quando os vinte e dois chefes de Estado e de Governo da América Latina e da Península Ibérica se encontram. Porém, as cimeiras resultam de um ano de intensos trabalhos, com reuniões mensais entre ministros e técnicos de todos os Estados participantes, a que a Comunicação Social, tampouco os académicos ou políticos prestam a devida atenção.
No sentido de preparar estas cimeiras anuais foi criada, em 2003, a Secretaria Geral Ibero-Americana (Segib), sediada em Madrid e actualmente presidida pelo uruguaio Enrique Iglesias.
Centralizando todos os trabalhos anuais que desembocam depois nas cimeiras, a Segib tem, porém, uma estrutura insuficiente, com pouco mais de quarenta funcionários, o que a leva a apoiar-se mais na sociedade civil do que propriamente no exercício estritamente governamental.
Numa tentativa de descentralização, a Segib deverá em breve abrir quatro ou cinco delegações na América Latina, enquanto a Espanha fala mesmo na extensão da Ibero-América aos países africanos que falam Português e a vizinhos como o Haiti e o Belize, que aderiram como observadores ou convidados, embora não haja consenso sobre a extensão da Ibero-América. O coordenador português para as relações ibero-americanas, Embaixador João Diogo Nunes Barata, por exemplo, considera a ideia prematura. Em primeiro lugar, porque a Ibero-América é uma comunidade ainda não consolidada e sem visibilidade; depois, porque alargando-a a países extra-região, deixaria de fazer sentido falar-se em “espaço ibero-americano”.
A realidade, porém, é que cerca de 60% do orçamento da Secretaria é suportado por Espanha, o que a transforma, em certo sentido, numa espécie de ferramenta da Política Externa espanhola para a América Latina, onde Portugal perde espaço constantemente, apesar de constituir o terceiro contribuinte líquido da Segib, precedido apenas pelo México. Segundo e terceiro contribuintes do orçamento da Segib, caber-lhes-á organizar a cimeira de 2009, cujo tema ainda não foi escolhido.
É evidente que a “espanholização” do espaço ibero-americano – expressão que Madrid recusa, todavia – ocorre perante o facto consumado de Portugal privilegiar a relação com o Brasil; o que não deveria ocorrer, porque a Ibero-América se afirma como a única arena de diálogo entre Portugal e os países latino-americanos que não o Brasil, tendo a seu favor o facto de, junto de muitos desses países, gozar de um estatuto de neutralidade de que Madrid não se pode gabar.
Apesar de a região latino-americana estar a viver um período de crescimento económico sem precedentes, com uma taxa de crescimento superior a 5% para este ano, segundo previsões do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o desenvolvimento económico não tem ocorrido. A vida da população não reflecte aquele crescimento económico, a taxa de pobreza mantém-se elevada, a riqueza continua mal distribuída, as classes médias emergentes trazem diversas implicações sócio-político-económicas ainda não totalmente absorvidas e o sistema educacional não permite o salto para o desenvolvimento.
Neste sentido, se os objectivos da União Ibero-Americana, aquando da sua criação, eram o desenvolvimento económico e a consolidação da democracia, agora é a coesão social que surge como o grande desafio da região; razão pela qual este foi o tema escolhido para a XVII edição destas cimeiras anuais. E melhorar a coesão social passa por encontrar novos modelos e paradigmas de desenvolvimento, analisar as idiossincrasias nacionais e adoptar melhores práticas e políticas públicas.
Reunida em ambiente mais favorável do que a anterior edição, a XVII Cimeira Ibero-Americana foi marcada pela discussão da coesão social, tema central em torno do qual giraram os debates, apenas no final manchados pelo ataque de Hugo Chávez ao ex-presidente do Governo espanhol, José María Aznar, apoiado pelo presidente nicaraguense Daniel Ortega, que criticou, também, a actuação, no seu país, da empresa eléctrica espanhola Unión Fenosa. Chávez qualificou Aznar de “fascista” e acusou-o de, em Abril de 2002, ter apoiado a tentativa de golpe contra ele, ao mesmo tempo que o acusou, ainda, de ter, como presidente em exercício do Conselho da União Europeia, promovido a aprovação de um comunicado oficial contra Chávez.
O actual líder do Governo espanhol, José Luis Rodriguez Zapatero, replicou veementemente a Hugo Chávez, no que foi secundado pelo rei Juan Carlos, que chegou mesmo a abandonar o plenário da Cimeira, regressando apenas para o encerramento do evento.
À parte este momento quente, caro à diplomacia espanhola, que ainda procura saná-lo, em função dos interesses económicos espanhóis na Venezuela, enquanto Portugal adopta uma postura distante face ao desentendimento, recebendo Chávez a 20 de Novembro e com ele assinando um acordo de exploração de gás liquefeito através da Galp Energia, em razão dos 500 mil emigrantes que tem na Venezuela e, naturalmente, dos interesses energéticos, a XVII edição da Cimeira Ibero-Americana decorreu de forma bastante mais amena do que a edição anterior da mesma, reunida no Uruguai de Tabaré Vasquez, marcada desde logo por diversas ausências, a saber, dos presidentes do Brasil, do Peru, do Panamá, da Nicarágua, da Guatemala, da República Dominicana, de Cuba e da Venezuela. Além do mais, a XVI Cimeira Ibero-Americana reuniu-se num momento de disputas no seio do Mercosul. Dedicada ao tema das relações entre a imigração e o desenvolvimento, a Cimeira do Uruguai reuniu-se, de facto, num ambiente de crise nas relações entre a Argentina e o Uruguai devido à disputa, entre os dois países, em torno da construção de uma fábrica de celulose no rio Uruguai. A Argentina de Néstor Kirchner condenara a decisão uruguaia de permitir que a empresa finlandesa Botnia extraísse mais água do rio Uruguai para a planta industrial da cidade de Fray Bentos, chegando os moradores das cidades argentinas de Gualeguaychú e Colón a fechar as pontes que ligam os dois países. Esvaziada pela falta de diálogo entre Néstor Kirchner e Tabaré Vasquez, cujos contactos se limitaram aos encontros colectivos do evento, a Cimeira do Uruguai debateu a influência dos movimentos migratórios nas relações entre países pobres e ricos, motivada pela proposta, então anunciada pela Administração Norte-Americana, de construir um muro na fronteira entre os EUA e o México.
Sob o tema da coesão social, a XVII Cimeria Ibero-Americana procurou definir princípios, padronizar conceitos e modelos e adoptar um verdadeiro plano de acção no sentido de homogeneizar as condições económicas e sociais da região no sentido de se buscar uma cidadania ibero-americana. O grande desafio é, sem dúvida, contraria a imensa desigualdade sócio-económica que caracteriza toda a Ibero-América, tornando por vezes difícil, mesmo, que se fale em “união ibero-americana”. Se, por um lado, o que existe de comum entre os países latino-americanos não é suficiente para que se projecte uma integração regional; por outro as diferenças entre esses países e Portugal e Espanha são gritantes. É evidente que existe uma cultura ibero-americana; todavia, tudo o resto diverge, sendo muito difícil, como se pretende com as cimeiras ibero-americanas, que o espaço ibero-americano se ponha de acordo nas instâncias internacionais e regionais. Parece necessário, antes de mais, e para que esse consenso seja possível, que cada país, internamente, crie as condições próprias para o seu crescimento e desenvolvimento económicos, reduzindo a pobreza e a desigualdade. O que, de um ponto de vista pragmático, depende de políticas internas e não de políticas ibero-americanas. Na verdade, os temas sociais são o calcanhar de Aquiles da América Latina, aqueles que abrem espaço ao populismo e à demagogia.
Neste sentido, é necessário contraria essas forças de pressão e procurar capitalizar os esforços das cimeiras ibero-americanas em resultados concretos que ataquem, de facto, os problemas da região. É evidente que são necessárias reformas estruturais, na fiscalidade, na competitividade, na produtividade, no sistema político, no sistema educacional. Mas as cimeiras ibero-americanas, inaugurando uma forma de “fazer política” mais dirigida aos cidadãos, poderão vir a ajudar nessas reformas. Portugal tem proposto que as próximas cimeiras se dediquem a temas mais precisos e perceptíveis para as populações, menos genéricos e que, de facto, se traduzam em declarações finais inteligíveis e sintéticas.
Por seu lado, a Espanha propôs, nesta XVII Cimeira, a introdução do conceito de “fundos de coesão” que, na Europa Comunitária, foram importantes para que os países menos desenvolvidos pudessem acompanhar os mais ricos. Os fundos de coesão, adoptados de modo coerente com a realidade ibero-americana, poderão vir a permitir assegurar a igualdade entre as populações e as regiões dos países latino-americanos, por forma a erradicar o crescente “apartheid social” do continente, segundo aponta o académico espanhol Celestino de Arenal. Existindo um consenso ibero-americano sobre a conveniência do instrumento, a Cimeira de Santiago do Chile conseguiu, para já, aprovar um conceito de “fundos de coesão” adaptado à realidade regional, abrindo caminho para que, depois, se discutam as vias possíveis para os modelos, financiamento e gestão desses fundos.
Por outro lado, a Cimeira de Santiago do Chile lançou as bases do projecto ibero-americano de intercâmbio de estudantes e professores, iniciativa surgida como retórica na Cimeira de Salamanca, em 2005, mas que hoje já mobiliza vários milhões de Euros, tendo sido avançadas as bases do projecto, mesmo sem que o tema constasse da agenda da cimeira.
A Cimeira aprovou a Declaração de Santiago e um Plano de Acção destinado a tomar medidas para a coesão social, assim como um Convénio Multilateral de Segurança Social que se espera vir a beneficiar 6 milhões de imigrantes latino-americanos, permitindo, designadamente, a portabilidade das pensões entre os Estados que o assinaram. Foram também aprovados diversos comunicados especiais sobre a luta contra o terrorismo e a corrupção, a reclamação argentina da soberania sobre as ilhas Malvinas/Falklands, o fim do bloqueio norte-americano a Cuba e a cooperação para o desenvolvimento dos países de média renda.
À margem da Cimeira decorreu, no dia 10, um encontro entre os presidentes Lula e Cavaco Silva e o primeiro-ministro português José Sócrates, dominado pelas questões económicas e pela Língua Portuguesa.
Os três líderes comprometeram-se a adoptar medidas conjuntas para favorecer o mais forte enquadramento e posicionamento dos dois países na arena internacional, designadamente no que se refere à eleição de representantes para organismos internacionais. Atendendo à necessidade de melhorar o relacionamento bilateral, algumas matérias foram tratadas em particular, como a preocupação em reforçar os programas destinados a promover a Língua Portuguesa e a exploração do poço petrolífero de Tupi Sul, então descoberto pela Petrobrás, por parte de um consórcio no qual participa a Galp Energia, sendo certo ter esse poço um volume de petróleo que poderá corresponder a 1/3 das necessidades de Portugal para os próximos quinze anos, já que eleva as reservas do Brasil em mais de 50%.
Terminando a 10 de Novembro de 2007, a XVII Cimeira Ibero-Americana veio, pelo exposto, dar mais um passo em frente no sentido da edificação de uma verdadeira comunidade ibero-americana de nações. É evidente que os problemas são muitos e urgentes e que, por vezes, a retórica prevalece sobre as reais possibilidades de concretização dessa comunidade. Projecto ambicioso que poderá, todavia, beneficiar do discurso integracionista que, de um modo geral, os líderes latino-americanos apresentam. Que poderá, inclusive, se disso for capaz, controlar o nacional-populismo de esquerda de Chávez que impera na Venezuela, onde o forte discurso integracionista é constantemente confrontado com diversos obstáculos à integração, até porque, lentamente, a Venezuela tem vindo a abandonar os fora regionais e internacionais, patrocinando apenas os projectos de unidade sul-americana que, como o Banco do Sul ou o gasoduto do Sul, ligando a Venezuela à Argentina através de 11 mil Km de extensão, são parte da sua iniciativa e por si controlados.
Acima de tudo, porém, é urgente fomentar, promover e ajudar os países latino-americanos a efectivarem as reformas internas de que carecem, para reduzir a pobreza e as desigualdades, os grandes problemas que estas sociedades têm de enfrentar. Problemas cuja solução necessita, não de políticas ibero-americanas, mas sim de políticas internas. Para, uma vez equacionados e solucionados, a integração ibero-americana possa ocorrer na conformação de uma verdadeira Comunidade Ibero-Americana de Nações. Hoje pura retórica. Amanhã, quem sabe, evidência da realidade.
[1] Andorra foi o último estado a aderir.

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