Thursday, December 3, 2009

A XIX Cimeira Ibero-Americana

XIX CIMEIRA IBERO-AMERICANA


Teve lugar, nos dias 30 de Novembro e 1 de Dezembro de 2009, no Estoril, a XIX Cimeira Ibero-Americana, que reuniu os dezanove países da América Latina, Portugal, Espanha e Andorra, sob o tema «A Inovação e o Conhecimento». Nem todos os países enviaram os respectivos chefes de Estado e de Governo – optando por delegações de nível inferior – sendo de realçar as ausências de Hugo Chávez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia), Fernando Lugo (Paraguai), Tabaré Vasquez (Uruguai), Raul Castro (Cuba), Álvaro Colom (Guatemala) e Daniel Ortega (Nicarágua), tendo os presidentes brasileiro e equatoriano, Luiz Inácio Lula da Silva e Rafael Correa, respectivamente, decidido partir antes do encerramento da Cimeira.
Vale lembrar o significado do «Espaço Ibero-Americano» assim como as origens, os objectivos e a importância das Cimeiras Ibero-Americanas, para o que remeto para artigo deste mesmo blogue publicado a 22 de Novembro de 2007.
A partir das bases lançadas por esse artigo, fácil se torna compreender que, terceiro contribuinte do orçamento da Segib, coube a Portugal a tarefa de organizar a cimeira deste ano. Assim, a 2 de Fevereiro de 2009, realizou-se, no Palácio das Necessidades, a cerimónia de transmissão da Secretaria Pro-Tempore Ibero-Americana de El Salvador (organizador da cimeira de 2008) para Portugal, com a presença dos ministros dos Negócios Estrangeiros de El Salvador, Portugal, Marisol Argueta e Luís Amado, respectivamente, bem como do vice-ministro dos Estrangeiros da Argentina, Victorio Taccetti – que terá a presidência da cimeira em 2010. Para além, naturalmente, do Secretário-Geral Ibero-Americano, Enrique Iglesias[1].
Na realidade, num momento de crise global como o que hoje se vive, e que seguramente estender-se-á a parte do próximo ano, a inovação tecnológica e a pesquisa científica desempenham um papel de grande relevância, até mesmo como possibilidade de solução para a referida crise.
O desafio dos países latino-americanos, de Portugal e da Espanha, assim como de Andorra, é o de aumentar a respectiva cooperação nesses campos; tarefa para a qual a XIX Cimeira teve um papel importante, através da apresentação de projectos concretos, tanto bilaterais como multilaterais, de forma a poder avançar-se conjuntamente.
Não obstante ter alcançado resultados efectivos em matéria de «Inovação e Conhecimento», a verdade é que a Presidência portuguesa não conseguiu impor a sua agenda, tendo a XIX Cimeira Ibero-Americana sido dominada pela crise hondurenha, pelas alterações climáticas e pela crise financeira e económica mundial.
De facto, o tema das Honduras (novamente, remeto para a leitura de artigo deste blogue publicado a 25 de Setembro de 2009) não estava na agenda da Cimeira, mas acabou por dominar em particular os trabalhos desta. E a Cimeira esteve, desde o início, dividida entre os que reconhecem a liderança do presidente eleito a 29 de Novembro de 2009, Porfírio Lobo (Colômbia, Costa Rica e Panamá) e os restantes, que não a reconhecem – sendo que o Brasil, a Argentina, a Bolívia, Cuba, Equador, Nicarágua, Uruguai e Venezuela tornaram já público esse não reconhecimento.
Na verdade, se a condenação do golpe de Junho deste ano, a censura às violações dos direitos e liberdades do povo hondurenho e a restituição de Zelaya ao cargo de presidente das Honduras até completar o seu mandato constitucional – para o qual fora eleito democraticamente – foram relativamente consensuais entre os Vinte e Dois (não obstante o reconhecimento do novo governo pela Colômbia, Costa Rica e Panamá), o tema em si foi controverso, dadas as imensas e tão opostas posições reveladas durante a Cimeira sobre o tema, que foi o mais difícil de gerir pela Presidência portuguesa.
A Presidência portuguesa acabaria por conseguir fazer aprovar uma declaração consensual que censura o golpe militar nas Honduras, apela à recondução de Manuel Zelaya na Presidência hondurenha, apela ao diálogo interno no país e o fim do cerco à missão diplomática do Brasil nas Honduras, onde Zelaya permanece em asilo. Depois desta declaração, emitida antes do encerramento da Cimeira, os Vinte e Dois terminaram declarando a defesa dos princípios democráticos dos países do «Espaço Ibero-Americano», no sentido de prevenir e evitar tentativas de desestabilização de governos eleitos democraticamente.
A questão é que esta declaração foi aprovada sem a participação do presidente Lula do Brasil que, não reconhecendo os resultados eleitorais de 29 de Novembro nas Honduras, que indigitaram Porfírio Lobo como presidente, partiu em direcção a Kiev[2], seguindo depois para Berlim e Hamburgo[3], não sem deixar claro que, se soubesse que este seria o tema dominante da Cimeira, nem sequer teria participado do encontro. Lula voltou assim as costas à Cimeira, por considerar desnecessário que os Vinte e Dois adoptassem uma posição comum sobre as Honduras, alegando que as Cimeiras Ibero-Americanas não são uma instância de deliberação sobre as Honduras. Também Rafael Correa se ausentaria da Cimeira mais cedo.
Tal como o caso das Honduras, também as alterações climáticas foram abordadas à margem dos temas definidos na XIX Cimeira, em função da Conferência Mundial de Copenhaga sobre as Alterações Climáticas, que se reunirá a 7 de Dezembro[4]. Este foi um dos temas dominantes da Cimeira, com os países latino-americanos a exigir que os Estados mais desenvolvidos (e que mais poluem) paguem na mesma proporção os custos das medidas de restrição às emissões de dióxido de carbono. O primeiro-ministro português, José Sócrates, chegou mesmo a apelar aos quatro países latino-americanos membros do G20 que se sirvam da sua capacidade de influência para defender os interesses comuns dos Vinte e Dois em matéria de protecção ambiental.
Também a crise financeira e económica mundial foi abordada sem fazer parte da agenda da Cimeira, tendo sido, todavia, de grande pertinência, pois a «Inovação e Conhecimento» podem ser boas formas de solucionar a referida crise, que atingiu menos os países latino-americanos do que os países ditos desenvolvidos. Ademais, é útil ter em conta que os Vinte e Dois representam 10% da riqueza gerada a nível mundial e que o reforço das relações económicas e comerciais do eixo do Atlântico Sul pode ser uma excelente oportunidade para Portugal e Espanha saírem da crise.
Outro assunto tratado nesta XIX Cimeira Ibero-Americana foi a decisão de extraditar Posada Carriles – o terrorista responsável pela colocação de uma bomba num avião cubano em 1976, causando a morte de 73 civis – a pedido da Venezuela e dos Estados Unidos, no sentido de lhe retirar a impunidade e julgá-lo. Na realidade, a Cimeira do Estoril produziu um Comunicado Especial sobre Terrorismo que ratifica a necessidade de evitar a impunidade para aqueles que cometam este tipo de crimes, apelando ao cumprimento efectivo do Direito Internacional em matéria de penas por acções violentas para qualquer tipo de acto terrorista.
Apesar das atenções da Cimeira terem estado centradas na crise hondurenha, nas alterações climáticas (em função da Conferência do Clima de 7 de Dezembro) e na crise financeira e económica mundial, foi de facto em relação à «Inovação e Conhecimento», o tema central da agenda, que saíram os principais acordos entre os Vinte e Dois.
Desde logo, foi assinada a Declaração de Lisboa, na qual os países ibero-americanos acordaram incentivar as matérias “mediante a formulação e implementação de políticas públicas de médio e longo prazos, sejam de natureza fiscal, financeira ou de crédito, dirigidas aos agentes da inovação e do conhecimento (empresas, principalmente as pequenas e médias, as universidades, centros de I&D, governos, sectores sociais) e à população em geral, e promovendo a sua interacção, estimulando, consequentemente, a implementação gradual de uma cultura da inovação”[5].
Na verdade, pode bem ser a partir da «Inovação e Conhecimento» que as sociedades ibero-americanas consigam dar um novo impulso à recuperação económica e ao combate ao desemprego, à exclusão social e à pobreza, sendo certo que, para tanto, compete aos governos nacionais a definição de políticas públicas nesse sentido, e não à Comunidade Ibero-Americana.
Da Cimeira resultou também um Plano de Acção, também denominado de Lisboa, no qual são apresentadas e sugeridas acções visando promover a inovação e o conhecimento, designadamente através da promoção do acesso – universalizado no espaço ibero-americano – às tecnologias de informação e comunicação, consideradas fundamentais para o desenvolvimento económico e social da região.
A XIX Cimeira Ibero-Americana vem, assim, dar um novo impulso para a criação de uma «Comunidade Latino-Americana de Nações» vinculada à «Comunidade Ibero-Americana», no sentido de efectivar a «Ibero-América» como um fórum de consulta e de concertação política que reflicta sobre os desafios da região e impulsione a cooperação, a coordenação e a solidariedade regionais, promovendo o desenvolvimento dos países ibero-americanos.
De salientar, no âmbito da realização da XIX Cimeira Ibero-Americana, as IV Jornadas Ibero-Americanas promovidas pela Associação Espanhola de Professores de Direito Internacional e de Relações Internacionais (AEPDIRI), com o apoio directo da Sociedade Portuguesa de Direito Internacional, que tiveram lugar entre os dias 23 e 25 de Novembro de 2009, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, das quais resultou a Declaración de Lisboa de 25 de Noviembre de 2009 sobre Innovación y Conocimiento Desde la Perspectiva de los Professores de Derecho Internacional y Relaciones Internacionales.
Nesta Declaração, reúnem-se as principais conclusões das Jornadas, guiadas no sentido da necessidade de se proceder a acções concretas em matéria de inovação e conhecimento na gestão dos recursos naturais, assim como em matéria de «comércio» internacional da inovação e do conhecimento. A Declaração conclui ainda pelo importante papel que a inovação e conhecimento podem ter na constituição do «Espaço Ibero-Americano de Educação Superior», assim como na inovação diplomática[6].


[1] Cfr. http://www.cimeiraiberoamericana.gov.pt consultado a 16 de Novembro de 2009.
[2] O Brasil possui, com a Ucrânia, um acordo estratégico para o lançamento de foguetes espaciais.
[3] Esta é a quarta viagem de Lula à Europa nos últimos dois meses. Anteriormente esteve na França, na Itália, na Grã-Bretanha, na Bélgica, na Suécia e na Dinamarca.
[4] De salientar que este tema foi introduzido nos trabalhos da Cimeira pelo próprio presidente português, Aníbal Cavaco Silva, com o apoio do primeiro-ministro, José Sócrates.
[5] Cfr. Declaração de Lisboa, XIX Cimeira Ibero-Americana, Lisboa, 1 de Dezembro de 2009.
[6] Cfr. Declaración de Lisboa de 25 de Noviembre de 2009 sobre Innovación y Conocimiento Desde la Perspectiva de los Professores de Derecho Internacional y Relaciones Internacionales, Lisboa, 25 de Novembro de 2009.

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