Wednesday, January 16, 2008

Tarso Genro em Lisboa


“O GOVERNO LULA E O NOVO CICLO DE DESENVOLVIMENTO DO BRASIL”, TARSO GENRO



Em reunião restrita com académicos e jornalistas portugueses e brasileiros, organizada pela Embaixada do Brasil em Lisboa, o ministro brasileiro da Justiça, Tarso Genro, falou sobre “O Governo Lula e o Novo Ciclo de Desenvolvimento do Brasil”.
De visita oficial a Portugal entre os dias 9 e 15 de Janeiro de 2008, para discutir a ampliação das parcerias jurídicas entre os dois países (que já têm acordos bilaterais em matéria de extradição e transferência de presos), Tarso Genro e o ministro português da Justiça, Alberto Costa, assinaram, no dia 14, um memorando de entendimento destinado a reforçar a cooperação bilateral em matéria de direito civil e actuação policial. O objectivo é articular uma colaboração mais estreita entre a Polícia Judiciária e a Polícia Federal brasileira no combate ao crime organizado e aos outros crimes que estão sob jurisdição destas polícias, abrangendo o tráfico de estupefacientes e de pessoas nos países lusófonos. Certo é, também, que a cooperação contempla, ainda, a disponibilização de bolsas de estudo, apoio recíproco para formação e capacitação de professores e alunos, transferência de tecnologia e publicações conjuntas.
O reforço da cooperação jurídica luso-brasileira justifica-se, naturalmente, pelo aumento do fluxo migratório entre os dois países e pelas intensas relações comerciais existentes, pois os problemas que daqui advêm acabam por reflectir-se no domínio civil, como sucede com os problemas contratuais, as obrigações extra-contratuais, o direito da família e os problemas processuais. Evidente, naturalmente, que a visita de Genro a Portugal não se limitou ao campo jurídico, tendo-se o ministro brasileiro encontrado, também, com o ministro português da Administração Interna, Rui Pereira, visando a aproximação das polícias para o estabelecimento de um regime de colaboração, até porque a concepção paradigmática da segurança pública brasileira, da responsabilidade dos estados federados e da Polícia Militar, tem vindo a sofrer grande alteração, ainda que se mantenha muito distinta da lógica portuguesa, desde logo visível pela concentração das pastas da Justiça e da Administração Interna no único Ministério brasileiro da Justiça.
Seguindo para Espanha no dia 15, para participar no I Fórum Anual da Aliança das Civilizações, presidida pelo ex-chefe de Estado português Jorge Sampaio, Genro não deixou de encontrar-se com académicos e jornalistas, ainda em solo português, para fornecer informações válidas sobre o actual processo de desenvolvimento do Brasil sob Administração Lula. Em reunião restrita, decorrida a 10 de Janeiro na Embaixada do Brasil em Lisboa, na qual tivemos o privilégio de estar presentes, Tarso Genro afirmou que o Brasil, hoje, não obstante os tempos de instabilidade dos primeiros anos da Gestão Lula, vive um novo ciclo de desenvolvimento, com características inovadoras, relativamente aos anteriores ciclos de desenvolvimento, designadamente os períodos 1956-60 (Plano de Metas) e 1972-74 (Milagre Económico).
O actual período de desenvolvimento apresenta um crescimento económico equilibrado, com elevadas taxas de crescimento a vários níveis e mais crédito, mais emprego e programas sociais que têm tido influência na sustentabilidade desse crescimento. À parte a crise política que sucedeu à eleição de Lula, resultado das dificuldades económicas geradas, sobretudo, pelo elevado défice público, a taxa de aprovação do presidente petista ronda os 66%, funcionando o governo e a oposição em plena democracia e liberdade, colocando o Brasil no processo de «desenvolvimento socialmente sustentável» pela via democrática.
Sendo certo que, para além da redução do índice de pobreza e da melhoria generalizada dos indicadores económicos, as expectativas são, todas elas, bastante positivas, com um crescimento do PIB esperado para 2008, 2009 e 2010 de 5% ao ano, segundo dados do Ministério brasileiro da Justiça, Genro observou o aparecimento, no Brasil, de um fenómeno novo: o nascimento de uma nova classe média. Diferente da existente nos países desenvolvidos, esta nova classe média brasileira vem dos sectores mais empobrecidos da população, que acedem a um conjunto de mecanismos característicos das tradicionais classes médias, funcionando como motor da economia interna, em virtude de consumirem produtos nacionais, de modo a alargar o mercado interno brasileiro, aquecendo a economia brasileira. Suportada por «políticas de recoesão social», políticas de sustentabilidade como o Bolsa família, que procuram a integração da população mais pobre na sociedade, e por «políticas de inclusão social», políticas de integração social a partir de uma situação mais estabilizada, esta nova classe média tem beneficiado do aumento das verbas federais para os programas sociais. Não se tratando apenas de tentativas de redistribuição da renda sem qualquer retorno, estes programas, na sua grande maioria, estão vocacionados para a educação, tanto a nível infantil, médio/juvenil, quanto superior. A ideia é colocar os jovens no sistema educacional, sobretudo aqueles oriundos da população de baixa e baixíssima renda, de modo que a educação seja acessível a todos. Exemplos claros desses programas, enumerados sistematizadamente por Genro, são o Fundef (para a educação fundamental), o Fundeb (para a educação básica), o Prouni (Universidade para todos), a Política de Quotas, o Bolsa Família e o Projovem.
Do ponto de vista do desenvolvimento económico, o Brasil, cuja política económica tem assentado no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), desde Janeiro de 2007, tem procurado actuar, prioritariamente, ao nível da melhoria das infraestruturas e da edificação de um modelo energético que apoie a diversificação da matriz energética.
Os êxitos económicos têm sido evidentes, transformando o Brasil num BRIC, segundo a sugestiva designação conferida, em 2003, por Jim O`Neill, economista do Grupo Goldman Sachs, ao Brasil, à Rússia, à Índia e à China, de acordo com a tese segundo a qual estas economias têm-se desenvolvido de tal forma que, em 2050, terão já ultrapassado as economias dos países hoje considerados mais desenvolvidos. Não obstante, o espectro da inflação volta à discussão nos meios empresariais, académicos e económicos brasileiros, em função da divulgação, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), do IGP-M com variação de 7,75% em 2007. O aumento da procura e a elevação dos preços dos bens ligados à alimentação são as principais causas do retorno do temor do fantasma da inflação elevada. Na verdade, este fenómeno atinge mundialmente as economias dos países emergentes, frente à procura infindável por commodities agrícolas pelos países que precisam de alimentar as suas gigantescas populações, como a China, a Índia e a Rússia, e frente à corrida mundial em busca de energia limpa de origem vegetal.
Não apenas o ministro Tarso Genro, como todo o governo brasileiro e, ainda, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, têm afirmado que os fundamentos actuais da economia brasileira são sólidos e não motivam preocupações no curto prazo. A formação bruta de capital aumentou; o investimento directo estrangeiro entra no país em grandes volumes; as reservas internacionais do Brasil estão como nunca estiveram; tendo o Brasil melhorado significativamente a capacidade de suportar choques externos. Henrique Meirelles tem mesmo afirmado que o Brasil está preparado para enfrentar eventuais turbulências no mercado internacional, assim como as consequências de uma recessão nos Estados Unidos. Ademais, o governo brasileiro prevê que o Brasil, em até dez anos, assuma a liderança mundial na exportação de etanol e soja, superando inclusive os EUA no ranking do comércio internacional destes produtos. E espera, ainda, que, no mesmo período, o país reforce a liderança na venda de açúcar e registe um salto nas exportações de milho.
É assim que, não obstante o temor do regresso da inflação e das consequências, sobre a economia brasileira, de uma eventual crise norte-americana, as expectativas apontam para a superação dos dilemas económicos do Brasil, através da implementação de um verdadeiro «Estado Logístico», que recupere a autonomia decisória, aceite a interdependência e aja internamente segundo os parâmetros desenvolvimentistas, apenas com a nuance de transferir, para a sociedade, as responsabilidades do Estado empresário. É assim, também, que as expectativas apontam para a superação dos dilemas políticos do Brasil, com o país a assumir posições relativamente aos assuntos que hoje recheiam a agenda mundial, por forma a temperar a dimensão amplamente comercial dos modos brasileiros de inserção internacional, através de um matiz político. De modo que o Brasil se consolide como um dos pólos do sistema internacional multipolar e de «global trader» transforme-se um dia em «global player».

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