Friday, January 26, 2007

Programa de Aceleração do Crescimento

LULA E O PAC


Conforme prometido na cerimónia de tomada de posse, Lula apresentou, a 22 de Janeiro último, no Palácio do Planalto, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para o Brasil, depois de três meses de preparação. Programa de grande envergadura, com projectos a serem executados nos próximos quatro anos, obterá o aval do mercado financeiro e dos académicos se emitir os sinais correctos para a evolução dos gastos públicos, da arrecadação e dos investimentos para o período 2007-2010. Indicações precisas sobre as despesas, receitas e investimentos são decisivas para equacionar dilemas e esclarecer as opções do governo, sendo certo que o objectivo do PAC é estimular o crescimento do PIB através de mais investimentos na economia.
Deste modo, e perante a situação actual da economia brasileira, é necessário limitar os gastos correntes de modo a abrir-se espaço para os investimentos. Ao mesmo tempo, a queda dos juros permite a redução do superávite primário, o que poderá ser reforçado através da implementação do Projecto Piloto de Investimento (PPI).
As medidas já tomadas em matéria fiscal, todavia, não têm apontado no sentido desejado, ao mesmo tempo que o reajuste de 8,57% do salário mínimo, a nova regra dos aumentos automáticos desse salário para o futuro, a redução dos impostos para bens de capital e a correcção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física em 4,5% não abrem espaço para a redução das despesas correntes. Antes pelo contrário. As medidas já adoptadas apontam para um aumento dos gastos sem indicação de cortes da carga tributária que incentivem as empresas a investir. Com uma política fiscal expansionista em todo o primeiro mandato, os gastos primários do governo cresceram, entre 2003 e 2006, a 9,5% ao ano, sendo de prever a manutenção desse ritmo de crescimento pelo menos durante o ano de 2007.
Além disso, tem surgido preocupante a tendência do presidente Lula em centralizar todas as decisões políticas e económicas na sua figura. O novo valor do salário mínimo foi decidido por ele em negociações com os sindicatos; o PAC ficou nas suas mãos; a suspensão das licitações das estradas federais foi também decisão sua; assim como o levantamento de entraves ideológicos à privatização como eficaz instrumento para atrair investimentos.
É verdade que, não obstante, o segundo mandato de Lula apresenta potencial para criar condições de crescimento de 4,5% este ano e 5% nos restantes, até 2010, desde que a taxa de investimento siga um sentido ascendente. Na verdade, o PAC, que prevê fortes investimentos em saneamento básico e habitação, amplia a capacidade de investimentos, através da desoneração tributária, de modo a permitir que o crescimento do PIB brasileiro ultrapasse os 5% ao ano. Sendo certo que, de 2005 para 2006, o volume de investimentos aumentou 6%, o PAC pretende que, nos próximos anos, esse incremento seja da ordem dos 8-10% ao ano, de modo que, ao longo de quatro ou cinco anos, se atinja um volume de investimento de 25% – o volume necessário para viabilizar um crescimento anual de 5% ou mais. Situação favorecida pela gestão da dívida pública durante o primeiro mandato de Lula, a qual foi bastante positiva, ao seguir um processo de desmantelamento da indexação da dívida surgida nos anos 1980.
Neste sentido, várias são as propostas económicas contidas no PAC, o qual irá gerar investimentos de R$ 504 biliões até 2010, com prioridade para a construção e aperfeiçoamento das infra-estruturas (como portos e rodovias), ainda que corte, nos gastos e nos impostos, menos do que o esperado.
Procurando acelerar o crescimento sem comprometer a estabilidade, Lula garantiu que as medidas serão implementadas gradativamente nas cinco áreas temáticas do Programa, a saber: medidas de infra-estrutura (incluindo infra-estrutura social, como habitação, saneamento, transporte público), estímulo ao crédito, desenvolvimento institucional, desoneração e medidas fiscais de longo prazo. O pacote contempla, desta forma, projectos de infra-estrutura e redução de bloqueios logísticos, designadamente nas áreas da energia, transporte, habitação e saneamento, para destravar a economia e permitir o desenvolvimento; desoneração fiscal em sectores prioritários da economia, como a construção civil e a informática; medidas para a redução do défice da Previdência e aumento da arrecadação de impostos, com maior eficiência da Receita Federal.
Considerado a grande aposta do segundo mandato de Lula, assim como a base para alcançar-se o crescimento anual de mais de 5%, o PAC foi lançado na maior reunião política desde a tomada de posse, com todos os ministros, vinte e cinco governadores (dos vinte e sete, apenas os de Santa Catarina e Roraima não estiveram presentes nem enviaram representantes), presidentes e líderes dos onze partidos que compõem a coligação deste segundo governo, no que conduz, na prática, ao verdadeiro início do governo de coligação, já que é desta reunião que o governo espera obter o necessário apoio para aprovar as medidas do PAC no Congresso, incluindo as menos populares.
Na verdade, o apoio do Congresso e dos governadores ao PAC é essencial para fortalecer a coligação que sustenta o governo. Um dos grandes receios é que a disputa para a Presidência da Câmara atrase a aprovação das medidas contidas no PAC. Razão pela qual o presidente Lula vem exortando os líderes e ministros a, encerrado o processo de escolha, esquecerem as diferenças e procurarem reconstruir a unidade, já que o objectivo é aprovar as sete medidas provisórias, os dois projectos de lei complementar e os dois projectos de lei ordinária constantes do PAC, cuja votação no Congresso deverá ocorrer dentro de três meses. Até lá, o pacote será analisado pelo Congresso e discutido com o governo, que se tem mostrado aberto à negociação, ainda que este debate, bem como a eleição do Presidente da Câmara ameacem atrasar o tão esperado anúncio da equipa de Lula.
Mas esse não é o único receio que se coloca à aprovação do PAC. Outro importante temor é o de que o Legislativo introduza fortes mudanças no PAC, que mesmo entre os aliados mereceu ressalvas. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), contrapôs-se ao ministro da Economia, Guido Mantega, enquanto o presidente do PMDB, Michel temer, disse haver arestas a polir, especialmente em matéria de reforma tributária, e os governadores da oposição criticaram a falta de negociação das prioridades estaduais. Não obstante, Lula tem apelado à necessidade do apoio de todos os políticos para a aprovação das reformas tributária e política, a serem apresentadas ainda este ano, sendo certo que, depois do PAC, um pacote social deverá ser apresentado, com propostas nas áreas sociais, de educação e segurança pública. Este pacote, que Lula já chamou de Pacote de Cidadania, só deverá ser anunciado em Fevereiro, depois de definido o ministério para o segundo mandato.
Sem citar Hugo Chávez (Venezuela) ou Evo Morales (Bolívia), Lula demarcou-se claramente destes, no forte discurso político com que lançou o PAC, seu primeiro pacote de medidas económicas desde que chegou ao Planalto, há quatro anos, ao afirmar que crescer economicamente sem democracia não faz parte dos seus objectivos, já que “não se fortalece a economia enfraquecendo o social”.
As reacções ao anúncio do PAC não foram muito entusiastas, sobretudo da parte dos governadores, que não deixaram de apontar o facto de não terem sido consultados pelo governo antes da divulgação do pacote.
Apesar de algum optimismo com a eventualidade do PAC melhorar as condições de investimento e criar um ambiente psicológico favorável à expansão da actividade económica, a verdade é que o reajuste, em 4,5%, da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, em lugar dos 3% inicialmente propostos – medida incluída no PAC, mas que já havia sido anunciada pelo governo federal no fim do ano passado – não deixará de provocar uma redução da arrecadação tributária de R$ 593 milhões para os estados e municípios – já que o Imposto de Renda tem a arrecadação compartilhada pelo governo federal e pelos governos estaduais, sendo a perda do primeiro avaliada em R$ 667 milhões. O mesmo sucederá com a redução a zero do Imposto sobre Produtos Industrializados, que igualmente acarretará a perda de arrecadação por parte dos estados e municípios.
Descontentes com os efeitos esperados do PAC, os governadores estaduais reunir-se-ão, já na próxima Segunda-Feira (29 de Janeiro), em Brasília, para definir uma pauta de ajustes ao programa, a ser apresentada ao presidente Lula no dia 6 de Março.
Criticado também pelos empresários, o PAC, que marca o início efectivo do segundo mandato de Lula, é acusado de estar na dependência do entusiasmo da iniciativa privada, da aprovação do Congresso e de um ambiente externo favorável. A marca de 4,5-5% de crescimento ao ano é vista com desconfiança pelo mercado (e, até, por alguns sectores do próprio governo) e a incerteza sobre de onde virá todo o dinheiro necessário é uma crítica contundente, sendo todavia certo assentar o PAC nos gastos públicos e de empresas públicas (só da Petrobrás e da Eletrobrás esperam-se R$ 274,8 biliões). Considerada optimista demais pelo sector produtivo, a taxa de crescimento defendida como certa pelo governo só poderá, efectivamente, ser alcançada, se, a partir já deste ano, o plano for bem gerido, os investimentos começarem a aumentar e o governo sinalizar com a intenção de retomar a agenda de reformas estruturais.
Para um governo que prometia mudanças fundamentais, o PAC apresentou-se amplamente convencional, ao aproveitar a calma global da economia e a diminuição dos juros para levar o Estado a investir e a diminuir os gastos correntes, num efeito sobre o PIB que se prefigura incerto, criticam os economistas. Não alterando em nada a essência da política económica já em vigor, o PAC é tímido nas medidas que enuncia, já que muitas delas foram já implementadas, outras estão em execução e algumas permanecem em tramitação no Congresso. Por outro lado, a desoneração fiscal do sector privado é restrita, assim como as iniciativas para conter os gastos correntes. Mesmo em relação ao anúncio de R$ 504 biliões de investimentos para os próximos quatro anos, o ponto central do pacote, apenas R$ 67,8 biliões provirão do Orçamento da Federação, vindo o restante de empresas estatais (designadamente a Petrobrás) e do sector privado.
Mas é necessário atentar sobre algo que parece fundamental. Em toda a manutenção que traduz da política económica, em termos práticos, o PAC reflecte uma mudança da essência dessa mesma política, ao ressuscitar o papel mais activo do Estado na promoção do desenvolvimento, que há muito vinha sendo afastado da lógica económica do Brasil, em outros tempos desenvolvimentista.
De facto, no primeiro mandato de Lula, e já antes, sobretudo desde Fernando Collor de Mello, prevaleceu a concepção liberal-conservadora de um Estado não interventor na economia, cuja função limitava-se a ajustar as contas públicas, controlar a inflação e realizar reformas macroeconómicas. O Institucionalismo Neoliberal assim veiculado esperava ver o crescimento sustentado da economia resultar da confiança nas políticas ditas responsáveis. O crescimento, porém, não ocorreu e, agora, o novo governo Lula procura, por meio do PAC, fazer ressuscitar o Estado intervencionista, investidor em áreas estratégicas e indutor do investimento privado.
A mudança parece evidente. Poderá ser lenta e, até, cautelosa. Mas parece clara, indicando a evolução da Administração Lula, do Institucionalismo Neoliberal, para o desenvolvimentismo, eventualmente numa aplicação mais suave que a de outros tempos.
É verdade que o banco Central e a Receita Federal mantêm-se como redutos fundamentais da linha ortodoxa do FMI seguida pelos ministros Pedro Malan e António Palocci. É verdade que os gastos correntes não-financeiros, que vêm crescendo assustadoramente desde Fernando Henrique Cardoso, receberam poderoso impulso durante todo o ano de 2006. E é verdade, também, que o governo, hoje, não tem condições de reduzir a meta do superávite primário (que tem de cobrir parte dos juros da dívida pública). Existem, pois, diversos problemas a serem ultrapassados para que ocorra a desejada recuperação do investimento e aceleração do ritmo de crescimento do PIB. Por isso, o PAC dificilmente poderia ter feito mais do que fez. Por isso, também, é preciso dar, talvez, um voto de confiança a este ambicioso programa, o qual certamente terá desenvolvimentos. Do mesmo modo, o governo tem dado sinais de estar efectivamente empenhado em remover os actuais e potenciais obstáculos ao desenvolvimento, a começar pelas infra-estruturas, de modo a atenuar os custos e as incertezas do sector privado.
Podemos, talvez, neste sentido, aguardar, com esperança, os desdobramentos do PAC e seus efeitos.

Friday, January 5, 2007

Quatro Anos Depois - A Posse de Lula no Brasil

QUATRO ANOS DEPOIS – A POSSE DE LULA NO BRASIL


“Pressa, ousadia, coragem e criatividade para abrir novos caminhos” para o país. Foi assim que Luís Inácio Lula da Silva (do Partido dos Trabalhadores, PT) iniciou o primeiro pronunciamento como presidente reeleito do Brasil, na cerimónia de tomada de posse, que decorreu em Brasília, no dia 1 de Janeiro. Prevendo um segundo mandato “mais duro e muito mais exigente” do que o primeiro, mas para o qual se considera “mais preparado e optimista”, Lula, uma vez assinado o termo de posse, discursou no plenário da Câmara, depois de ter saído da Catedral de Brasília em carro aberto, ter desfilado pela Esplanada dos Ministérios, acompanhado da primeira-dama, do vice-presidente José Alencar e sua mulher, e ter sido recebido, no Congresso, pelos presidentes da Câmara, Aldo Rebelo (do Partido Comunista do Brasil, PCdoB), e do Senado, Renan Calheiros (do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, PMDB). Passando a faixa presidencial a si próprio, empossado por Calheiros, Lula subiu triunfante a rampa do Palácio do Planalto, assistindo, depois, na Praça dos Três Poderes, ao acto cultural que apresentou diversas atracções musicais.
Custando a erário público cerca de 1 milhão de Reais e reunindo 1 600 convidados (nenhum dos quais chefe de Estado ou de Governo, nem representante de outros países), a cerimónia de posse não incluiu a posse dos ministros, como ocorrera em 2003, quando Lula assumira a Presidência do Brasil pela primeira vez, de modo que o segundo mandato se inicia com um governo de carácter provisório, devendo a reforma ministerial ser anunciada pelo presidente apenas em Fevereiro, depois de solucionada a questão da sucessão nas Presidências da Câmara e do Senado.
Reeleito com mais de 58 milhões de votos, em meio a sucessivos escândalos, o presidente Lula dá início ao segundo mandato empenhado no desafio de fazer o Brasil crescer de forma sustentada e duradoura, o que não conseguiu concretizar nos primeiros quatro anos de gestão.
De facto, os principais desafios de Lula para este segundo mandato são os mesmos que enfrentou no primeiro e que já o antecessor Fernando Henrique Cardoso (do Partido da Social-Democracia Brasileira, PSDB) havia tentado vencer, sem êxito. As reformas tributária e política, implicando alterações constitucionais polémicas, são as duas questões emblemáticas que constituíram a espinha dorsal do conjunto de propostas da Administração tucana. Segundo os petistas, existe, hoje, todavia, uma nova correlação de forças nos governos estaduais que oferece, à gestão Lula, melhores condições para proceder à reforma tributária, uma vez que o Partido da Frente Liberal (PFL) já não tem governadores influentes e os dois principais governadores do PSDB, de Minas Gerais e São Paulo (os dois maiores estados do Brasil), estão desunidos em virtude da disputa presidencial de 2010. Ademais, a indignação popular com os recentes episódios do país certamente imporá, por si, a votação da reforma política, ainda que os interesses e os personagens que protagonizam as regras do jogo político sejam os mesmos, o que dificulta o alcance do consenso sobre o conteúdo da proposta de alteração da legislação eleitoral e partidária.
Por outro lado, o gabado Fome Zero, após diversas alterações ao longo dos quatro anos do primeiro mandato, não existe mais, tendo-se transformado no Bolsa Família. O Primeiro Emprego não saiu do papel e só atendeu a cerca de 0,5% dos jovens que a ele recorreram, do mesmo modo que o objectivo de criar 10 milhões de postos de trabalho também não foi alcançado senão pela metade. A reforma agrária, por seu lado, uma das grandes metas do primeiro mandato, foi condenada pelos próprios aliados, a ponto de, no passado dia 28 de Dezembro, o líder do Movimento dos Sem-Terra (MST) ter vindo a público pedir o encerramento do Ministério do Desenvolvimento Agrário. O objectivo de combater a corrupção e defender a ética nas questões públicas foi questionado diariamente, sobretudo nos dois últimos anos de governo. Também a violência, com base na promessa de que haveria uma política de segurança pública mais vigorosa e eficaz, capaz de prevenir e reprimir a criminalidade e restabelecer a segurança dos cidadãos, caiu por terra, como o demonstram os ataques do crime organizado perpetrados em Maio, em São Paulo, e nos últimos dias, no Rio de Janeiro. O prometido salto qualitativo e investimento em capacitação tecnológica e infra-estrutura destinada ao escoamento da produção igualmente permanece sem concretização, assim como a promessa de crescimento.
Não tendo saído do papel, as promessas feitas há quatro anos mantêm-se, basicamente, para o novo mandato, como o presidente deixaria claro no discurso de posse, marcado pela ênfase nas questões sociais, na necessidade de crescimento rápido e fiscalmente responsável e na importância das reformas. “Vamos destravar o Brasil para crescer e incluir de forma mais acelerada” foi o lema, no âmbito do qual Lula anunciou a meta de crescimento de 5% ao ano e afirmou lançar, ainda durante este mês, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), salientando o Programa Luz para Todos, o programa de incentivo à produtividade das empresas brasileiras, a importância da educação e a política social – encarada como peça-chave do desenvolvimento estratégico do Brasil, para além de anunciar, também, o Pacote da Cidadania, um conjunto de acções sociais para as comunidades mais pobres do interior do país. Destacando a inclusão social, Lula afirmou que o seu governo não é populista, mas sim popular, salientando as mudanças ocorridas, no Brasil, durante os quatro anos do primeiro mandato.
É certo que o presidente Lula começa o seu segundo mandato com um cenário de tranquilidade na economia, designadamente em comparação com o encontrado pelo antecessor Fernando Henrique Cardoso quando, em 1999, este iniciava a segunda gestão. Pressionado por forte crise económica internacional, o recém-reeleito presidente vira-se, desde logo, ante a necessidade de desvalorizar o câmbio, trocar dois presidentes do Banco Central e, ainda, controlar a fuga de reservas financeiras em torno de US$ 40 biliões, o que o fez perder força e enfrentar diversos dissabores políticos.
Com um cenário externo tranquilo, Lula não deverá ter de enfrentar problemas desta natureza. Ademais, a própria economia brasileira se encontra hoje substancialmente alterada na sua essência. Nos últimos 20 anos, os Planos Cruzado, Verão, Bresser, Collor e Real haviam-se fixado na estabilidade dos preços, no controlo da política monetária e na necessidade de contornar os problemas causados pela elevadíssima dívida externa. Hoje, esta está controlada, possuindo o Brasil reservas cambiais suficientes para cobrir, com folga, o saldo da dívida externa do sector público não financeiro; a taxa de juro caiu e deve manter-se em rota descendente, fazendo diminuir os gastos do governo com a colocação de títulos públicos; as contas públicas estão em ordem, somando um superávite primário de 4,41% do PIB; a inflação está controlada e o risco Brasil tem vindo a decair.
Assim, o presidente Lula inicia o segundo mandato com elevada aprovação popular, tendo, porém, de enfrentar o seu maior fantasma: a falta de crescimento da economia, que nos últimos quatro anos registou números medíocres. Razão que justificará, naturalmente, a diminuição do nível de aprovação do governo Lula por parte dos empresários, não obstante o comportamento oposto por parte da população em geral. Em 2003, 47% dos empresários brasileiros aprovavam a Administração Lula. Número que caiu para 26% em 2006, chegando a registar 16% em Dezembro último, numa queda que reflecte as baixas expectativas dos empresários relativamente ao segundo mandato de Lula. É por isso imperioso que Lula reverta o problema da falta de crescimento, apresentando um plano de desenvolvimento sustentado, como deixou claro no discurso de posse.
Neste sentido, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), será apresentado no dia 22 de Janeiro, sendo certo que os estímulos nele contidos não serão, segundo se espera, acompanhados de medidas que flexibilizem a lei ambiental, pois a área ambiental merecerá, segundo prometido, grande atenção. Grande atenção receberá, também, no âmbito do PAC, a criação de infra-estruturas para o país. Na verdade, as medidas do PAC, que contém orientações da política económica a ser seguida no segundo mandato de Lula, incluem um pacote de aceleração de obras e infra-estrutura, com a discussão de uma nova matriz energética, de álcool e biodiesel. Assim, terão prioridade as obras que melhorem as infra-estruturas do Brasil, como a conclusão e ampliação dos eixos estruturais de escoamento de carga e passageiros, como é o caso das estradas Belém - Brasília e Bahia - Minas Gerais - Rio Grande do Sul; bem como a conclusão de obras inacabadas e a concretização dos projectos que apresentem um forte potencial de retorno económico e social, como as obras nos portos de Santos, Rio de Janeiro e Paranaguá.
Segundo a edição desta semana da revista britânica The Economist, o PAC remove alguns impedimentos ao crescimento económico do Brasil, porém cria outros, salientando, designadamente, o aumento do salário mínimo e a redução dos impostos. A primeira medida colocará o salário mínimo em R$ 380 (num aumento de 5,3%), mas provocará o aumento do já intolerável custo das aposentadorias financiadas pelo Estado, enquanto a segunda surge incompleta, por não explicar como será o gasto público reduzido para financiar a alteração tributária, ainda que esta tenha como objectivo fomentar os investimentos em infra-estrutura. Por outro lado, o governo não revela a disposição de cortar nas despesas públicas de modo a aumentar a sua capacidade de investimento, para além de não patrocinar os planos de desenvolvimento económico levados a efeito pelos governos militares e associados ao milagre económico do final dos anos 1960 – início da década seguinte.
Isto não desmerece, todavia, o plano de acção económica que o governo irá apresentar, pois que o importante, para já, é que a Administração Lula elabore um plano de desenvolvimento detalhado que permita, conforme promete Lula no discurso de posse, “realinhar as prioridades; optimizar recursos; aumentar fontes de financiamento; expandir projectos de infra-estrutura; aperfeiçoar o marco jurídico; e ampliar o diálogo com as instituições de controlo da fiscalização para garantir a transparência dos projectos e agilizar a sua execução”. Pois que, para resolver os problemas da infra-estrutura, com investimentos mais significativos nas áreas dos transportes e da energia, foco central do PAC, é necessário que sejam vencidas as divergências internas sobre a condução das políticas fiscal e monetária, de modo a adequá-las ao esforço do crescimento sustentado.