LULA E O PAC
Conforme prometido na cerimónia de tomada de posse, Lula apresentou, a 22 de Janeiro último, no Palácio do Planalto, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para o Brasil, depois de três meses de preparação. Programa de grande envergadura, com projectos a serem executados nos próximos quatro anos, obterá o aval do mercado financeiro e dos académicos se emitir os sinais correctos para a evolução dos gastos públicos, da arrecadação e dos investimentos para o período 2007-2010. Indicações precisas sobre as despesas, receitas e investimentos são decisivas para equacionar dilemas e esclarecer as opções do governo, sendo certo que o objectivo do PAC é estimular o crescimento do PIB através de mais investimentos na economia.
Deste modo, e perante a situação actual da economia brasileira, é necessário limitar os gastos correntes de modo a abrir-se espaço para os investimentos. Ao mesmo tempo, a queda dos juros permite a redução do superávite primário, o que poderá ser reforçado através da implementação do Projecto Piloto de Investimento (PPI).
As medidas já tomadas em matéria fiscal, todavia, não têm apontado no sentido desejado, ao mesmo tempo que o reajuste de 8,57% do salário mínimo, a nova regra dos aumentos automáticos desse salário para o futuro, a redução dos impostos para bens de capital e a correcção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física em 4,5% não abrem espaço para a redução das despesas correntes. Antes pelo contrário. As medidas já adoptadas apontam para um aumento dos gastos sem indicação de cortes da carga tributária que incentivem as empresas a investir. Com uma política fiscal expansionista em todo o primeiro mandato, os gastos primários do governo cresceram, entre 2003 e 2006, a 9,5% ao ano, sendo de prever a manutenção desse ritmo de crescimento pelo menos durante o ano de 2007.
Além disso, tem surgido preocupante a tendência do presidente Lula em centralizar todas as decisões políticas e económicas na sua figura. O novo valor do salário mínimo foi decidido por ele em negociações com os sindicatos; o PAC ficou nas suas mãos; a suspensão das licitações das estradas federais foi também decisão sua; assim como o levantamento de entraves ideológicos à privatização como eficaz instrumento para atrair investimentos.
É verdade que, não obstante, o segundo mandato de Lula apresenta potencial para criar condições de crescimento de 4,5% este ano e 5% nos restantes, até 2010, desde que a taxa de investimento siga um sentido ascendente. Na verdade, o PAC, que prevê fortes investimentos em saneamento básico e habitação, amplia a capacidade de investimentos, através da desoneração tributária, de modo a permitir que o crescimento do PIB brasileiro ultrapasse os 5% ao ano. Sendo certo que, de 2005 para 2006, o volume de investimentos aumentou 6%, o PAC pretende que, nos próximos anos, esse incremento seja da ordem dos 8-10% ao ano, de modo que, ao longo de quatro ou cinco anos, se atinja um volume de investimento de 25% – o volume necessário para viabilizar um crescimento anual de 5% ou mais. Situação favorecida pela gestão da dívida pública durante o primeiro mandato de Lula, a qual foi bastante positiva, ao seguir um processo de desmantelamento da indexação da dívida surgida nos anos 1980.
Neste sentido, várias são as propostas económicas contidas no PAC, o qual irá gerar investimentos de R$ 504 biliões até 2010, com prioridade para a construção e aperfeiçoamento das infra-estruturas (como portos e rodovias), ainda que corte, nos gastos e nos impostos, menos do que o esperado.
Procurando acelerar o crescimento sem comprometer a estabilidade, Lula garantiu que as medidas serão implementadas gradativamente nas cinco áreas temáticas do Programa, a saber: medidas de infra-estrutura (incluindo infra-estrutura social, como habitação, saneamento, transporte público), estímulo ao crédito, desenvolvimento institucional, desoneração e medidas fiscais de longo prazo. O pacote contempla, desta forma, projectos de infra-estrutura e redução de bloqueios logísticos, designadamente nas áreas da energia, transporte, habitação e saneamento, para destravar a economia e permitir o desenvolvimento; desoneração fiscal em sectores prioritários da economia, como a construção civil e a informática; medidas para a redução do défice da Previdência e aumento da arrecadação de impostos, com maior eficiência da Receita Federal.
Considerado a grande aposta do segundo mandato de Lula, assim como a base para alcançar-se o crescimento anual de mais de 5%, o PAC foi lançado na maior reunião política desde a tomada de posse, com todos os ministros, vinte e cinco governadores (dos vinte e sete, apenas os de Santa Catarina e Roraima não estiveram presentes nem enviaram representantes), presidentes e líderes dos onze partidos que compõem a coligação deste segundo governo, no que conduz, na prática, ao verdadeiro início do governo de coligação, já que é desta reunião que o governo espera obter o necessário apoio para aprovar as medidas do PAC no Congresso, incluindo as menos populares.
Na verdade, o apoio do Congresso e dos governadores ao PAC é essencial para fortalecer a coligação que sustenta o governo. Um dos grandes receios é que a disputa para a Presidência da Câmara atrase a aprovação das medidas contidas no PAC. Razão pela qual o presidente Lula vem exortando os líderes e ministros a, encerrado o processo de escolha, esquecerem as diferenças e procurarem reconstruir a unidade, já que o objectivo é aprovar as sete medidas provisórias, os dois projectos de lei complementar e os dois projectos de lei ordinária constantes do PAC, cuja votação no Congresso deverá ocorrer dentro de três meses. Até lá, o pacote será analisado pelo Congresso e discutido com o governo, que se tem mostrado aberto à negociação, ainda que este debate, bem como a eleição do Presidente da Câmara ameacem atrasar o tão esperado anúncio da equipa de Lula.
Mas esse não é o único receio que se coloca à aprovação do PAC. Outro importante temor é o de que o Legislativo introduza fortes mudanças no PAC, que mesmo entre os aliados mereceu ressalvas. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), contrapôs-se ao ministro da Economia, Guido Mantega, enquanto o presidente do PMDB, Michel temer, disse haver arestas a polir, especialmente em matéria de reforma tributária, e os governadores da oposição criticaram a falta de negociação das prioridades estaduais. Não obstante, Lula tem apelado à necessidade do apoio de todos os políticos para a aprovação das reformas tributária e política, a serem apresentadas ainda este ano, sendo certo que, depois do PAC, um pacote social deverá ser apresentado, com propostas nas áreas sociais, de educação e segurança pública. Este pacote, que Lula já chamou de Pacote de Cidadania, só deverá ser anunciado em Fevereiro, depois de definido o ministério para o segundo mandato.
Sem citar Hugo Chávez (Venezuela) ou Evo Morales (Bolívia), Lula demarcou-se claramente destes, no forte discurso político com que lançou o PAC, seu primeiro pacote de medidas económicas desde que chegou ao Planalto, há quatro anos, ao afirmar que crescer economicamente sem democracia não faz parte dos seus objectivos, já que “não se fortalece a economia enfraquecendo o social”.
As reacções ao anúncio do PAC não foram muito entusiastas, sobretudo da parte dos governadores, que não deixaram de apontar o facto de não terem sido consultados pelo governo antes da divulgação do pacote.
Apesar de algum optimismo com a eventualidade do PAC melhorar as condições de investimento e criar um ambiente psicológico favorável à expansão da actividade económica, a verdade é que o reajuste, em 4,5%, da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, em lugar dos 3% inicialmente propostos – medida incluída no PAC, mas que já havia sido anunciada pelo governo federal no fim do ano passado – não deixará de provocar uma redução da arrecadação tributária de R$ 593 milhões para os estados e municípios – já que o Imposto de Renda tem a arrecadação compartilhada pelo governo federal e pelos governos estaduais, sendo a perda do primeiro avaliada em R$ 667 milhões. O mesmo sucederá com a redução a zero do Imposto sobre Produtos Industrializados, que igualmente acarretará a perda de arrecadação por parte dos estados e municípios.
Descontentes com os efeitos esperados do PAC, os governadores estaduais reunir-se-ão, já na próxima Segunda-Feira (29 de Janeiro), em Brasília, para definir uma pauta de ajustes ao programa, a ser apresentada ao presidente Lula no dia 6 de Março.
Criticado também pelos empresários, o PAC, que marca o início efectivo do segundo mandato de Lula, é acusado de estar na dependência do entusiasmo da iniciativa privada, da aprovação do Congresso e de um ambiente externo favorável. A marca de 4,5-5% de crescimento ao ano é vista com desconfiança pelo mercado (e, até, por alguns sectores do próprio governo) e a incerteza sobre de onde virá todo o dinheiro necessário é uma crítica contundente, sendo todavia certo assentar o PAC nos gastos públicos e de empresas públicas (só da Petrobrás e da Eletrobrás esperam-se R$ 274,8 biliões). Considerada optimista demais pelo sector produtivo, a taxa de crescimento defendida como certa pelo governo só poderá, efectivamente, ser alcançada, se, a partir já deste ano, o plano for bem gerido, os investimentos começarem a aumentar e o governo sinalizar com a intenção de retomar a agenda de reformas estruturais.
Para um governo que prometia mudanças fundamentais, o PAC apresentou-se amplamente convencional, ao aproveitar a calma global da economia e a diminuição dos juros para levar o Estado a investir e a diminuir os gastos correntes, num efeito sobre o PIB que se prefigura incerto, criticam os economistas. Não alterando em nada a essência da política económica já em vigor, o PAC é tímido nas medidas que enuncia, já que muitas delas foram já implementadas, outras estão em execução e algumas permanecem em tramitação no Congresso. Por outro lado, a desoneração fiscal do sector privado é restrita, assim como as iniciativas para conter os gastos correntes. Mesmo em relação ao anúncio de R$ 504 biliões de investimentos para os próximos quatro anos, o ponto central do pacote, apenas R$ 67,8 biliões provirão do Orçamento da Federação, vindo o restante de empresas estatais (designadamente a Petrobrás) e do sector privado.
Mas é necessário atentar sobre algo que parece fundamental. Em toda a manutenção que traduz da política económica, em termos práticos, o PAC reflecte uma mudança da essência dessa mesma política, ao ressuscitar o papel mais activo do Estado na promoção do desenvolvimento, que há muito vinha sendo afastado da lógica económica do Brasil, em outros tempos desenvolvimentista.
De facto, no primeiro mandato de Lula, e já antes, sobretudo desde Fernando Collor de Mello, prevaleceu a concepção liberal-conservadora de um Estado não interventor na economia, cuja função limitava-se a ajustar as contas públicas, controlar a inflação e realizar reformas macroeconómicas. O Institucionalismo Neoliberal assim veiculado esperava ver o crescimento sustentado da economia resultar da confiança nas políticas ditas responsáveis. O crescimento, porém, não ocorreu e, agora, o novo governo Lula procura, por meio do PAC, fazer ressuscitar o Estado intervencionista, investidor em áreas estratégicas e indutor do investimento privado.
A mudança parece evidente. Poderá ser lenta e, até, cautelosa. Mas parece clara, indicando a evolução da Administração Lula, do Institucionalismo Neoliberal, para o desenvolvimentismo, eventualmente numa aplicação mais suave que a de outros tempos.
É verdade que o banco Central e a Receita Federal mantêm-se como redutos fundamentais da linha ortodoxa do FMI seguida pelos ministros Pedro Malan e António Palocci. É verdade que os gastos correntes não-financeiros, que vêm crescendo assustadoramente desde Fernando Henrique Cardoso, receberam poderoso impulso durante todo o ano de 2006. E é verdade, também, que o governo, hoje, não tem condições de reduzir a meta do superávite primário (que tem de cobrir parte dos juros da dívida pública). Existem, pois, diversos problemas a serem ultrapassados para que ocorra a desejada recuperação do investimento e aceleração do ritmo de crescimento do PIB. Por isso, o PAC dificilmente poderia ter feito mais do que fez. Por isso, também, é preciso dar, talvez, um voto de confiança a este ambicioso programa, o qual certamente terá desenvolvimentos. Do mesmo modo, o governo tem dado sinais de estar efectivamente empenhado em remover os actuais e potenciais obstáculos ao desenvolvimento, a começar pelas infra-estruturas, de modo a atenuar os custos e as incertezas do sector privado.
Podemos, talvez, neste sentido, aguardar, com esperança, os desdobramentos do PAC e seus efeitos.
Conforme prometido na cerimónia de tomada de posse, Lula apresentou, a 22 de Janeiro último, no Palácio do Planalto, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para o Brasil, depois de três meses de preparação. Programa de grande envergadura, com projectos a serem executados nos próximos quatro anos, obterá o aval do mercado financeiro e dos académicos se emitir os sinais correctos para a evolução dos gastos públicos, da arrecadação e dos investimentos para o período 2007-2010. Indicações precisas sobre as despesas, receitas e investimentos são decisivas para equacionar dilemas e esclarecer as opções do governo, sendo certo que o objectivo do PAC é estimular o crescimento do PIB através de mais investimentos na economia.
Deste modo, e perante a situação actual da economia brasileira, é necessário limitar os gastos correntes de modo a abrir-se espaço para os investimentos. Ao mesmo tempo, a queda dos juros permite a redução do superávite primário, o que poderá ser reforçado através da implementação do Projecto Piloto de Investimento (PPI).
As medidas já tomadas em matéria fiscal, todavia, não têm apontado no sentido desejado, ao mesmo tempo que o reajuste de 8,57% do salário mínimo, a nova regra dos aumentos automáticos desse salário para o futuro, a redução dos impostos para bens de capital e a correcção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física em 4,5% não abrem espaço para a redução das despesas correntes. Antes pelo contrário. As medidas já adoptadas apontam para um aumento dos gastos sem indicação de cortes da carga tributária que incentivem as empresas a investir. Com uma política fiscal expansionista em todo o primeiro mandato, os gastos primários do governo cresceram, entre 2003 e 2006, a 9,5% ao ano, sendo de prever a manutenção desse ritmo de crescimento pelo menos durante o ano de 2007.
Além disso, tem surgido preocupante a tendência do presidente Lula em centralizar todas as decisões políticas e económicas na sua figura. O novo valor do salário mínimo foi decidido por ele em negociações com os sindicatos; o PAC ficou nas suas mãos; a suspensão das licitações das estradas federais foi também decisão sua; assim como o levantamento de entraves ideológicos à privatização como eficaz instrumento para atrair investimentos.
É verdade que, não obstante, o segundo mandato de Lula apresenta potencial para criar condições de crescimento de 4,5% este ano e 5% nos restantes, até 2010, desde que a taxa de investimento siga um sentido ascendente. Na verdade, o PAC, que prevê fortes investimentos em saneamento básico e habitação, amplia a capacidade de investimentos, através da desoneração tributária, de modo a permitir que o crescimento do PIB brasileiro ultrapasse os 5% ao ano. Sendo certo que, de 2005 para 2006, o volume de investimentos aumentou 6%, o PAC pretende que, nos próximos anos, esse incremento seja da ordem dos 8-10% ao ano, de modo que, ao longo de quatro ou cinco anos, se atinja um volume de investimento de 25% – o volume necessário para viabilizar um crescimento anual de 5% ou mais. Situação favorecida pela gestão da dívida pública durante o primeiro mandato de Lula, a qual foi bastante positiva, ao seguir um processo de desmantelamento da indexação da dívida surgida nos anos 1980.
Neste sentido, várias são as propostas económicas contidas no PAC, o qual irá gerar investimentos de R$ 504 biliões até 2010, com prioridade para a construção e aperfeiçoamento das infra-estruturas (como portos e rodovias), ainda que corte, nos gastos e nos impostos, menos do que o esperado.
Procurando acelerar o crescimento sem comprometer a estabilidade, Lula garantiu que as medidas serão implementadas gradativamente nas cinco áreas temáticas do Programa, a saber: medidas de infra-estrutura (incluindo infra-estrutura social, como habitação, saneamento, transporte público), estímulo ao crédito, desenvolvimento institucional, desoneração e medidas fiscais de longo prazo. O pacote contempla, desta forma, projectos de infra-estrutura e redução de bloqueios logísticos, designadamente nas áreas da energia, transporte, habitação e saneamento, para destravar a economia e permitir o desenvolvimento; desoneração fiscal em sectores prioritários da economia, como a construção civil e a informática; medidas para a redução do défice da Previdência e aumento da arrecadação de impostos, com maior eficiência da Receita Federal.
Considerado a grande aposta do segundo mandato de Lula, assim como a base para alcançar-se o crescimento anual de mais de 5%, o PAC foi lançado na maior reunião política desde a tomada de posse, com todos os ministros, vinte e cinco governadores (dos vinte e sete, apenas os de Santa Catarina e Roraima não estiveram presentes nem enviaram representantes), presidentes e líderes dos onze partidos que compõem a coligação deste segundo governo, no que conduz, na prática, ao verdadeiro início do governo de coligação, já que é desta reunião que o governo espera obter o necessário apoio para aprovar as medidas do PAC no Congresso, incluindo as menos populares.
Na verdade, o apoio do Congresso e dos governadores ao PAC é essencial para fortalecer a coligação que sustenta o governo. Um dos grandes receios é que a disputa para a Presidência da Câmara atrase a aprovação das medidas contidas no PAC. Razão pela qual o presidente Lula vem exortando os líderes e ministros a, encerrado o processo de escolha, esquecerem as diferenças e procurarem reconstruir a unidade, já que o objectivo é aprovar as sete medidas provisórias, os dois projectos de lei complementar e os dois projectos de lei ordinária constantes do PAC, cuja votação no Congresso deverá ocorrer dentro de três meses. Até lá, o pacote será analisado pelo Congresso e discutido com o governo, que se tem mostrado aberto à negociação, ainda que este debate, bem como a eleição do Presidente da Câmara ameacem atrasar o tão esperado anúncio da equipa de Lula.
Mas esse não é o único receio que se coloca à aprovação do PAC. Outro importante temor é o de que o Legislativo introduza fortes mudanças no PAC, que mesmo entre os aliados mereceu ressalvas. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), contrapôs-se ao ministro da Economia, Guido Mantega, enquanto o presidente do PMDB, Michel temer, disse haver arestas a polir, especialmente em matéria de reforma tributária, e os governadores da oposição criticaram a falta de negociação das prioridades estaduais. Não obstante, Lula tem apelado à necessidade do apoio de todos os políticos para a aprovação das reformas tributária e política, a serem apresentadas ainda este ano, sendo certo que, depois do PAC, um pacote social deverá ser apresentado, com propostas nas áreas sociais, de educação e segurança pública. Este pacote, que Lula já chamou de Pacote de Cidadania, só deverá ser anunciado em Fevereiro, depois de definido o ministério para o segundo mandato.
Sem citar Hugo Chávez (Venezuela) ou Evo Morales (Bolívia), Lula demarcou-se claramente destes, no forte discurso político com que lançou o PAC, seu primeiro pacote de medidas económicas desde que chegou ao Planalto, há quatro anos, ao afirmar que crescer economicamente sem democracia não faz parte dos seus objectivos, já que “não se fortalece a economia enfraquecendo o social”.
As reacções ao anúncio do PAC não foram muito entusiastas, sobretudo da parte dos governadores, que não deixaram de apontar o facto de não terem sido consultados pelo governo antes da divulgação do pacote.
Apesar de algum optimismo com a eventualidade do PAC melhorar as condições de investimento e criar um ambiente psicológico favorável à expansão da actividade económica, a verdade é que o reajuste, em 4,5%, da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, em lugar dos 3% inicialmente propostos – medida incluída no PAC, mas que já havia sido anunciada pelo governo federal no fim do ano passado – não deixará de provocar uma redução da arrecadação tributária de R$ 593 milhões para os estados e municípios – já que o Imposto de Renda tem a arrecadação compartilhada pelo governo federal e pelos governos estaduais, sendo a perda do primeiro avaliada em R$ 667 milhões. O mesmo sucederá com a redução a zero do Imposto sobre Produtos Industrializados, que igualmente acarretará a perda de arrecadação por parte dos estados e municípios.
Descontentes com os efeitos esperados do PAC, os governadores estaduais reunir-se-ão, já na próxima Segunda-Feira (29 de Janeiro), em Brasília, para definir uma pauta de ajustes ao programa, a ser apresentada ao presidente Lula no dia 6 de Março.
Criticado também pelos empresários, o PAC, que marca o início efectivo do segundo mandato de Lula, é acusado de estar na dependência do entusiasmo da iniciativa privada, da aprovação do Congresso e de um ambiente externo favorável. A marca de 4,5-5% de crescimento ao ano é vista com desconfiança pelo mercado (e, até, por alguns sectores do próprio governo) e a incerteza sobre de onde virá todo o dinheiro necessário é uma crítica contundente, sendo todavia certo assentar o PAC nos gastos públicos e de empresas públicas (só da Petrobrás e da Eletrobrás esperam-se R$ 274,8 biliões). Considerada optimista demais pelo sector produtivo, a taxa de crescimento defendida como certa pelo governo só poderá, efectivamente, ser alcançada, se, a partir já deste ano, o plano for bem gerido, os investimentos começarem a aumentar e o governo sinalizar com a intenção de retomar a agenda de reformas estruturais.
Para um governo que prometia mudanças fundamentais, o PAC apresentou-se amplamente convencional, ao aproveitar a calma global da economia e a diminuição dos juros para levar o Estado a investir e a diminuir os gastos correntes, num efeito sobre o PIB que se prefigura incerto, criticam os economistas. Não alterando em nada a essência da política económica já em vigor, o PAC é tímido nas medidas que enuncia, já que muitas delas foram já implementadas, outras estão em execução e algumas permanecem em tramitação no Congresso. Por outro lado, a desoneração fiscal do sector privado é restrita, assim como as iniciativas para conter os gastos correntes. Mesmo em relação ao anúncio de R$ 504 biliões de investimentos para os próximos quatro anos, o ponto central do pacote, apenas R$ 67,8 biliões provirão do Orçamento da Federação, vindo o restante de empresas estatais (designadamente a Petrobrás) e do sector privado.
Mas é necessário atentar sobre algo que parece fundamental. Em toda a manutenção que traduz da política económica, em termos práticos, o PAC reflecte uma mudança da essência dessa mesma política, ao ressuscitar o papel mais activo do Estado na promoção do desenvolvimento, que há muito vinha sendo afastado da lógica económica do Brasil, em outros tempos desenvolvimentista.
De facto, no primeiro mandato de Lula, e já antes, sobretudo desde Fernando Collor de Mello, prevaleceu a concepção liberal-conservadora de um Estado não interventor na economia, cuja função limitava-se a ajustar as contas públicas, controlar a inflação e realizar reformas macroeconómicas. O Institucionalismo Neoliberal assim veiculado esperava ver o crescimento sustentado da economia resultar da confiança nas políticas ditas responsáveis. O crescimento, porém, não ocorreu e, agora, o novo governo Lula procura, por meio do PAC, fazer ressuscitar o Estado intervencionista, investidor em áreas estratégicas e indutor do investimento privado.
A mudança parece evidente. Poderá ser lenta e, até, cautelosa. Mas parece clara, indicando a evolução da Administração Lula, do Institucionalismo Neoliberal, para o desenvolvimentismo, eventualmente numa aplicação mais suave que a de outros tempos.
É verdade que o banco Central e a Receita Federal mantêm-se como redutos fundamentais da linha ortodoxa do FMI seguida pelos ministros Pedro Malan e António Palocci. É verdade que os gastos correntes não-financeiros, que vêm crescendo assustadoramente desde Fernando Henrique Cardoso, receberam poderoso impulso durante todo o ano de 2006. E é verdade, também, que o governo, hoje, não tem condições de reduzir a meta do superávite primário (que tem de cobrir parte dos juros da dívida pública). Existem, pois, diversos problemas a serem ultrapassados para que ocorra a desejada recuperação do investimento e aceleração do ritmo de crescimento do PIB. Por isso, o PAC dificilmente poderia ter feito mais do que fez. Por isso, também, é preciso dar, talvez, um voto de confiança a este ambicioso programa, o qual certamente terá desenvolvimentos. Do mesmo modo, o governo tem dado sinais de estar efectivamente empenhado em remover os actuais e potenciais obstáculos ao desenvolvimento, a começar pelas infra-estruturas, de modo a atenuar os custos e as incertezas do sector privado.
Podemos, talvez, neste sentido, aguardar, com esperança, os desdobramentos do PAC e seus efeitos.
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