Wednesday, June 27, 2007

A Diplomacia Económica da Política Externa Brasileira

A DIPLOMACIA ECONÓMICA NA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA


A política externa brasileira é, reconhecidamente, um caso paradigmático de Diplomacia Económica. Ela está amplamente voltada, por tradição, para a dimensão comercial, que é, de facto, a mais explorada nos modos brasileiros de inserção internacional, apoiada por uma diplomacia muito bem preparada pelo Instituto Rio Branco, que assim compõe os quadros do Palácio do Itamaraty. Sendo certo que a política do Itamaraty mantém a tradição do pensamento realista, que contém elementos cepalinos (relação centro-periferia) e elementos do pensamento nacionalista do Instituto Superior de Estudos Brasileiros de Hélio Jaguaribe, que consideram a política norte-americana como uma restrição à promoção dos interesses brasileiros na região.
Na verdade, o Brasil é, dos países da região, aquele cuja política externa maior continuidade historicamente tem apresentado, servindo esta, desde o rompimento com Portugal, em 1822, como instrumento através do qual os governos manejam os destinos do país, mantendo a paz ou fazendo a guerra, administrando os conflitos ou a cooperação, proporcionando o crescimento e o desenvolvimento económicos ou o atraso e a manutenção das estruturas de dependência.
É evidente que sendo o Brasil, pelo peso geo-económico e demográfico, pela dimensão do mercado interno, pela avaliação dos indicadores económicos e políticos, bem como da imensidade dos problemas e desafios, e bem assim dos atributos tradicionais do poder que vai exercendo, o actor de maior relevância relativa da região, a sua política externa ganha importância determinante.
Assim, hegemónico na região, o Brasil, desde a época das independências até cerca dos anos 1930, inseriu-se internacionalmente de forma semelhante aos vizinhos latino-americanos, através do modelo liberal-conservador de trocas de produtos primários por produtos manufacturados dos países industrializados, produzindo e consolidando estruturas hegemónicas de dominação e dependência, sobre esses países, por parte da Grã-Bretanha, numa primeira fase e dos Estados Unidos (EUA), numa segunda.
Apenas a partir do fim da Guerra do Paraguai (1964-1870), a Argentina, então estruturada como Estado Nacional Soberano, viria rivalizar com o Brasil a hegemonia na região, o que motivaria uma política externa brasileira aguerrida, fomentada pelas pretensões norte-americanas de, segundo a doutrina do Big Stick de Roosevelt, que Truman não tardaria a adaptar para a do containment, estender à região a influência que desejaria ver exercer-se sobre o todo do continente americano. O Brasil posicionar-se-ia, no equilíbrio de divergências da época, procurando salvaguardar os interesses nacionais de hegemonia sobre a região e, sobretudo, acautelar a internacionalização dos rios Paraná e Paraguai – vitais para o contacto regular do Mato Grosso com o resto do território brasileiro, numa perspectiva que, aos interesses políticos, reunia fortemente os económicos.
A revolução de Setembro de 1930, que colocou na liderança do Brasil Getúlio Vargas (1930-1945), daria início ao movimento de mudança do modelo brasileiro de inserção internacional, acompanhado por idêntico trajecto dos vizinhos, já que tinham início, ainda que incipientes, os processos de industrialização que a Guerra do Chaco (1932-1935), em torno do petróleo, viria fomentar. A partir daqui, a orientação da política externa iniciada pelo Barão do Rio Branco, que privilegiava os interesses económicos, ganharia amplo relevo.
O Segundo Conflito Mundial desempenharia papel central no posicionamento internacional do Brasil segundo os parâmetros da Diplomacia Económica. Ao mesmo tempo que Vargas vendia, a preço elevado, o apoio brasileiro aos Aliados, aumentando a margem negocial da América Latina como um todo, constrangida a adoptar semelhante comportamento, o modelo desenvolvimentista iniciava-se no Brasil, bem como nos restantes países da região, desenvolvido com Eurico Gaspar Dutra (1946-1951) e, sobretudo, com Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1961), que através da Operação Pan-Americana procuraria congregar toda a América Latina, constrangendo a potência norte-americana a prestar-lhe maior atenção. Seguindo uma linha semelhante, Jânio Quadros (1961) depressa optaria pela política externa independente, procurando provocar uma transformação qualitativa do comportamento da América Latina face às negociações internacionais em geral e com os EUA em particular, de modo a retirar vantagens do ordenamento bipolar do sistema internacional.
Não tardaria, porém, que Jânio Quadros, e depois João Goulart (1961-1964), se vissem constrangidos a retirar-se do poder pela acção do golpe que, em 1964, colocaria em seu lugar Castello Branco (1964-1967), que fundaria, na doutrina das fronteiras ideológicas, o alinhamento do Brasil aos Estados Unidos, colocando um ponto final na política externa independente.
A partir daqui, o desenvolvimento e o pragmatismo guiariam a política externa brasileira, marca característica de todo o regime militar, que duraria até 1985. Desde esta inflexão, no sentido do desenvolvimento e do pragmatismo, intensificaram-se os contactos do Brasil com o mundo, ainda que o pragmatismo não permitisse eleger áreas prioritárias, antes aceitá-las por aquilo que pudessem render de vantagens ao nível do domínio económico, do comércio externo, dos serviços, dos fluxos de capitais, da ciência e da tecnologia.
Assim, embora importantes, as relações com os EUA foram perdendo peso relativo, especialmente por ter o Brasil sabido encontrar novos parceiros em condições de oferecer recursos e vantagens, tecnologia e mercados, quer no Norte, quer no Sul. O Brasil passava, desta forma, e pela primeira vez na história da sua política externa, das intenções à efectiva universalização de relacionamentos, encontrando, na Europa – Ocidental e Oriental – e no Japão, possibilidades novas que passariam a ser exploradas, numa estratégia de inserção internacional que reservava ao Sul funções complementares às do Norte, determinando, consequentemente, uma aproximação à América Latina, dando forma a inúmeros projectos de desenvolvimento bilaterais.
Ao mesmo tempo, o Brasil iniciava as tentativas de penetração na África e no Médio Oriente, enquanto acercava-se também da Ásia, assumindo um relacionamento novo com a frente dos povos atrasados, buscando superar dependências e reforçar a autonomia dos sectores energético, do comércio externo e das tecnologias avançadas.
A subida ao poder, nos EUA, de Ronald Reagen (1980-1988) viria bloquear esta trajectória. Convencido da necessidade de recuperar a hegemonia norte-americana, Reagan colocaria um ponto final no diálogo N-S, na proposta da Nova Ordem Económica Internacional e em toda e qualquer tentativa de cooperação N-S.
O modelo da política externa vinculada ao desenvolvimentismo evoluía, assim, para uma fase de crise e de contradições, passando o Brasil – como de resto a maioria dos PVDs – a sofrer os efeitos perversos do sistema internacional, no qual passavam a ser sujeitos passivos.
Em razão deste novo condicionalismo internacional, o Brasil estabeleceu novas parcerias com o Iraque, o Paquistão, a Associação de Países do Sudeste Asiático, a África do Norte, o Próximo Oriente e a URSS e reforçou os vínculos com o Sul, sobretudo com a China, e mais ainda com a América Latina.
Em 1989-1990, todavia, o mundo abalaria perante as transformações ocorridas na Europa de Leste.
Diante do novo cenário internacional, a política externa brasileira parecia perdida, incapaz de manter a racionalidade e a continuidade que, durante 60 anos, lhe havia impresso, na busca incessante pelo desenvolvimento nacional. O Itamaraty não reagiu com facilidade ao novo contexto internacional. O processo de impeachment de Collor de Mello (1990-1992), em 1992, e o hiato do governo de Itamar Franco (1992-1995) até 1994 contribuiram para a indefinição.
Apenas a partir de 1995, com Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e a continuidade da gestão do ministro dos Negócios Estrangeiros Luiz Felipe Lampreia (1995-2000) o Brasil pareceu capaz de reagir, sob os postulados neoliberais que, vindos de Washington, dominavam a intelectualidade governamental brasileira desde Collor. Encerrando o ciclo desenvolvimentista da política externa em 1989, as novas orientações externas, moldando o Estado Normal, apareciam confusas e contraditórias, ainda que plenamente dominadas pelos interesses económicos.
Impulsionado pelo anúncio, em 1990, pelo presidente George Bush, da Enterprise For The Americas Initiative, cujo objectivo era a criação de uma zona de comércio livre do Alaska à Terra do Fogo; pelo anúncio da criação do NAFTA e pela resolução do contencioso, com a Argentina, a propósito do aproveitamento hidroeléctrico dos rios da Bacia do Prata, o Brasil gerava uma visão pragmática favorável à integração regional, que viria a culminar com a assinatura, em Março de 1991, do Tratado de Assunção, entre o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, dando origem ao Mercosul.
Dando prosseguimento à política económica de Fernando Henrique, o governo Lula (2003-…) não só não rompeu com a orientação liberal do segundo mandato de Cardoso, como inclusive, a aprofundou. O primeiro governo Lula (2003-2007) exerceu um ajuste fiscal ainda mais forte que o realizado sob a era Cardoso, aplicando uma política monetária ainda mais rígida e retomou o programa de reformas de carácter amplamente liberal, que a Administração Fernando Henrique havia suspenso por falta de condições políticas para levar a efeito. Finalmente, embora a retórica da primeira campanha eleitoral do Partido dos Trabalhadores (PT) tivesse assentado sobre as políticas sociais e desenvolvimentistas, prometendo transformá-las no centro das preocupações do novo governo, consideradas as insuficiências do anterior, a verdade é que tal não ocorreu e tais políticas não mereceram, da Administração Lula, uma atenção eficiente e firme, embora neste segundo mandato se prometa o contrário. Externamente, a orientação do governo Lula centra-se amplamente, ainda que não exclusivamente, sobre o reforço do Mercosul e das relações com a Argentina, numa lógica de perfeita continuidade relativamente à tradicional Diplomacia Económica.
Na verdade, em torno do novo governo brasileiro, as expectativas apontam para a superação dos dilemas brasileiros através do vector essencial da política externa voltada para a América do Sul, que surge como o espaço geopolítico prioritário do projecto nacional brasileiro e, dentro deste, as relações com a Argentina prometem melhoras significativas. Afirma-se, mesmo, que as relações do Brasil com os vizinhos sul-americanos constituem o principal objectivo para a diplomacia brasileira nos anos que se aproximam, especialmente a construção de um espaço regional integrado no sub-continente. Neste sentido, preservar, aprofundar e alargar o Mercosul surgem como os primeiros passos essenciais a serem concretizados; contexto no qual Argentina, Venezuela, Colômbia e, por último, Chile, surgem como as prioridades.
Estes elementos constituem a constante da política externa brasileira, que Lula tem mantido. Apostado em substituir o modelo de inserção limitada que predominou na era Cardoso, o Brasil de Lula segue mantendo, porém, os dois elementos que permitem caracterizar a política externa brasileira: o que dá continuidade, regularidade e credibilidade à política externa brasileira, isto é, o desejo de reconhecimento internacional do Brasil como potência média activamente actuante no sistema internacional; e o elemento que resulta da combinação entre o pragmatismo e a flexibilidade, que reúne, à necessidade de alcançar os objectivos, a realização de ajustes.
De facto, o Brasil, se aspira a um reconhecimento como potência regional e como potência média mundial, explorando a condição geográfica de país-continente, terá que proceder à assunção de posições relativamente aos assuntos que hoje recheiam a agenda mundial. Isto significa que a dimensão comercial – que tem sido a mais explorada nos modos brasileiros de inserção internacional – terá de ser temperada por um matiz amplamente político, do qual fazem parte as opções do país relativamente ao destino do Mercosul e, em particular, à revisão das relações com a Argentina e, ainda, preocupações de outra ordem, que lhe permitam ampliar a esfera de ambições internacionais, interesses mais abrangentes e responsabilidades regionais (ou mesmo mundiais), como se exige de uma potência. Assumem relevância, neste sentido, a defesa da soberania nacional sobre a Amazónia, as relações com as potências regionais da América Latina, a participação nas missões de paz das Nações Unidas, liderando a missão enviada ao Haiti em Junho de 2004, com a África, com os países de expressão oficial portuguesa, no seio da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, entre outros.
Destes elementos dependerá, certamente, a manutenção da autonomia do Brasil no contexto da globalização, como forma indispensável para a estruturação de um projecto nacional que, ultrapassando o modelo liberal de inserção internacional, lhe confira um verdadeiro Estado Logístico, o qual recupera a autonomia decisória, aceita a interdependência e age internamente segundo os parâmetros desenvolvimentistas, apenas com a nuance de transferir, para a sociedade, as responsabilidades do Estado empresário. Um modelo que, desta forma, permita ao País constituir-se em núcleo de um dos pólos do sistema internacional multipolar, surgindo, assim, como amplamente fundamental, evitar-se a concretização da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
A defesa da América do Sul, por oposição às Américas Central e do Norte torna-se vigorosa. E a valorização do conceito de América do Sul, em lugar do de América Latina, recorrente, individualizando-se os dois projectos que existem para as Américas: a expansão radical do NAFTA sob hegemonia norte-americana; e a América do Sul, da Colômbia à Terra do Fogo, integrada num espaço económico resultante de um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a Comunidade Andina. Na verdade, a percepção destas duas Américas modelou desde o tempo do Império a política externa do Brasil, que resguardava a América do Sul como sua esfera de influência, e evitava qualquer envolvimento nas Américas do Norte, Central e do Caribe, por constituírem a esfera de influência dos EUA.

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