Friday, February 8, 2008

O Brasil - Do Carnaval e da Conjuntura

O BRASIL – DO CARNAVAL E DA CONJUNTURA



Enquanto se discute a mudança temporária do presidente Lula para o Palácio do Buruti, sede do Governo do Distrito Federal (GDF), a convite do governador do DF, José Roberto Arruda, durante a reforma do Palácio do Planalto; enquanto se comemoram os duzentos anos da chegada, ao Brasil, da corte de D. João VI; e enquanto se comemoram, também, os quatrocentos anos do nascimento do Padre António Vieira (6 de Fevereiro), o jesuíta português que dedicou grande parte da sua vida ao Brasil; os Brasileiros recuperam lentamente da ressaca dos três de folia carnavalesca.
Este ano foi novamente a vez da Beija-Flor vencer o carnaval do Rio de Janeiro, com o enredo “Macapá: Equinóceo Solar, Viagens Fantásticas no Meio do Mundo”, secundada pela Salgueiro, a escola de samba que contou a história da cidade do Rio de Janeiro. Diferentemente, a São Clemente, que mostrou a chegada da família real portuguesa com luxo e delicadeza, foi penalizada com a perda de meio ponto por ter levado ao sambódromo uma passista que tornou realidade o que parecia impossível: reduzir ainda mais as fantasias femininas, na forma dos populares e minúsculos «tapa-sexos», o menor do qual com apenas quatro centímetros, a juntar ao «topless» da parte de cima.
Curiosamente, logo após o carnaval (7 de Fevereiro), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou a maior ofensiva da Igreja contra a proposta de legalização do aborto no país, tomando por lema a “Fraternidade e Defesa da Vida”, adoptado pela Campanha da Fraternidade de 2008.
Também depois do carnaval (6 de Fevereiro), o presidente Lula encaminhou a sexta mensagem ao Congresso Nacional, por ocasião do início do ano legislativo, quando a Câmara e o Senado retomam oficialmente as actividades, após as férias de Verão.
Embora neste início de ano legislativo as atenções, quer no Senado, quer na Câmara, estejam voltadas para a instauração da Comissão Pública de Inquérito (CPI) dos cartões de crédito, para investigar o uso irregular dos cartões pelo governo federal, a verdade é que, na Câmara, aguardam votação sete medidas provisórias e três projectos com pedidos de urgência e, no Senado, o presidente da Casa, Garibaldi Alves (PMDB-RN), ambiciona alcançar um acordo entre os líderes partidários do governo e da oposição para acelerar as votações das medidas provisórias e solucionar o problema dos vetos presidenciais. Isto, muito embora as votações nas duas Casas apenas sejam retomadas na próxima semana, prevendo-se que a análise da chamada «Emenda 3» (eleita pela oposição como prioridade número um entre os vetos presidenciais) venha reacender antigas discordâncias entre os defensores dos empresários e os defensores dos sindicalistas no Congresso. A Emenda 3 proíbe a Receita Federal do Brasil de multar (ou mesmo fechar) empresas que mantêm trabalhadores sem contrato de trabalho formal, recebendo remuneração através de empresas prestadoras de serviços. A Emenda 3 passa, assim, a definição de «vínculo empregatício» para a responsabilidade da Justiça do Trabalho, permitindo que, na prática, os profissionais liberais actuem como pessoas jurídicas, em vez de terem contrato de trabalho. O veto de Lula a esta Emenda, publicado a 19 de Março de 2007, sob o argumento de que prejudicaria as relações trabalhistas, deitou por terra a tentativa dos parlamentares oposicionistas que, agora, tentarão derrubar o veto no Congresso.
Prestando contas das acções do Executivo e apresentando as intenções para o próximo ano legislativo, o presidente Lula, na sexta mensagem ao Congresso Nacional, começou por afirmar que é muito melhor o Brasil de hoje do que o das últimas décadas, fruto do esforço colectivo do governo federal, do Legislativo, do Judiciário, dos governos estaduais, municipais e de toda a sociedade.
Reconhecendo a existência, no cenário internacional, de riscos para o crescimento da economia brasileira, Lula avaliou que o impacto desse cenário sobre o país será limitado, em virtude da “demanda doméstica robusta” e da “solidez das contas externas”, tendo as Nações Unidas, em 2007, incluído o Brasil, pela primeira vez, no grupo de países com alto índice de desenvolvimento humano. Elogiando o governo que lidera, Lula relembrou que um dos marcos da acção do Executivo federal em 2007 foi o lançamento e a consolidação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), referindo, uma vez mais, que o fortalecimento da integração sul-americana permanece como “objectivo prioritário” da actuação internacional do Brasil, centrada sobre o Mercosul, projecto que vem avançando em termos comerciais e nos níveis político e sócio-cultural. Não obstante, e dando corpo à ideia de diversificar parcerias, Lula não deixou de apontar que o Brasil intensificou as relações com os países africanos e asiáticos, assim como com os seus tradicionais parceiros, os Estados Unidos e a União Europeia. Deste ponto de vista, relembrou que, em Julho de 2007, no fim da Cimeira de Lisboa, foi lançada a Parceria Estratégica Brasil-União Europeia, centrada sobre as áreas do meio-ambiente, dos biocombustíveis e da ciência e tecnologia; enquanto, em Março, havia sido lançado o Fórum Internacional de Biocombustíveis, em Nova Iorque, pelo Brasil, África do Sul, China, União Europeia, Estados Unidos e Índia, com vista a estabelecer um diálogo de alto nível e coordenar as posições destes actores sobre a matéria.
Perspectivando um 2008 mais profícuo para o Brasil e o povo brasileiro, Lula referiu ainda que a segurança, a educação e a saúde serão as três áreas que merecerão maior atenção do governo federal, ainda que o silêncio do presidente sobre a reforma tributária tenha caído mal entre a oposição. Isto, não obstante o governo ter prometido que, em Fevereiro, enviaria ao Congresso uma proposta de reforma nessa área.
Terminando dizendo-se “o mais satisfeito e o mais insatisfeito dos Brasileiros (satisfeito porque fizemos muito, e insatisfeito porque tudo isso ainda é pouco diante do tamanho da nossa dívida social)”, Lula não alcançou o impacto que desejava com a mensagem ao Congresso por a política interna brasileira estar, hoje, quase totalmente centrada nos escândalos dos cartões de crédito. Efectivamente, escândalos com gastos abusivos nos cartões de crédito corporativos do governo federal por parte dos seguranças pessoais da família do presidente Lula e de diversos ministros motivaram o anúncio da saída de Matilde Ribeiro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial na última semana de Janeiro e da devolução de cerca de R$ 30 mil por Orlando Silva, do Ministério dos Esportes. As denúncias de corrupção em torno do gasto oficial com cartões de crédito corporativos voltam a ser notícia no Brasil, motivando diversas reportagens publicadas em jornais estrangeiros como o espanhol “El País” e o argentino “La Nación”, falando-se já de uma “CPI dos cartões”, enquanto se mantém a “CPI do apagão aéreo” e a “máfia das obras” com o esquema de fraudes em licitações públicas.
Entretanto, o Brasil é também notícia na imprensa estrangeira por bons motivos. Num longo texto publicado no dia 2 de Fevereiro, o norte-americano “New York Times” traça um perfil simpático do ministro Mangabeira Unger, da Secretaria de Acções de Longo Prazo, a quem chama de «ministro das ideias». Entrevistado em Brasília por Alexi Barrionuevo, o político e professor da Universidade de Harvard afirma que quer ajudar o governo a definir um plano de desenvolvimento económico e ecológico para a Amazónia por forma que o desmatamento não seja acelerado pela actividade económica desorganizada de um espaço onde vivem vinte e cinco milhões de pessoas. Note-se que, também esta semana, começaram a circular notícias de que a Polícia Federal montará em breve «task-forces» para identificar e levar a tribunal os responsáveis pelo desmatamento na Amazónia, numa operação que terá por base cidades em Mato Grosso, Pará e Rondónia.
Ainda no centro das atenções, a Amazónia será, prevê-se, a sede de uma universidade internacional que os governos brasileiro e francês vêm cogitando, como forma de fortalecer a aliança estratégica Brasil-França. Segundo Marco Aurélio Garcia, assessor internacional da Presidência da República, esta universidade, projecto franco-brasileiro, prevê a participação dos países amazónicos (Venezuela, Colômbia, Peru, Equador, Bolívia, Suriname e Guiana), como centro de pesquisas compartilhadas nas mais diversas áreas, desde doenças tropicais e contenção do efeito de estufa, por forma a complementar a actuação, in loco, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazónia (INPA).
Na realidade, os presidentes Lula e Sarkosy deverão ter, em 2008, quatro encontros para consolidar essa aliança nas áreas civil e de defesa, o primeiro dos quais já no dia 12, no Oiapoque, na fronteira entre o Brasil e a Guiana. São objectivos de ambos os governos, para além da universidade, a construção de uma ponte entre o Brasil e a Guiana, a cooperação para cursos profissionalizantes, o apoio às pequenas e médias empresas e a cooperação militar, que deverá envolver submarinos, helicópteros, treino de tropas e o fornecimento de caças Rafale para recompor a desfalcada Força Área brasileira.
Aproveitando a Cimeira União Europeia-América Latina em Abril/Maio, Lula e Sarkozy deverão ter o seu segundo encontro, em Lima; podendo o terceiro vir a ocorrer no Japão, ainda no primeiro semestre do ano, aquando da reunião do G-8, se o Brasil, como membro do G-5, for convidado a participar. O quarto encontro deverá ter lugar em Brasília, em Dezembro, quando Sarkozy fizer uma visita oficial ao Brasil para, entre outras iniciativas, lançar 2009 como o «ano da França no Brasil».
Entretanto, mantêm-se as divergências entre o Brasil e a União Europeia a propósito da protecção europeia ao sector primário. No último dia 30, a União suspendeu, por prazo indeterminado, a importação de carne bovina brasileira, uma vez que, das 2 681 propriedades que o governo brasileiro apresentou como habilitadas para exportar, a União Europeia apenas aceitou 300, numa medida considerada “descabida” e “discriminatória” pelo governo brasileiro. A decisão europeia, que fez o preço da carne subir na Europa, provocou um protesto formal do governo de Lula, que criticou o embargo, lembrando o recente episódio das “vacas loucas” que atingiu o gado europeu.
Mais importante, para a diplomacia brasileira, do que a reticente UE, os países do Golfo (Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Catar e Omã) viram prioridade para o Itamaraty, em busca de um mercado sobreaquecido pelos petrodólares. Em visita a Riad (Arábia Saudita) esta semana, o ministro brasileiro dos Negócios Estrangeiros, Celso Amorim, foi justamente em busca da aproximação comercial bilateral, que deverá sair beneficiada pela assinatura, nos próximos meses, de um acordo comercial entre o Brasil e os países da região e, ainda, pelo acordo comercial entre o Mercosul e a região, quase concluído.
Na realidade, apesar de ter «descoberto» o Golfo Pérsico tardiamente, o Brasil tem condições de ganhar mercado. Segundo o Estado de São Paulo (edição online de 6 de Fevereiro de 2008), a corrente comercial entre o Brasil e os países árabes somou, em 2007, US$ 13,5 biliões, crescendo a importância da região para as exportações brasileiras. Não por acaso, Lula organiza a sua terceira visita oficial ao Médio Oriente este ano, da mesma forma que os governadores do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e de Minas Gerais, Aécio Neves, ambos com delegações de empresários.
A diplomacia brasileira concentra, contudo, no momento, as suas atenções no Haiti, onde intervém directamente, no terreno. No entanto, e embora não esteja prevista uma participação directa, o Itamaraty pretende desenvolver, juntamente com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), um programa mais amplo de cooperação eleitoral com a África, que poderá vir a ser implantado através da União Africana. A ideia desta colaboração nasce a propósito da crise social, política e humanitária detonada no Quénia, no final do ano passado, quando Mwai Kibaki foi reeleito em meio a acusações de fraude e à não aceitação da derrota pelo adversário Raila Odinga. Relativamente a um conflito que já deixou mais de mil mortos e entre 250 e 300 mil deslocados (segundo a Agência Lusa), a posição do Brasil, de cunho humanitário, vai no sentido de tranquilizar a violência pós-eleitoral levando ao estabelecimento de alguma forma de diálogo entre as forças do governo e as forças da oposição em torno do resultado eleitoral.
Em termos regionais, é a Venezuela quem volta a dar que falar, depois de o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS) ter advertido, na Terça-feira de carnaval, para a possibilidade de o país de Hugo Chávez vir a assinar novo acordo armamentista com a Rússia. No balanço de 2008 sobre a situação militar no mundo, o instituto britânico prevê que o fracasso das Forças Armadas venezuelanas em dotarem-se de aviões de transporte militar, por oposição de Washington, leve à assinatura de outro acordo militar com a Rússia. De facto, impossibilitada de adquirir material bélico da Espanha, do Brasil e da França, por pressão norte-americana, Caracas volta-se cada vez mais para Moscovo, com quem assinou, em 2007, dois importantes acordos que incluem a compra de cinco submarinos com torpedos e a possibilidade de adquirir uma grande variedade de aviões.
O grande problema é que esta questão poderá desencadear uma corrida armamentista na América do Sul. Na verdade, a vocação militarista da Venezuela já tem levado diversos países latino-americanos a procurar modernizar o seu aparato militar. Os casos da Argentina, que conclui a compra de equipamento militar russo, e do Brasil, que anunciou já o aumento das verbas destinadas à defesa, são os mais emblemáticos; mas também o Equador, o Peru e o Chile aumentaram já os seus gastos militares.
Preocupada com as questões militares, a Venezuela descura o lado interno da política, marcado por forte escassez de alimentos e medicamentos no mercado interno. Apesar de contar actualmente com uma renda proveniente do petróleo sem precedentes, a Venezuela tem tido, há meses, dificuldades em manter a oferta de alimentos e medicamentos. Um problema que muitos afirmam estar relacionado ao controlo dos preços instituído pelo governo, mas que as Autoridades atribuem a capitalistas inescrupulosos que escondem os bens de primeira necessidade. Seja por que for, a verdade é que Chávez já afirmou estar apenas à espera de um bom motivo para intervir e expropriar as grandes cadeias de produção e distribuição de alimentos.
Também em torno de Chávez paira a dúvida de saber se ele irá manter, como prometido, o diálogo com as Farc, especialmente depois do correspondente da Folha de São Paulo em Caracas, Fabiano Maisonnave, ter falado sobre as duas reféns das Forças Revolucionárias da Colômbia, Clara Rojas (ex-assessora da candidata presidencial Ingrid Betancourt) e Consuelo Gonzalez (ex-congressista), libertadas a 31 de Janeiro, na região da selva do Departamento colombiano de Guaviare.
Em matéria energética, ambientes mais serenos envolvem o Brasil e a Bolívia, com o agendamento da visita do vice-presidente boliviano, Álvaro Garcia Linera, ao país de Lula, para debater, juntamente com a Argentina, o fornecimento de gás boliviano. Parece necessário debater as prioridades da produção boliviana de gás, que está no limite e com dificuldades para atender à procura interna e externa. Sobretudo se pensarmos que o Brasil importa, da Bolívia, a maior parte do gás que consome (30 milhões de metros cúbicos), sendo o principal comprador do produto boliviano, também exportado para a Argentina.
Centrado nesta conjuntura regional e interna, o Brasil anseia pelas Olimpíadas de Pequim, daqui a exactos seis meses. Com 152 atletas confirmados em 19 modalidades diferentes, o Brasil espera, todavia, que, até ao dia 8 de Agosto, a delegação chegue aos 247 atletas. Ao menos, é esta a expectativa do Comité Olímpico Brasileiro (COB), enquanto o país e o povo vão já sonhando com as medalhas douradas.

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