Tuesday, November 2, 2010

A VENCEDORA DAS ELEIÇÕES BRASILEIRAS DE 31 DE OUTUBRO DE 2010

A NOVA PRESIDENTE DO BRASIL
O QUE LEVOU À VITÓRIA DE DILMA ROUSSEFF?
O QUE ESPERAR DA ADMNISTRAÇÃO DILMA ROUSSEFF?


Resultados eleitorais esperados. Porquê?

A ascensão de Dilma é um processo que se deve a Lula. O ainda presidente sempre se angustiou com a falta de um seguidor, sobretudo depois da sua escolha natural e primeira – José Dirceu, ex-chefe da Casa Civil – ter falhado por causa de uma série de corrupções de deputados. Terá sido em 2007 que o publicitário João Santana, responsável pela campanha do PT aconselhou Lula a escolher uma mulher para sucedê-lo e assim voltar a fazer história no Brasil. E, de facto, escolher e “fazer” um candidato de raiz era a melhor opção para que Lula encontrasse alguém que “continuasse” o seu legado.
Lula disse mesmo, no último dia de campanha (Sexta-Feira, dia 29 de Outubro) que, “se tudo der certo neste Domingo vai ser uma coisa extraordinária, porque há muito tempo um presidente não faz o seu sucessor”. Note-se que presidentes populares e que muito fizeram pelo Brasil como Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek não conseguiram “fazer” o seu sucessor.
Neste sentido, Dilma encontrou, à partida, um cenário favorável à sua vitória neste Domingo, com 56,01% dos votos válidos, contra os 43,99% obtidos pelo tucano, pois o seu lema de campanha foi sempre o da continuidade das políticas do presidente Lula. Colada à imagem do ainda presidente, ela beneficiou, assim, de todo o prestígio que Lula conseguiu para o Brasil, tanto interna, quanto externamente.
Em primeiro lugar, Dilma beneficiou do grande sucesso económico do Brasil tornado realidade na era Lula. Um sucesso patente nos diversos índices macroeconómicos do país, que tivemos já ocasião, por diversas vezes neste blogue, de apontar, e que resulta, em grande medida de uma característica fundamental da sociedade brasileira, que é também um trunfo da vitória de Dilma: não existe uma grande divisão da sociedade brasileira como sucede em outros países latino-americanos. Na Argentina e na Venezuela, por exemplo, o que atrapalha são os grandes antagonismos dentro das respectivas sociedades. No Brasil, há uma surpreendente convergência de ideias no âmbito das empresas, da política, dos sindicatos, das indústrias, do agronegócio, das ONGs ambientais, pois estes actores da política doméstica não apresentam grandes diferenças nas suas visões sobre o país.
Significativo foi, deste ponto de vista, que os mercados internacionais não reagiram aos resultados das eleições da primeira volta, o que demonstra a crescente confiança internacional na economia brasileira.
Por outro lado, Dilma beneficiou das acusações de corrupção que recaíram sobre José Serra por causa da alegada corrupção do engenheiro Paulo Vieira de Souza (“Paulo Preto”) e outros casos de corrupção envolvendo o estado de São Paulo à época em que Serra era governador – cargo a que resignou para poder candidatar-se à Presidência da República.
Sem dúvida, Dilma beneficiou da extraordinária aprovação popular do presidente Lula, com 80% dos Brasileiros a aprovar o seu governo, contra 15% que o consideram “regular” e 4% que o consideram “mau”, segundo sondagem do Ibope divulgada esta Quinta-Feira (dia 28 de Outubro).
A história recente do Brasil demonstra, ainda, que mesmo em segunda volta, quem vence é normalmente o candidato que obteve mais votos na primeira volta.
Uma grande vantagem de última hora para Dilma poderá ter sido o anúncio, na Sexta-feira (29 de Outubro), pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), do tamanho da descoberta do campo de Libra, no pré-sal da bacia de Santos. Segundo estimativas do governo e da Petrobrás, o volume de óleo contido na reserva poderá variar entre os 7,9 biliões e os 16 biliões de barris/dia, o que configurará o maior reservatório do pré-sal – já que Tupi tem reservas entre os 5 e os 8 biliões de barris/dia.
Ainda na última semana de campanha, o governo fez uma ofensiva de eventos na área do petróleo, tendo Lula lançado a nova plataforma de Tupi, com capacidade para produzir até 100 mil barris/dia. Este foi o quinto evento da empresa com a presença de Lula desde o início da campanha eleitoral logo na primeira volta.
Em termos de política externa, Dilma beneficiou da «reputação de mudança» de Lula, que trouxe a mudança nesta área, melhorando a imagem internacional do Brasil. Se analisarmos a evolução da política externa brasileira desde o primeiro mandato de FHC até ao final da era Lula, concluímos facilmente que ela mudou extraordinariamente. Todavia, não houve qualquer ruptura, como sucedeu na Argentina, que assistiu a rupturas sucessivas de Menem para Alfonsín e deste para Kirchner. A política externa do Brasil foi-se alterando, no que podemos apelidar de «ruptura lenta e continuada». O primeiro mandato de Lula desenvolveu uma política externa muito semelhante à de FHC, vindo depois a modificá-la, para chegar-se ao ponto de total diferença a que hoje assistimos.
Não obstante todo este cenário favorável a Dilma, existiram também algumas dificuldades – insuficientes, todavia, para conduzir à derrota. Desde logo, e não obstante as sondagens para uma eventual segunda volta terem sempre dado a vitória a Dilma, quando realizadas ainda durante a campanha para o primeiro turno do pleito, a verdade é que o PSDB de Serra saiu-se muito bem nas eleições para governador na primeira volta, elegendo governadores em estados importantes como São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Norte e Tocantins. Vencedores que foram jogadores activos na campanha da segunda volta em favor de José Serra.
Por outro lado, Dilma herda um Brasil que, para continuar com o crescimento e o desempenho económicos que tem tido apresenta ainda problemas reais a que ela terá de fazer face. Desde logo, a péssima infra-estrutura. Por outro lado, a sobrevalorização do Real, que tem aumentado extraordinariamente o custo no Brasil, que no último ano e meio disparou para níveis elevadíssimos. Por outro lado, ainda, a pouca eficiência do Estado em providenciar ajustes em sectores como a saúde, a segurança e a educação. Finalmente, a excessiva burocracia do Estado brasileiro e a falta de mão-de-obra qualificada, problema que exige uma aposta na educação e que, se tal for feito, poderá vir a ser ultrapassado em cerca de 10 anos.
A grande dificuldade de Dilma será «lutar» contra um presidente anterior que termina o seu segundo mandato com um índice de popularidade de 80%, que alcançou êxitos incontornáveis ao nível económico, das políticas sociais, tendo o Bolsa Família alcançado 11 milhões de famílias, e do estatuto internacional do país. Como poderá Dilma diferenciar-se de Lula? Que estratégia adoptar depois de o Brasil ter sido liderado pelo presidente mais famoso do mundo, como disse Obama? Dilma terá o desafio de ter de ser melhor. Mas não tem o carisma de Lula, e isso repercutir-se-á na imagem internacional do Brasil, sendo de esperar que a comunicação social mundial fale menos do Brasil e lhe dedique menos manchetes. Isto leva, também, a uma outra interrogação. Embora se fale muito, hoje em dia, sobre o ingresso de Lula numa carreira internacional, designadamente nas Nações Unidas, a falta de instrução de Lula, que não sabe falar Inglês, poderá ser um handicap, surgindo a questão de se saber se não estará Lula a preparar o seu regresso como presidente em 2014, já que a Constituição Brasileira limita a presença de um presidente a apenas dois mandatos, sendo certo que Lula não quis, deliberadamente, alterá-la para poder reeleger-se a um terceiro mandato. Neste caso, Dilma seria uma espécie de «presidente de transição», ou, o que é ainda pior, algo como um governo Lula «disfarçado» de Dilma.
Não obstante, deve referir-se que, como a própria Dilma afirmou no seu último acto eleitoral em Belo Horizonte (ela afirmou que o encerramento da campanha em Minas Gerais era simbólico, porque ela começou a sua vida política em Belo Horizonte), “não há ninguém neste país que vai me separar do presidente Lula”. Ela reiterou, como sempre, os laços de confiança política e pessoal com o presidente e disse que ele será sempre uma pessoa com quem ela terá conversas. Mas afirmou que a presença de Lula não será dentro do Ministério. Tendo afirmado que governará de “forma republicana”, independentemente dos partidos políticos aos quais pertençam governadores e prefeitos, ela pretende unir o Brasil em torno de um projecto de desenvolvimento, não só material, mas de valores, porque vai governar para todos os Brasileiros, não através de convites para governar junto com a oposição, mas com a coligação que tem. Para rebater Dilma, Serra ainda afirmou, em Belo Horizonte, onde também encerrou a sua campanha, que não existe a figura do “governo terceirizado”.
O resultado eleitoral deste Domingo foi, assim, desde o início, um resultado esperado. Nem sequer o facto de Marina Silva não ter apoiado nenhum dos candidatos foi relevante para a vitória de Dilma, pois a petista apenas precisaria de cerca de 4-5% dos votos de Marina Silva, enquanto que Serra, para vencer com os 20 milhões de votos alcançados por Marina na primeira volta, precisaria de ter recolhido 80% desses votos.

Eleita Dilma, a questão agora é: o que se espera da Administração Dilma Rousseff?

Em matéria de composição do novo governo, espera-se que este venha a ser muito eclético, com uma base de suporte com dez partidos parte da coligação e outras lideranças de apoio, que irá do PT, ao PP, ao PCdoB, passando pelo incontornável PMDB – o maior e mais constante vencedor das eleições. Por uma razão muito simples: como não apresenta candidato à Presidência da República desde 1984, as negociações e as compensações em troca de apoios rendem-lhe sempre posições favoráveis e confortáveis, designadamente ao nível de grandes pastas do governo. Este facto é tanto mais verdadeiro quanto, em nome da nomeação de Dilma, Lula teve de conceder compensações. Afinal, enquanto Lula é fundador do PT, Dilma só se filiou no partido em 2001, o que constituiu um motivo forte para que muitas lideranças do PT criassem barreiras à indicação de Dilma. De alguma forma, Dilma terá sido «imposta» por Lula ao PT, sem possuir, nem capital político, nem o carisma de Lula. Além da margem de aprovação popular de Lula de 80%, segundo as últimas sondagens, Dilma nunca disputara antes qualquer pleito, enquanto Lula já se candidatara a presidente três vezes antes de ser eleito em 2002.
Estas condicionantes seguramente limitarão os alcances do PT na composição do governo, onde se espera vir a ter uma participação menor. Ainda assim, cogitam-se, para a pasta da Fazenda, António Palocci, Guido Mantega ou Luciano Martinho. O que demonstra, claramente, a intenção, já muito anunciada por Dilma, de seguir o caminho da continuidade relativamente à Administração Lula. Em relação à Fazenda, de qualquer forma, quer ela, quer mesmo Serra, pouco poderiam inovar. Para além do próprio Serra ter tecido rasgados elogios a Lula durante a campanha eleitoral, não sendo de esperar que elaborasse grandes alterações, o Brasil tem regras relativas aos fluxos financeiros que tem de cumprir. E se já a política económica de Palocci e, depois, de Mantega, fora idêntica à de Pedro Malan do governo FHC, para os próximos quatro anos o cenário manter-se-á inalterado, com o Brasil a manter a sua grande performance em termos económicos. Note-se que, nos primeiros meses deste ano, o crescimento económico do Brasil foi de 9%.
Dilma promete, assim, manter o tripé macroeconómico que tem assegurado o êxito económico do país: o câmbio flutuante, o combate à inflação e a disciplina orçamental (para manter o excedente).
Já na microeconomia, todavia, é de se esperar um intervencionismo mais acentuado, já que Dilma afirmou que fará, das empresas quase estatais, da Petrobrás, da Vale, da Electrobrás, da Infraero, instrumentos da política económica.
Na verdade, se a macroeconomia está garantida, o desenho concreto das políticas vai depender muito de quem ocupar as cadeiras de ministro da Fazenda, de presidente do Banco Central e do topo das empresas estatais. Por isso, embora o optimismo face à economia brasileira, em termos de longo prazo, continuará seguramente, em relação a sectores concretos poderão ocorrer algumas alterações. O risco maior está na política de renovação de concessão e tarifas de energia, que deverá ser mais apertado com Dilma. Do lado positivo estão os sectores que já haviam sido os de maior prioridade de Lula. E serão também a prioridade de Dilma: a educação, com a expansão do crédito estudantil, a construção, o financiamento para a produção e aquisição de imóveis, especialmente de baixo rendimento, e os transportes, com vista a eliminar os obstáculos que afectam a produtividade do Brasil.
Há também que ter em conta, em termos de política económica, aquilo que Dilma afirmou desde a campanha para a primeira volta das eleições: intensificação do cerco sobre as empresas eléctricas, com sinalização de taxas de retorno menores para as empresas e o reforço do avanço da Petrobrás em aquisições, com a compra de parte da Comgás e da Brasil Ecodiesel.
Por isso, os analistas económicos têm sido consensuais quando referem que os investidores de rendimento variável irão voltar-se para os sectores ligados ao consumo interno e às matérias-primas. Alguns grupos fizeram já as suas escolhas. A Gradual Corretora, por exemplo, irá voltar-se para a EzTEc, Brookfield, Pão de Açúcar, Vale, Brasil Foods e Marfrig.
Há também outros aspectos importantes das propostas económicas da nova presidente. Seguramente, ela apostará na redução dos juros da dívida pública para abater a dívida e convencer os credores internacionais a baixar o risco de incumprimento associado ao país. Terá, também, de reduzir os impostos, o que fará nivelando o IVA em todos os vinte e sete estados e desonerando os bens de capital, e, ainda, de financiar a economia, usando o principal investidor, o BNDES, como catalisador da economia, elevando o capital deste banco para financiar projectos em infra-estrutura.
Para erradicar a pobreza, Dilma criará, segundo as promessas de campanha, 500 unidades de atendimento hospitalar, universalizará o Bolsa Família (que com Lula atingiu 11 milhões de famílias, tendo Serra afirmado que, com ele, o programa alcançaria 15 milhões de famílias) e universalizará, também, o saneamento básico, mantendo os programas sociais e apostando na distribuição da renda. É provavél que venha a realizar algumas reformas no programa Minha Casa Minha Vida, designadamente através da inclusão da reforma de casas e da redução da burocracia.
Ainda de acordo com o projecto de governo de Dilma, que apenas tomará posse a 1 de Janeiro de 2011, será priorizada a reforma tributária, serão cortados os gastos públicos (desde que não comprometam os investimentos), os salários e os investimentos, para além de alguns bens de primeira necessidade como alimentos, remédios e energia eléctrica, serão desonerados e, para erradicar o analfabetismo, Dilma apostará na educação. Fá-lo-á, designadamente, expandindo o orçamento para o sector e levando a banda larga a todas as escolas, até porque, como ela própria afirmara no primeiro discurso após ter sido chamada candidata à Presidência no Congresso do PT a 20 de Fevereiro de 2010, “a educação será um meio de emancipação política do nosso povo”.
Para lidar com o problema da violência, a nova presidente ampliará a participação do Estado na segurança pública, melhorando as Polícias Civil e Militar, expandindo o bolsa-formação, projecto que hoje atinge 360 mil polícias, e reforçando o policiamento comunitário nos bairros pobres. Sem fazer propriamente propostas para lidar com a corrupção, Dilma sempre salientou o papel da Polícia Federal e da Controladoria Geral da União, sendo de destacar, todavia que, evidentemente condenável em termos morais, não tem sido a corrupção a impedir o crescimento económico do Brasil e o êxito que o país tem tido na sociedade internacional desde o início do século XXI. Na realidade, embora um problema complexo, a corrupção no Brasil é funcional, porque a economia e a democracia funcionam mesmo com os níveis elevadíssimos de corrupção que existem no Brasil – como também em outros países, designadamente da América Latina e da Ásia. Por conseguinte, não será seguramente a corrupção a impedir que o Brasil se transforme numa potência global.
No fundo, de todas estas propostas, a conclusão é a mesma: a opção, sempre anunciada durante a campanha, pela continuidade das políticas do governo Lula.
Na realidade, o sistema político brasileiro difere dos modelos anglo-saxónicos. Nestes, para que o candidato vença, tem de apregoar a mudança. No Brasil, a vitória é assegurada se apelar à continuidade. O que aliás explica a preferência do eleitorado por Dilma, ainda que, se esta está na sombra de Lula, o mesmo se pode dizer de Serra, para o qual atacar o ainda presidente seria dar um tiro no próprio pé. Não esquecer, ainda, que o vice-presidente será do PMDB. O anterior vice-presidente, José de Alencar, empresário, era uma personalidade controversa e, ademais, oriundo de um partido pouco expressivo. Ao contrário, Michel Themer está bem posicionado. E deixará o PT em sérias dificuldades no caso de ter de assumir no lugar de Dilma que, embora tenha sido já dada como curada, persistem dúvidas quanto à sua capacidade física para liderar o Brasil herdado de Lula.
Assim, desde logo, Dilma terá de manter o legado social herdado de Lula, o qual retirou da miséria 24 milhões de Brasileiros, colocando outros 30 milhões na classe média. Um alcance de Lula que demonstrou ser possível o crescimento económico em conjunto com a distribuição da renda – já que existia, no Brasil, a errada ideia de que a distribuição da renda só poderia ser feita após o país alcançar o crescimento económico. Aspecto importante que Marina Silva, em entrevista à TSF, chamou especial atenção.
Para a pasta das Relações Exteriores, fala-se muito da manutenção de Celso Amorim ou da sua substituição por António Patriota. Nestes casos, a continuidade da política externa será a tónica dominante. Todavia, também se fala do do ex-Secretário Geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, do PT, que abandonou o cargo por ter completado 70 anos. Mas para ser ministro não existem limites etários. Neste caso, a radicalização da política externa brasileira será uma realidade, por ser uma personalidade controversa, em função das posições radicais que defende, tendo mesmo insistido na questão da bomba atómica. Neste cenário, espera-se a formulação e execução de uma política externa que siga o caminho traçado por Lula, de uma forte presença nas questões internacionais, ainda que em menor grau, em virtude de Dilma ser muito mais nacionalista que Lula.
Efectivamente, Lula trouxe, para a prática política brasileira, algo que não acontecia: a participação do partido na formulação e execução da política externa brasileira. É verdade que o próprio PT tem uma tradição internacionalista significativa, o que não sucede com os restantes partidos e, por outro lado, que Marco Aurélio Garcia sempre influenciou muito o presidente cessante. Assim, o internacional sempre foi uma área de eleição para Lula. Ainda que o internacionalismo do partido se limitasse à actuação na América Latina, durante as Administrações Lula o PT desenvolveu uma visão de mundo abrangente, actuando nos mais diversos fora mundiais, embora privilegiando a cooperação Sul-Sul, que relançou, não apenas com os países emergentes, com também com os países mais pobres, sobretudo da África. Cooperação Sul-Sul essa que, trazida pelo PT, apresentou desde logo dois instrumentais: a expansão da influência do Brasil e consequente prestígio internacional e a dimensão da solidariedade, resultante da visão internacionalista do partido e do próprio Lula. Dilma é diferente. Muito menos internacionalista que Lula, ela é sobretudo nacionalista, daí que, embora sem grandes alterações, se espere uma diminuição da actuação internacional do Brasil, que seguramente deixará de ser tão abordado ao nível dos media internacionais.
É natural que o papel do Brasil como pay master na América do Sul seja diminuído. As negociações com o Paraguai e a Bolívia seguramente não piorarão, mas não se prefigura provável uma melhoria das mesmas. O Brasil seguirá, certamente, consolidando a manutenção da sua presença nos principais fora internacionais, defendendo, principalmente, um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Simplesmente, fá-lo-á de um modo low profile.
Neste sentido, seguramente, a política externa brasileira será menos «aventureira», ainda que Dilma apoie a política de Lula relativamente ao Irão, mais cordial e menos tensa face aos EUA, sendo menos assertiva nas questões comerciais, em relação às quais se esperam poucos avanços. Ainda assim, os EUA e a EU continuarão sendo as suas prioridades, objectivando a conclusão de acordos comerciais, sem alterações relativamente a esses parceiros e, ainda, sem mudanças face a Portugal.
De salientar, relativamente a Portugal, que hoje existem, no nosso país, 23 mil Brasileiros, que são 66 mil nos EUA. A segunda cidade com mais eleitores brasileiros vivendo no estrangeiro é Lisboa (com 12 348), apenas atrás de Nova Iorque (com 21 000), sendo certo que o Porto vem em quinto lugar (com quase 11 000 eleitores), atrás de Boston e de Milão, respectivamente a 3ª e a 4ª cidades com mais eleitores brasileiros em todo o mundo. A importância das relações Brasil-Portugal assenta muito na emigração de Brasileiros com destino a Portugal. Neste momento, a emigração é diferente do que foi há 20/30 anos atrás, quando a mão-de-obra brasileira que vinha para Portugal era extremamente qualificada. Hoje, vêm criminosos e prostitutas, mas as Autoridades brasileiras avisam as Autoridades portuguesas, daqui resultando a imensa quantidade de Brasileiros que o SEF recambia para o Brasil mal aterram em Portugal. Mas é preciso ter em atenção que estes criminosos e prostitutas não compõem a comunidade brasileira em Portugal. Eles são as franjas dessa comunidade, em geral muito bem integrada na sociedade portuguesa, onde são participativos e trabalhadores honestos.
A haver alterações, talvez estas sejam mais visíveis em matéria de cooperação para o desenvolvimento, já que Dilma é mais desenvolvimentista e está mais preocupada com a situação económica interna do Brasil, o que poderá levar à diminuição da cooperação técnica com a África. Ainda assim, a primeira viagem de Dilma será a Moçambique, no dia 9, para conhecer a fábrica brasileira de antiretrovirais. Na verdade, Dilma já tem uma agenda de viagens internacionais em que participará na comitiva do ainda presidente Lula. A viagem a Moçambique ocorrerá após seis dias de férias que Dilma tira a partir de hoje (2 de Novembro).
Por outro lado, deve salientar-se que a preocupação de Dilma com o desenvolvimento interno do Brasil conduzirá, seguramente, a uma política menos preocupada com as questões ambientais. Ela quer desenvolver a economia e melhorar a situação interna do Brasil, alegando o velho argumento do «direito ao desenvolvimento», sem grandes preocupações ambientais.
Com um discurso de vitória excepcional, anunciando o governo “republicano” e “para todos os Brasileiros e Brasileiras”, Dilma deixou a porta aberta para um melhor relacionamento com a imprensa – ao contrário do seu antecessor, para quem qualquer notícia contrária às suas políticas significava um “golpe contra o PT” – demonstrando formação e calcando na ideia do apoio incondicional que Lula lhe deu e continuará a dar. Repleto de propostas, o discurso de Dilma afastou-se dos discursos populistas de Chavéz e Morales e apresentou-se amplamente institucional, demonstrando alguma emoção ao referir-se ao seu antecessor, mas muita determinação para quem tem levantado dúvidas quanto à sua capacidade para gerir um país que não seja meramente “um governo Lula disfarçado de Dilma”, dúvida que nós próprios lançámos aqui, mas que a determinação do discurso de vitória poderá colocar em causa, levando a crer que, igualmente muito técnico, o facto de o país vir agora a ser liderado por uma técnica não tem, necessariamente, de ser algo de prejudicial para o Brasil.
Já o discurso de derrota de José Serra foi pobre e sem emoção, como toda a sua campanha eleitoral. Embora aceitando “com humildade a voz do povo nas urnas”, o tucano mencionou Dilma, cumprimentando-a, de uma forma muito ligeira, limitando-se a agradecer aos mais de 46 milhões de Brasileiros que votaram nele, a todos os que o apoiaram e aos militantes que lutaram em defesa da mensagem do PSDB, salientando o facto de o partido ter elegido governadores em dez estados do país. Discurso sem tom e sem carisma, que não foi capaz de convencer, sequer, os 25 milhões de abstencionistas – sendo certo que a abstenção, de cerca de 20%, foi extraordinariamente elevada por causa de hoje (2 de Novembro) ser feriado no Brasil, o que levou muitos Brasileiros a fazer ponte na Segunda-Feira e a passar o “feriadão” fora dos respectivos círculos eleitorais – José Serra não se dirigiu a todos os Brasileiros, como Dilma, mas apenas aos “seus”, o que poderá vir a custar-lhe caro, até porque, nesse discurso morno, o tucano deixou a porta aberta para recandidatar-se em 2014, ao dizer que “esta mensagem não é um adeus, mas um até logo”, embora, claramente, a aposta do PSDB em Aécio Neves, para as próximas presidenciais, seria uma escolha eventualmente muito mais feliz.